Rússia e Ucrânia entram em conflito por união da Ucrânia com a OTAN
Paula Orling
A Rússia anunciou a retirada de parte das tropas da fronteira ucraniana, nesta terça-feira (15). Nas últimas semanas, mais de 100 mil soldados russos foram posicionados na região e o Ministério da Defesa russo ainda não divulgou o número de combatentes que serão retirados da região. O Kremlin assegura que a ameaça de guerra foi forjada pelos Estados Unidos e que não planeja, de fato, atacar a Ucrânia. O presidente russo, Vladimir Putin, ainda acusa Washington de tentar levar a Rússia e a Ucrânia à guerra. Apesar do pronunciamento russo, o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, prevê invasão russa na quarta-feira (16) e decreta feriado nacional – o Dia da Unidade Nacional – nesse mesmo dia.
Em decorrência das tensões recentes, representantes de países como Estados Unidos, Reino Unido e França se posicionaram. O conflito, que não adquiriu caráter armado até o momento, teve início diante da possibilidade de a Ucrânia aderir à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), uma organização composta por cerca de 30 países, criada logo após a Guerra Fria e que preza pela segurança internacional. Moscou entende a presença da Otan na fronteira com a Ucrânia como uma ameaça à segurança russa.
Vários ministérios de Relações Exteriores em todo o mundo já confirmaram a possibilidade de ocorrer um conflito bélico. Já a Otan foi responsável por posicionar navios, tropas e caças na região. Além destes, a organização enviou toneladas de munição e armamento, por meio de enormes aviões cargueiros, de acordo com postagens na rede social do ministro da Defesa ucraniano, Oleksii Resnikov.
Em apoio à Ucrânia, os Estados Unidos enviaram 8 mil soldados na primeira semana de fevereiro que aguardam comandos para o leste europeu.
Embora nenhum conflito armado tenha ocorrido até o momento, representantes ucranianos confirmaram a existência de uma “guerra híbrida” entre as nações. O mestre em Ciência Política pela Higher School of Economics (2015) de Moscou, Vicente Ferraro, define o conceito como ferramenta de manipulação.
“Guerra híbrida é um conceito que abrange não apenas o uso de armamentos bélicos convencionais, mas também a desestabilização de regimes e sistemas políticos internamente, recorrendo a instrumentos como a manipulação da mídia, guerra cibernética e de informação, fake news, disputa ideológica, diplomacia, intromissão em processos eleitorais, manipulação de identidades, estimulação de polarização político-social, dentre outros”, comenta.
De acordo com as autoridades ucranianas, a Rússia seria a causa de um ataque cibernético que ocorreu no dia 13 de janeiro deste ano e afetou 70 sites do governo da Ucrânia. Em comunicado, o governo atacado declarou que o propósito da ação “não era apenas intimidar a sociedade”, como também “desestabilizar a situação”. Ainda foi anunciado que o ataque procurou revelar “informações falsas sobre a vulnerabilidade da infraestrutura de TI estatal”.
Para o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, o ataque seria uma “manifestação da guerra híbrida que a Rússia mantém na Ucrânia desde 2014”. Kiev se referiu ao conflito na última década, que desencadeou a anexação do território da península da Crimeia ao território russo.
A Ucrânia ainda divulgou a aparição de centenas de ameaças falsas de bomba, o que ocasionou o fechamento de muitos estabelecimentos, incluindo escolas.
Em contrapartida, o Kremlin exige que o Ocidente garanta que a Ucrânia não se unirá à Otan, mas assegura que não tem a pretensão de realizar uma investida armada contra o país. “A Rússia continuará negando e é uma boa maneira de esconder seu envolvimento. Esse mecanismo funciona ainda melhor em casos de ciberataques, quando é difícil saber quem está por trás dele. Por isso, é visto como uma forma muito eficiente para enfrentar o adversário”, explica o jornalista do serviço em russo da BBC Sergei Goryashko.
A Rússia não é, de fato, inimiga da Otan, como explica o mestre em Relações Internacionais, com enfoque na reestruturação militar russa pós-soviética, Getúlio Alves de Almeida Neto. “[A Rússia] é contra o alargamento da aliança que, desde 1999 formalizou a adesão de 14 novos Estados-membros, entre eles antigos membros do Pacto de Varsóvia […]. A possibilidade de adesão da Ucrânia à aliança militar ocidental é fortemente rechaçada por Moscou, que busca nas negociações atuais a garantia de que Kiev nunca será incorporada à Otan”, defende.
Washington rejeita as solicitações da Rússia, mas afirma que está disposto a discutir a respeito do controle de armamentos. De acordo com Moscou, essa medida vai além da posição comum do país americano.
O presidente estadunidense, Joe Biden, ameaçou Putin pessoalmente. A declaração de Biden, feita no dia 25 de janeiro, é condicional à invasão da Ucrânia. O governo britânico explicitou, no dia 26, seu apoio aos Estados Unidos e afirmou que não descarta a possibilidade de fazer o mesmo.
No dia 26, o porta voz do Kremlin – sede do governo russo – Dmitry Peskov, declarou aos representantes dos Estados Unidos que “qualquer medida contra Putin seria politicamente destrutiva, mas não dolorosa”. Peskov ainda afirmou que os políticos estadunidenses defensores das possíveis sanções pessoais do presidente Biden não têm conhecimento suficiente sobre o assunto.
Não há certeza a respeito de que tipo de sanções podem ser aplicadas a Putin. Contudo, Ferraro especula algumas possibilidades de retaliação internacional. “Entre as principais estão o desligamento do sistema Swift de pagamentos internacionais, o que poderia prejudicar a economia russa profundamente, e um boicote ao gasoduto Nord Stream 2, recém construído, interligando a Rússia à Alemanha”, explica.
Nos últimos dias, o presidente estadunidense ordenou o envio de 3 mil tropas à Romênia e à Polônia, com o objetivo de proteger o flanco oriental da Otan. A Alemanha divulgou que enviará 350 militares para a Lituânia para reforçar a segurança.
O presidente francês, Emmanuel Macron, passou a ser o principal líder político ocidental a visitar Moscou. Durante reunião no Kremlin na segunda-feira (7), Macron disse a Putin que tem o objetivo de encontrar “resposta útil, que certamente nos permita evitar a guerra e construir confiança, estabilidade e visibilidade”. O governante russo afirmou concordar com o francês.
Caso as tentativas de pacificação por parte de países como a França fracassem, os resultados serão desastrosos, de acordo com Almeida Neto. “O leste ucraniano já se vê em meio a um conflito armado desde 2014, e a resposta ucraniana possivelmente seria muito mais assertiva – desde o episódio da Crimeia o país recebeu grande quantidade de armamento e modernizou suas Forças Armadas – e possivelmente transbordaria o campo da narrativa”, elucida o pesquisador.