A renascença psicodélica

Pesquisas experimentais e clínicas com drogas alucinógenas foram restabelecidas por grupos de pesquisa na Suíça, Brasil, Estados Unidos e Reino Unido, e encontraram resultados preliminares, porém promissores

Adalie Pritchard

 

Para alguns, o uso de alucinógenos é uma experiência espiritual. Joel Trumble, um ex-usuário, relata que utilizava diversas drogas para fugir da sua realidade. “O LSD é muito diferente de outras drogas. É um estado de sonho, pode ser agradável ou seu pior pesadelo. Me fez questionar a vida”, destaca.  Trumble viajou para Amsterdam, uma cidade onde os cogumelos psicodélicos são vendidos legalmente. Ele confessa que estava passando por um momento difícil e impulsivamente comprou uma sacola. “Dizia ‘duas doses’… comi a sacola inteira. Achei que estava indo para o meu quarto de hotel, andando por ruas repletas de canais, barcos e edifícios de pedra milenares que sobreviveram guerras”, acrescenta e diz que o terror o atingiu. “Percebi que estava perdido. Olhei para o meu mapa em holandês e os nomes estrangeiros eram indecifráveis. Estava perdendo contato com o mundo”, lamenta. 

Passou a noite inteira olhando uma pintura de Rembrandt deitado em uma posição fetal. “Senti puro terror, chorei. Lutei com Deus e lutei com o Diabo”, conta. A experiência fez Trumble entender que deveria reconciliar seu casamento e assegurar que seus filhos, pequenos nessa época, se formassem para ter um futuro promissor. Ele conclui: “Não acredito que os psicodélicos deveriam ser utilizados ​​recreativamente. Eles são espirituais e devem ser respeitados.” 

Os alucinógenos, ou psicodélicos, são substâncias que induzem mudanças profundas nos padrões de pensamento, percepção sensorial, emoção e cognição. Entre as drogas psicodélicas mais comuns estão: o  LSD (dietilamida do ácido lisérgico) e cogumelos. Segundo uma pesquisa publicada na Revista Brasileira de Psiquiatria, desenvolvida em 2020 por Rafael dos Santos, José Bouso e Jaime Hallak, alguns alucinógenos estão sendo “ressuscitados” como novas ferramentas na terapia psiquiátrica. Esse regresso também é chamado de renascença psicodélica.

Essas drogas foram intensamente pesquisadas para o tratamento de transtornos mentais como ansiedade e depressão durante as décadas de 1950 até o início de 1970.  Após esse período, foram estabelecidas restrições para controlar o uso recreativo dessas substâncias. Como consequência, a contenção impediu o desenvolvimento de pesquisas dessas substâncias até a iniciativa de Santos, Bouso e Hallak. Os autores esclarecem que: “Embora esses compostos não sejam ‘balas mágicas’ ou ‘drogas milagrosas’, indicam a possibilidade de um admirável mundo novo no tratamento psiquiátrico, e estamos cautelosamente otimistas quanto ao seu potencial.” 

Alguns países estão retomando a análise de drogas psicodélicas para considerar a possibilidade do seu uso clínico. A pesquisa da ayahuasca, um chá com potencial alucinógeno feito a partir de uma mistura de ervas, predomina no Brasil por ser um dos poucos países onde seu uso é legal. A substância é utilizada pelos indígenas na Amazônia de forma medicinal e ritual. 

No entanto, a popularização do uso de psicodélicos, mesmo no ambiente médico, é questionada por muitos. O psiquiatra Pablo Canalis comenta que essas substâncias estão sendo estudadas com resistência da classe médica pelos seus efeitos colaterais, em especial, pela possibilidade de dependência. O médico destaca que “são estudos estimulados pela indústria farmacêutica que querem lucrar com esses medicamentos.” 

O especialista menciona que o LCD foi investigado por ter ação em receptores serotoninérgicos (moléculas biológicas) causando sensações de felicidade e tranquilidade, ajudando a controlar a ansiedade. Mas os efeitos alucinatórios e a possibilidade de efeitos serotoninérgicos inadequados tiraram esse medicamento do uso autorizado e o tornaram clandestino. “A indústria farmacêutica sempre busca ‘ressuscitar’ medicamentos que não deram certo, especialmente por efeitos colaterais que criam dependência”, explica Canalis. O psiquiatra ainda aconselha: “Sempre é bom ter critério e seguimento médico no uso dessas substâncias.”

O argumento a favor da renascença

A Associação Psicodélica do Brasil (APB) é uma organização sem fins lucrativos criada em 2015 com a finalidade de “fomentar a ética, cultura de paz e, para tanto, defender uma política de drogas antiproibicionista, pró-regulação e pró-redução de riscos e danos”, explicado no site.  A APB pesquisa temas ligados à questão dos psicodélicos, tanto seus benefícios, quanto possíveis riscos. A associação promove ações de educação por meio de cursos, palestras, seminários e práticas integrativas. 

Fernando Becerra, representante da APB, explica que “todas as drogas devem ser regulamentadas e legalizadas”. Ele acrescenta: “Não acreditamos que a proibição seja uma solução para a política de drogas”.  Becerra, como muitas pessoas que defendem uma política de drogas antiproibicionista, argumenta que a proibição dessas substâncias viola “inúmeros direitos humanos”, como o aumento da população carcerária e a quantidade de assassinatos. “No final, a proibição não acaba reduzindo o consumo, abuso e dependência das substâncias”, confirma. Becerra argumenta que a guerra contra as drogas é totalmente ineficaz para a finalidade da saúde pública. Acredita que seu uso político é uma forma de controle populacional, em especial dos grupos minoritários, principalmente os mais pobres. 

As substâncias psicodélicas têm muitas utilidades. Omar Mera é um técnico de aeronaves que consome microdoses de cogumelos para focar melhor no seu trabalho. Mera também utiliza o LSD, entre outras drogas, de forma recreativa. Ele descreve a experiência: “Sinto-me bem, meus sentidos de toque aumentam, posso sentir variações de temperatura, ouvir sons distantes e isolar outros. Ao escutar uma música, consigo isolar a bateria”.

Mera apoia a legalização do uso recreativos de LSD e cogumelos, mas inculca a importância de ter cuidado com tais substâncias. Ele aconselha conhecer e confiar nas origens do produto e só consumir perto de pessoas confiáveis, em lugares seguros. “Se você é um profissional que consome algumas drogas como maconha, LSD e cogumelos, acho que está tudo bem. Nunca me senti viciado naquelas drogas, ao contrário do cigarro”, comenta o usuário. Será que é uma questão de equilíbrio? Só o futuro poderá dizer.

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