A ministra será responsável por fiscalizar gastos públicos e reforçar o combate à corrupção, além de incentivar o ingresso do país na União Europeia.
Vefiola Shaka
O primeiro-ministro da Albânia, Edi Rama, anunciou em agosto a nomeação de uma ministra virtual gerada por inteligência artificial, um feito inédito a nível mundial. A revelação foi anunciada durante uma reunião de apresentação do novo gabinete, após a vitória eleitoral de maio que garantiu ao governante o quarto mandato.
De acordo com o Rama, a função da ministra será de caráter geral em um mandato destinado a acelerar os processos de governança. A inteligência artificial ficará responsável por supervisionar os processos de compras públicas e contratos, uma tentativa do governo de reduzir os casos de corrupção, além de contratar talentos de diferentes partes do mundo.
A nova ministra virtual se chama de “Diella”, que em albanês significa “sol”. Segundo o primeiro-ministro, Diella é a primeira integrante do governo que não está fisicamente presente. Em uma entrevista gerada ao jornal local Panorama, a ministra disse ter sido criada por uma equipe de programadores albaneses, que em vez de caneta e papel usaram Java, Python e café expresso.
A ministra, representada como uma mulher vestida com o traje tradicional albanês, foi apresentada em janeiro deste ano como assistente virtual de IA para ajudar os cidadãos a utilizarem a plataforma oficial e-Albania, onde podem obter documentos e acessar diversos serviços.
Agora, como parte do gabinete, ela já contribuiu para a emissão de 36,6 mil documentos digitais e prestou quase mil serviços por meio da plataforma, segundo dados oficiais.
Uma das principais funções da nova ministra é auxiliar no combate à corrupção. Este fenômeno, especialmente na administração pública, é um critério fundamental para a candidatura da Albânia à União Europeia (UE). O primeiro-ministro espera que o país, com cerca de 2,8 milhões de habitantes, consiga ingressar no bloco europeu até 2030.
Entretanto, um cidadão albanês, que preferiu não se identificar, afirmou que, embora a proposta pareça inovadora, não acredita que ela seja capaz de resolver, de fato, o problema da corrupção. “É apenas uma forma de camuflar a incompetência na organização justa das licitações, a incapacidade de punir os abusadores e, acima de tudo, o objetivo final, a justificação para abusos futuros”, comenta.
Já para outro albanês, que também preferiu não ter o nome revelado, a proposta é positiva, alinhada ao momento atual e bastante avançada.“O problema é se tem valor em um país onde os dados pessoais não são protegidos, onde ninguém é responsabilizado pela segurança cibernética, onde, apesar dos avanços em algumas áreas, se a segurança não for garantida, nada é certo, especialmente um modelo computacional que teria nas mãos o calcanhar de Aquiles do nosso Estado, as licitações”, finaliza.
Desde 2022 até junho de 2025, a Albânia foi alvo de repetidos ataques cibernéticos, cujo objetivo era comprometer todo o sistema de dados do Estado.
De acordo com uma outra fonte albanesa, isso é um grande questionamento. Muitos da população não entendem o processo ou como essa inovação vai funcionar, especialmente por ser majoritariamente idosa. “Não sei como isso vai funcionar, mas eu não acredito que vá acabar com a corrupção”, afirma.
Além das opiniões da população, o pesquisador Rhadzony Storch Júnior, que atua na área de inteligência artificial, reconhece o caráter inovador da iniciativa, mas destaca riscos importantes. “Vejo com admiração a iniciativa do governo albanês diante dessa inovação, porém com certo receio”.
Ele explica que o que chamamos de IA hoje não é exatamente uma inteligência artificial mas são modelos de linguagem, os LLM (large language model). Estes são algoritmos que reagem à estímulos de palavras e o que as orbitam, funcionando com sistemas de RAGs, que são sistemas de vetorização de palavras. Isso quer dizer que, se uma palavra ficar em um ponto do plano, outras parecidas ou com o mesmo sentido vão ficar neste local ou bem perto dele.
Para Rhadzony, o maior risco para a governança está no viés de pessoas com valores éticos e morais que podem imprimir seus próprios valores na IA.
Também acrescenta que embora a tecnologia de machine learning possa contribuir para identificar padrões de corrupção de forma mais rápida e eficiente, o desafio ético é inevitável.
“Qual a garantia de que essa ferramenta não pode ser usada para benefício próprio ou de determinado grupo, partido ou ideologia?”, questiona.