Alto custo dificulta o desenvolvimento da patinação artística no Brasil

A Confederação Brasileira de Desportos no Gelo promove programas de base e parcerias para transformar o cenário da modalidade.

Gabrielle Ramos

A patinação artística, modalidade campeã de audiência nos Jogos Olímpicos de Inverno, ao contrário do que muitos imaginam, não é uma invenção recente. Originada inicialmente como uma forma prática de se locomover sobre o gelo, hoje combina arte e esporte em uma única prática.

Em 1850 e 1860, Edward Bushnell, da Filadélfia, criou patins com lâminas de aço, os quais permitiram manobras e curvas mais complexas. A partir dessa inovação, Jackson Haines incorporou elementos do balé, que deram origem à modalidade conhecida atualmente como patinação artística.

Com isso, as primeiras competições surgiram por volta de 1880. Posteriormente, a prática foi oficializada com a fundação da ISU (União Internacional de Patinação, na sigla em inglês) em 1892. Quatro anos depois, o primeiro Campeonato Mundial foi realizado, que é disputado até hoje.

Presença nos jogos olímpicos

Inicialmente, a patinação artística foi disputada nos Jogos Olímpicos de Verão de Londres, em 1908, e passou a fazer parte do programa dos Jogos de Inverno quando estes foram criados, em 1924.

O programa olímpico contou com disputas individuais masculinas e femininas, além de duplas, até a edição de Sapporo, em 1972. Cada apresentação incluía sete movimentos obrigatórios e um livre.

Mas desde 1976, a Dança no Gelo também passou a integrar a programação como o quarto evento. Esta é a única modalidade que permite música com vocais, mas proíbe saltos com mais de meia volta ou piruetas. Dessa forma, os árbitros avaliam o nível de dificuldade dos trabalhos de pés, o entrosamento e a harmonia entre os parceiros.

O Comitê Olímpico do Brasil explica que para executar esses movimentos, os patins utilizados na modalidade são feitos de couro e possuem lâminas de aço com uma espécie de dentes na ponta. Além disso, a roupa também faz parte do conjunto de elementos e precisa ser feita sob medida, ajustando-se ao corpo e à coreografia.

Patinação artística no Brasil

A história da patinação artística no Brasil começou mais tarde, na década de 1960, com a criação de pistas de gelo em shopping centers e feiras de eventos. A partir da década de 1980, já é possível encontrar registros de campeonatos nacionais, mas a filiação internacional só foi obtida em 2006.

A atleta Isadora Williams é o principal nome desta modalidade no país e na América Latina. Ela foi a primeira patinadora brasileira a se classificar para os Jogos Olímpicos de Inverno, em 2014, e a avançar para a patinação livre, em 2018. Além disso, conquistou a primeira medalha internacional do país com o bronze no “Golden Spin of Zagreb”, em 2012, e o primeiro ouro internacional em 2017, no “Sofia Trophy”.

A gerente de esportes da Confederação Brasileira de Desportos no Gelo (CBDG), Kathellen Medeiros, afirma que ter ídolos é fundamental para o crescimento e a consolidação de qualquer modalidade esportiva. “Quando jovens enxergam alguém que fala a mesma língua, carrega a mesma bandeira e rompe barreiras em um cenário global, isso gera identificação, motivação e, principalmente, a percepção de que existe um caminho possível a ser trilhado”, destaca.

Apesar do número de pistas de gelo no Brasil ainda ser limitado, a gerente ressalta a importância da Arena Ice Brasil, localizada em São Paulo, como um marco nesse cenário. “Por ser atualmente a pista mais próxima dos padrões olímpicos no país, ela permite um trabalho técnico mais avançado e tem sido essencial tanto para o desenvolvimento de atletas de alto nível quanto para a formação de treinadores”, explica.

Considerada a maior pista de gelo oficial da América Latina, a Arena Ice Brasil funciona como centro para a prática de diferentes modalidades, como patinação artística, hóquei e curling. Com uma área total de 2.600 metros quadrados, a estrutura abriga programas de base e tem possibilitado a vinda de técnicos e atletas internacionais para intercâmbios e treinamentos.

Atletas brasileiros e a falta de investimento

Maysa Veiga começou sua trajetória na patinação sobre rodas ainda criança. A escola onde treinava mantinha parceria com um shopping que, no inverno, promovia apresentações em uma pista de gelo. “No início tive dificuldade, mas consegui passar na audição e participar desses shows, o que foi me gerando cada vez mais vontade e gosto pela patinação no gelo”, relembra.

Já a experiência de Kethelin Soares foi diferente. Apesar do interesse pela patinação desde a infância, somente iniciou as primeiras aulas na vida adulta. Na adolescência, chegou a ter uma experiência no gelo em uma pista de shopping, mas foi apenas quatro anos após patinar sobre rodas que o desejo de voltar ao esporte de inverno ressurgiu. A partir de então, por também ser produtora de conteúdo, iniciou uma parceria com a Arena Ice.

Ela explica que aprender os movimentos não é fácil, mas a sensação de conquistar algo novo é extremamente gratificante. Hoje, participa de competições nacionais e internacionais e, apesar do nervosismo, afirma gostar de competir. “O legal é que tem vários níveis, desde o bem iniciante até o de alta performance”, destaca.

O contraste entre o destaque internacional do Brasil em diversos esportes além do futebol e a falta de investimentos é ressaltado por Maysa. “Eu mesma fui a três campeonatos mundiais (de patinação sobre rodas), nos quais fui medalhista em dois deles, com quase nenhum apoio financeiro ou reconhecimento por representar meu país”, conta a atleta.

Kethelin enfrenta a mesma dificuldade e destaca que a modalidade não é acessível, já que o custo das aulas, seja em grupo ou particular, é elevado. Além disso, um bom par de patins pode chegar a cerca de 10 mil reais.

A gerente de esportes explica que as pistas de gelo demandam refrigeração constante, controle climático e cuidados técnicos específicos, o que também eleva significativamente os custos. “Isso faz com que o acesso ao esporte ainda seja limitado e, muitas vezes, visto como uma prática elitizada”, afirma.

Alternativas para patinar

Essa realidade leva muitos a buscarem alternativas para praticar a patinação artística. No caso de Gabrielly Rodrigues, as aulas só se tornaram possíveis depois que passou a morar em Boston, nos Estados Unidos, onde decidiu se aventurar no gelo ao usar patins emprestados.

A experiência despertou seu interesse e, ao descobrir um rinque próximo de casa, procurou um professor, mesmo acreditando que, já adulta, não conseguiria aprender muito. “Tenho aula uma vez por semana e, sempre que possível, vou mais uma ou duas vezes para praticar. A experiência tem sido incrível e, ao mesmo tempo, muito desafiadora”, relata.

Mesmo nos Estados Unidos, Rodrigues não considera a prática acessível. Isso porque os custos de aulas e equipamentos são caros. Além disso, existem muitas falsas crenças sobre corpo ideal, limite de idade e preconceito com homens que praticam o esporte.

Outra possibilidade é a patinação sobre rodas. Desde pequena, Gabriela Gemelgo se interessou por dança, teatro, futebol e outras atividades, mas nunca se identificou plenamente com elas. Foi apenas após assistir “Soy Luna”, da Disney, que se encantou pela patinação. “Desde a época do lançamento da série eu nunca tirei da minha cabeça que era aquilo que eu queria fazer, o amor pelo esporte sempre esteve ali e foi assim que comecei”, conta.

Depois de anos aprendendo por conta própria, Gemelgo começou a ter aulas formais em 2021. Desde então, participa de campeonatos federados e não federados de patinação artística sobre rodas. Ela também teve algumas experiências no gelo ainda criança, em pistas de shopping. No entanto, mesmo morando em São Paulo, desconhecia a existência da Arena Ice até pouco tempo.

Benefícios da patinação

Independente da modalidade ou do local de prática, as patinadoras destacam os benefícios da patinação. Kethelin e Gabrielly compartilham que a atividade oferece diversas vantagens físicas, pois também estimula exercícios fora do gelo, como alongamentos e de fortalecimento. Além disso, é benéfica para a mente, uma vez que ajuda a superar barreiras como timidez ou medo de cair e incentiva a formação de novas amizades.

Também destacam que, apesar de terem começado a patinar já na vida adulta, conseguiram evoluir. Uma das maiores dificuldades, segundo elas, é conciliar os treinos com o trabalho, necessário para arcar com os custos de vida e do esporte.

Entre obstáculos e conquistas

As patinadoras concordam que a patinação artística no gelo recebe pouco incentivo no Brasil. Kethelin ressalta que o desempenho dos atletas que treinam no país é muito inferior ao de competidores de outras nações, massa garante que, com apoio adequado, seria possível conquistar resultados incríveis.

Rodrigues acrescenta que a dificuldade não está apenas na prática, mas também em acompanhar as competições, que em geral são transmitidas apenas por serviços de streaming pagos.

Até mesmo a patinação sobre rodas, considerada uma alternativa para o clima tropical brasileiro, carece de investimento. Para Gemelgo, a modalidade tem grande potencial para ser mais reconhecida e gostaria que também estivesse presente nos Jogos Olímpicos.

Democratizar o acesso à patinação artística no gelo é um dos principais objetivos da CBDG. Para isso, Kathellen Medeiros explica que a entidade, em parceria com a Arena Ice Brasil, desenvolve programas voltados à expansão das categorias de base e ao fortalecimento da capacitação de técnicos. O propósito é garantir que cada vez mais jovens tenham acesso a uma formação de qualidade.

Além disso, a confederação busca incentivar a realização de competições nacionais, com o objetivo de ampliar a visibilidade dos atletas e formar novas referências, especialmente fora de São Paulo. No âmbito internacional, também acompanha a evolução dos competidores e estabelece critérios técnicos para a participação.

Maysa, que além de atleta atua como professora de patinação, procura inspirar seus alunos a realizarem seus sonhos. “Acredito que o esporte ensina e transforma vidas, por isso quero que eles aprendam sobre resiliência, determinação e dedicação, para que usem isso em tudo que resolverem fazer ao longo da vida”, compartilha.

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