A ideia de que dólar nasce em árvore faz muitos imigrantes arriscarem a vida para chegarem nos Estados Unidos
Franciele Borges
Enquanto essa reportagem foi escrita, no mês de maio de 2021, mais de quatro mil crianças estão presas longe de seus responsáveis. Dependendo do horário que está sendo lida, elas estarão dormindo amontoadas umas às outras, embaladas em papel alumínio para escapar do frio. Todas elas estão dentro de uma instalação em Fort Bliss, um posto do Exército dos EUA, em El Paso, no Texas. Não estão lá por terem cometido crimes ou fugirem de suas casas. Estão presas porque seus pais foram deportados da América e estas encaminhadas para atravessarem sozinhas a fronteira mexicana com a dos Estados Unidos.
Funciona assim: pessoas solteiras têm seu caso imigratório avaliado, são presas e esperam o ICE, US. Immigration and Customs Enforcement, decidir o seu destino. É raríssima a chance de um clandestino comover a polícia imigratória. A palavra mais ouvida e odiada pelo ilegal é ‘Deported!’. Alguns imigrantes insistem em voltar clandestinamente, o que é visto como um desacato às autoridades americanas. Para esses, é só mais uma tentativa de fugir da miséria e encontrar refúgio em um país que abriga 11,1 milhões de imigrantes sem autorização. O mexicano Guadalupe Olivas Valência, de 45 anos, deu fim a sua vida após ter sido deportado pela terceira vez do Texas. Ele não aceitava a ideia de retornar para seu país e continuar na pobreza da sua região. Aos gritos, em cima da ponte, segurando um saco preto que guardava seus pertences, ele dizia que não queria voltar. E não voltou.
A situação imigratória chegou como uma pedra no sapato do governo novato de Biden. Como atender milhões de pessoas nas condições ilegais que se encontram sem causar um colapso na América? A bomba de Trump foi jogada nas mãos de quem lhe tirou do poder e silenciou o discurso de expulsão e ódio contra os não nativos. Mas a resposta foi objetiva. Biden designou a vice-presidente Kamala Harris a doar 310 milhões de dólares em ajuda humanitária para Guatemala, Honduras e El Salvador com a intenção de frear a quantidade de ilegais que cruzam as fronteiras.
Uma menina de 15 anos deixou Honduras para tentar a vida na América a fim de ajudar sua família. Foi uma viagem de um mês e meio, sozinha, para encontrar um grupo de migrantes em um campo de beisebol. Contando sua história para um repórter do Associeted Press, a jovem, que não pode ser identificada para proteger as identidade e origem de sua família conta que quer um futuro melhor para seus pais e irmãos, confiante que seus tios, residentes em Nova York, lhe ofereçam ajuda.
A polícia de imigração trabalha para que ninguém entre nos EUA sem a devida permissão e exigências legais imigratórias impostas pelo governo americano. Mas assim como não permitem entrar, expulsam pais que são obrigados a deixarem os seus pequeninos à mercê das decisões do sistema político e policial.
O sistema de segurança proíbe qualquer tipo de movimentação para que essas famílias se encontrem futuramente. Enquanto isso, esses pais pleiteiam à imigração para que o reencontro seja breve. Famílias que vêm principalmente da América Central, mas são divididas assim que escutam o sotaque americano. Asiladas e quase sem nenhuma perspectiva do que acontecerá, um amontado de pedaços de gente, chora com medo, fome, solidão e desorientação. De crianças de quatro a 16 anos, todos sentem-se perdidos. Perderam a casa na terra natal e a que sonharam quando acharam que poderiam entrar nos Estados Unidos. Em 11 de abril de 2021, a Associated Press contabilizou um número alarmante de 17.171 crianças vulneráveis por conta da separação. Separação que o governo Trump, por sinal, filho de imigrantes, tanto apoiou.
Essa ruptura familiar exigiu que famílias ilegais passassem a viver com medo da deportação durante o mandato do republicano. Os únicos que ele via com zelo eram os militares que serviram à guerra.
Não foi bem o que aconteceu com a família de Alejandra Juarez. Em 1998, ela foi mais uma imigrante tentando cruzar a fronteira ilegalmente. Arriscando-se a ser pega e expulsa de volta para o México, Alejandra pisou no Texas. E lá conheceu seu esposo, ex-fuzileiro naval com quem teve duas filhas. Ele também é mexicano e ganhou a cidadania americana, em 2001, para servir o país como combatente na guerra do Iraque. Permaneceu sem ser vista pelo temido ICE por 20 anos. Até que Trump sentou-se na cadeira presidencial e colocou em prática a sua política de deportação que atingiu milhões de imigrantes ilegais. Alejandra foi descoberta em 2013.
Desde 2019 a família vive dividida. Pai e a filha mais velha no Texas e mãe com a caçula no México. Em seu depoimento publicado e divulgado por vários sites de notícias e, principalmente, no documentário Living Undocumented pela Netflix, ela conta que seu esposo votou “em Donald Trump como muitos de seus colegas veteranos do Exército dos EUA. Ele não gostava de Hillary Clinton, queria mudanças para o país e acreditava que apenas os “bad hombres e estupradores” seriam deportados, e não donas de casa como eu.”, lamenta. Alejandra tenta retornar aos Estados Unidos durante o novo governo e pelo processo com a justiça, recusou-se a responder as perguntas para essa reportagem.
Não existe um caminho concreto e eficaz para alcançar o sonho americano, uma vez que os Estados Unidos priorizam a conservação da sua identidade de país de primeiro mundo. Sendo o mais cobiçado para imigração, leis rígidas e dificuldades foram impostas para que entre somente quem tem condições de voltar para seu país se assim for necessário. Vários vistos cobiçados dão a garantia de residência fixa, como o de trabalho e empreendimento. Poucos conseguem.
Alguns se dão bem na primeira tentativa. Rita Turner tinha 18 anos quando saiu de Porto Alegre, RS, para trabalhar como empregada doméstica em uma família do Itamaraty, em Brasília. Ao mudarem para os Estados Unidos, ela aceitou o convite de ir junto e ganhou o visto de Diplomata. Mas se dar bem, não significa viver sem desafios. Sem conhecer ninguém além da família que a levou, Turner precisou crescer para continuar na América. “Eu não falava nada em inglês, não tinha amigos”, explica.
Ao encontrar apoio em uma comunidade hispânica, ela pôde se sentir mais à vontade. “Logo que comecei a estudar e frequentar uma igreja de idioma espanhol as coisas começaram a melhorar para mim”. Vale ressaltar que Turner mudou em março de 1988, época em que a tecnologia era revelada como um estrondoso invento para a aceleração da comunicação. “Era muito difícil para emigrantes manter comunicação com suas famílias. Muitos perdiam contato totalmente por anos.”, lembra.
Os anos se passaram e Rita adquiriu experiência e adaptação. Absorvida pelos costumes americanos, ela não sente vontade de morar no Brasil pelo amor que adquiriu pelos Estados Unidos. Costumes, pensamentos e comportamentos foram modificados ao ponto de não ser reconhecida pela sua família na maneira de conversar e se expressar. Sua vida não ficou estagnada. Estudou psicologia e trabalhou na área, casou-se com americano e adquiriu a cidadania. “Minha forma de viver e meus costumes não são mais brasileiros.” E acrescenta que “eu nem penso mais em português. Só em inglês.”.
Samuel Matheus experimentou a felicidade de morar nas terras do Tio Sam. Ciente que a demanda de cursar duas faculdades simultaneamente exigia ter mais um idioma, ele resolveu estudar inglês em outro país. Sua tia, residente nos EUA, o convidou para ficar em sua casa, em Washington D.C. Ele iria com visto de turista e estudaria inglês até o limite permitido que são seis meses. “Eu fui atrás de escolas de inglês e encontrei uma próxima ao bairro de casa. Aos domingos eu pagava um professor de conversação enquanto estudava de segunda à quinta.”, relembra.
Para muitos, é um privilégio morar nos Estados Unidos. O preparo exigido pode facilitar a adaptação, mas deixar a família, ainda quando os laços são fortes para se lidar com o desconhecido, não é fácil.
Empresária no ramo nacional e internacional, a Zina O´connor, natural de Ponta Grossa, PR, trabalhou como diretora de uma empresa norte-americana por cerca de 20 anos. Ela atribui sua conquista ao fato de falar quatro idiomas. “Eu me adaptei muito bem à cultura americana, devido ao fato que eu fui falando inglês, embora não fluente como hoje, mas eu dominava a língua”, explica. E algo que fez muita diferença na minha vida hoje”, conclui. O domínio na língua inglesa mesmo identificada como segunda língua, foi uma premissa para conseguir o seu emprego. Casada com um americano com quem teve seu único filho, o Shawn, Zina tem a mesma semelhança que Rita. “Me sinto mais americana do que brasileira. Meu filho é americano, passei mais tempo da minha vida lá do que aqui (Brasil)”, explica.
Madeleine Nkou nasceu nos Estados Unidos quando seus pais, camaroneses, estudavam na Universidade Andrews, em Michigan. Concluídos os estudos, a família precisou voltar para a África devido ao status migratório ser de estudante. Madeleine ainda era criança e não podia atribuir direito à sua cidadania. Ao completar a maior idade, ela resolveu voltar a América para ter uma vida melhor.
Hoje, embora tenha encontrado algumas dificuldades para se adaptar, ela trabalha como enfermeira no hospital de Michigan, onde vive com a família. “Ser imigrante é muito difícil para nós porque sofremos muita discriminação, muito racismo, dificuldades para ter o emprego por causa das suas origens, sofremos problemas em qualquer campo de atuação”, lamenta.
Os Estados Unidos têm orgulho imenso por serem a nação mais próspera. Não tem exagero em dizer que ele é o mais cobiçado por uma alta demanda de imigrantes que queiram conquistar a vida na América. A economia e qualidade de vida são atrativas para decidir começar do zero ou reiniciar. Mas muitos têm ficado para trás no sonho que vira em pesadelo.
A realidade é que nem todos chegam pela forma correta. Uns descem de avião, outros a nado pelo mar. Uns têm segurança e estabilidade, outros, medo e incerteza. A certeza que se tem, nesse contexto, é que a América não é para todos.