Regime militar brasileiro completa 58 anos desde o golpe de Estado de 1964.
Melissa Maciel
No dia 31 de março de 1964, uma nova era da história brasileira se instaurava no país e repercutiria no imaginário popular por anos. O regime militar foi um período marcado por uma abordagem governamental rígida e autoritária, principalmente devido à luta contra o comunismo.
Os ânimos internacionais neste período da história estavam pautados pela polarização política promovida pela Guerra Fria. As duas potências ideologicamente opostas que saíram da Segunda Guerra Mundial ainda com forte poderio militar, Estados Unidos, defensores do capitalismo, e União Soviética, defensora do socialismo, disputavam a hegemonia política, econômica e militar no mundo.
O receio de um “perigo comunista” na América Latina era latente e quando Fidel Castro passou a atuar na Revolução Cubana, de viés socialista, os Estados Unidos passaram a intervir diretamente na região para conter possíveis iniciativas semelhantes. Dessa forma, tanto a ditadura militar brasileira como inúmeras outras ditaduras latinas foram incentivadas e financiadas pelos Estados Unidos.
O presidente do Brasil antes da tomada de poder pelos militares era João Goulart. Jango, como era chamado, apesar de não ser um esquerdista declarado, tinha iniciativas consideradas simpatizantes ao comunismo, como a proposta das “Reformas de Base”. O projeto incluía reformas fiscais, administrativas, educativas e principalmente agrárias. Tudo isso desagradava as classes média e alta da sociedade.
De acordo com o jornalista, historiador e biógrafo, José Ruy Gandra, a polarização ideológica no Brasil era evidenciada por uma esquerda que tinha o poder, mas não tinha a força de uma militância, e uma direita centrada na classe média tradicionalista.
“A classe média, que era o eleitor decisivo na época, estava apavorada com essa história de comunismo e aderiu de corpo e alma à Revolução de 64, o chamado golpe, há dúvida se ele aconteceu em 64 mesmo ou se mais tarde se recrudesceu e se tornou uma ditadura”, explica.
Ele aponta, também, que a imprensa estimulou essa visão revolucionária e acabou se posicionando favorável ao golpe, apoiando as “Marchas da Família com Deus pela Liberdade”, movimentos que aconteceram em algumas capitais do país pedindo a saída de João Goulart do poder e clamando pela intervenção militar.
Em 31 de março de 1964, tanques do exército se dirigiram ao Rio de Janeiro para pressionar o presidente e no dia 2 de abril, o presidente do Congresso declarou que Jango havia fugido e por isso o cargo da presidência estava vago. Estava consolidado o golpe.
O governo militar durou 21 anos e contou com cinco presidentes militares, sendo o primeiro deles o general Humberto Castello Branco. Os estadistas passaram a governar por Atos Institucionais (AIs), decretos de caráter constitucional que possibilitavam a centralização do poder. Foram 17 decretos promulgados ao longo do regime.
Os primeiros AIs ratificaram o fim das eleições diretas para presidente, suspensão temporária da constituição, cassação de direitos políticos de opositores ao regime, bipartidarismo político e outros.
Segundo o professor de história, Pedro Henrique Martins, os primeiros cinco decretos foram sancionados para fortalecimento da dinâmica governamental do regime. Ele explica que ao longo do período militar a maior parte das eleições indiretas era no âmbito federal e “isso serviu como um pente fino ideológico para todos que tivessem discursos voltados para o socialismo”.
O bipartidarismo também foi uma forma de fortalecer o poder Executivo. O professor explica que ambos os partidos eram chefiados por militares, o ARENA (Aliança Renovadora Nacional) era o mais rígido em suas ações. Nos governos de presidentes deste partido que se pode observar os piores momentos de repressão e censura. Já o MDB (Movimento Democrático Brasileiro) visava uma possível reabertura à democracia, mas de forma lenta, gradual e segura.
Embora existisse essa iniciativa democrática, “sempre que assumia um presidente do ARENA, o país passava por um recrudescimento, então o período militar brasileiro, no tocante à política, foi marcado por distensão e recrudescimento e os dois últimos mandatos demonstram uma maior suavização, abrindo para a democracia”, conclui Pedro Henrique.
Foi no mandato de um dos integrantes do ARENA, marechal Artur da Costa e Silva, que o mais famoso dos Atos Institucionais foi promulgado, o AI-5. Nesta época, em resposta às medidas antidemocráticas, aumentaram as manifestações e os grupos armados de esquerda, que também causaram muitas mortes. O país vivia uma espécie de guerra e os excessos eram evidentes dos dois lados do confronto.
O AI-5 definiu o momento mais duro do regime e dava plenos poderes aos governantes para decretar o recesso do Congresso Nacional por tempo indeterminado, cassar mandatos parlamentares, executar prisões sem a necessidade de mandado judicial e suspender o Habeas Corpus, que é um instrumento constitucional para proteger o acusado de sofrer abusos de autoridades, garantindo o direito de lutar por sua liberdade.
Seguinte ao governo de Costa e Silva, foi eleito o general Emílio Garrastazu Médici, também do partido ARENA. Este período ficou conhecido pelos maiores picos de repressão e censura da época ditatorial, mas também pelo “milagre econômico”.
Segundo o economista e MBA em Gestão Empresarial, Fabio Henrique Secomandi, os gastos do governo são um importante vetor de estímulo ao crescimento econômico. Ele explica que o período chamado de milagroso, foi favorecido pelas políticas adotadas já no primeiro momento da ditadura, no governo Castello Branco, porque já houve um razoável ajuste nas contas públicas e também uma pequena melhora na inflação.
“A equipe econômica não economizou nos investimentos estatais, impulsionando os setores de construção civil, agrícola, infraestrutura, bens de capital e a indústria de modo geral. As condições cambiais no período também favoreceram as exportações e assim as metas econômicas foram superadas com folga”, expõe o economista.
Porém, o período seguinte a este crescimento econômico pode não ter sido tão milagroso assim. De acordo com a economista, mestre em Gestão e Negócios, Dirlene Silva, “a conta do milagre econômico veio mais tarde, agravando problemas do país, como o endividamento do setor público, aumento da dívida externa, hiperinflação, aumento da desigualdade social e favorecimento das camadas elitizadas com a isenção de impostos.”
Além disso, ela ainda cita como agravante da desigualdade social, a desvalorização do salário mínimo e a consequente redução de renda nas camadas mais pobres da população.
Os desdobramentos negativos do milagre econômico e a mobilização social para denunciar atos ilícitos cometidos pelo governo, tornavam a manutenção da ditadura cada vez mais insustentável. Por isso, os dois últimos governos do período operaram uma reabertura lenta e gradual à democracia.
No mandato de Ernesto Geisel , vários decretos-lei foram revogados, inclusive o AI-5. E com o general João Figueiredo, o último presidente do período ditatorial, foi promulgada a Lei da Anistia, criada para promover a absolvição daqueles que cometeram crimes políticos no período de setembro de 1961 a agosto de 1979.
Em 1984, no fim do mandato de Figueiredo, a população se mobilizou na que foi considerada a maior campanha cívica já ocorrida no país, as Diretas Já, para exigir o fim da ditadura e o direito de escolher o governante da nação. A lei não foi aprovada, as eleições foram indiretas, mas mesmo no Congresso foi eleito o candidato do único partido opositor ao regime, Tancredo Neves.
Tancredo não assumiu, porque imprevisivelmente faleceu antes de tomar posse. Seu vice, José Sarney, que era apoiador da ditadura, assumiu a presidência. Somente em 1989, depois de 29 anos de eleições indiretas, a população brasileira recuperou o direito de votar diretamente para a presidência da república e foi eleito o mais jovem candidato à presidência até então, Fernando Collor de Mello.