‘Atalhos’ da indústria para soluções estéticas respondem a imediatismo, mas expõem falhas de eficácia

O crescimento da cultura wellness no Brasil revela o avanço de produtos de estética que prometem resultados rápidos, mas levantam dúvidas sobre eficácia e riscos.

Felipe Pessoa e Késia Grigoletto

Imagine que você subiu na balança e o número não agradou, ou que o volume do seu cabelo não está lá essas coisas, ou que seu rosto anda meio flácido. Agora, pense que você tem cerca de um mês até a data de um casamento e quer resolver todos esses “problemas” até lá. Se tentar pesquisar na internet por uma solução rápida, algumas opções vão surgir — gomas de vitamina, colágeno, talvez? Que tal o Mounjaro, uma medicação fabricada originalmente para tratar obesidade e diabetes e que possui efeito emagrecedor?

O Mounjaro, medicamento da empresa Eli Lilly que tem como princípio ativo a tirzepatida, foi aprovado em setembro de 2023 pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), e a expectativa para seu lançamento oficial no Brasil foi alta. O tratamento mensal, com quatro canetas injetáveis, custa entre R$ 1,7 mil e R$ 2,4 mil, e chegou ao país em maio de 2025.

Gabriel Manzi, de 33 anos, não gosta da ideia de usar a medicação para emagrecer; em sua perspectiva, quando se trata de cuidar da saúde, vale a máxima de que tudo o que vem fácil, vai fácil. Devido a ele estar acima do peso, sua mãe, Mabel, que já usou a caneta emagrecedora, acredita que o medicamento é uma alternativa válida e segura. Para ela, o uso poderia acelerar o processo de emagrecimento de Gabriel, que, por sua vez, diz que, apesar de entender a preocupação da mãe, “discorda completamente” da ideia.

“Eu acredito muito mais no processo de mudança de estilo de vida, e é o que tenho feito”, explica ele, que tem se dedicado a estudar a diabetes desde que o tema virou assunto familiar. Durante sua investigação, Gabriel descobriu que, mesmo para quem tem a doença, a medicação não substitui um estilo de vida saudável. “Muitos dos remédios para diabetes têm consequências bem ruins para o próprio diabético”, afirma.

O pé atrás que Manzi tem com as canetas emagrecedoras, no entanto, não é regra. Em agosto deste ano, cerca de três meses depois de as vendas do Mounjaro iniciarem, um levantamento da plataforma Conexa Saúde revelou que o Brasil era o segundo país no ranking mundial que mais havia pesquisado pelos termos Mounjaro e Ozempic, esta última sendo outra marca de caneta emagrecedora.

Créditos gráfico: Felipe Pessoa/Agência Wellness

Na prática, a substância estimula a liberação de insulina pelo pâncreas, o que ajuda no controle da glicemia, além de aumentar a sensação de saciedade ao diminuir o esvaziamento gástrico, motivo pelo qual também é utilizada para tratar obesidade. Estudos clínicos nos EUA feitos com dados de vida real sobre o medicamento mostram que, nos primeiros três meses, os usuários perdem em média 5,6% do peso. Nos 6 primeiros meses, o número ultrapassa 10%.

O aumento da popularidade da medicação acontece inserido em um contexto de alta oferta de produtos que prometem soluções fáceis para questões físicas, com maior ênfase na estética. Segundo a nutricionista Ariane Alamo, o fenômeno não fica restrito ao campo da oferta, e existe uma busca significante por atalhos por parte das próprias pessoas.

“Querem algo que, de fato, vá fazer algum tipo de milagre. Isso não existe, seja por suplementação, seja por shakes…”, constata. De acordo com ela, o imediatismo e a busca por atalhos é o que respalda, para a indústria, a oferta de produtos que busquem suprir essa demanda. A profissional exemplifica dizendo que, mesmo que suplementos alimentares emagrecedores tenham eficácia comprovada, o que não é o caso de todos, eles precisam estar aliados a outras práticas saudáveis, como atividade física e alimentação equilibrada.

Detox Black

Um exemplo da busca por produtos que encapsulam soluções estéticas simplificadas é o caso da estudante Karen Pretell, 20, que, à data da entrevista, fazia uso há cerca de um mês de cápsulas emagrecedoras. A estudante conta que se sentiu emocionalmente abalada depois de, em 2024, ganhar mais de 20kg, além de sempre ter sofrido com problemas relacionados à autoestima. Sua relação com alimentação também era complicada, pois recorria a comida como válvula de escape.

Imagem: Reprodução/Canva

O caso de Karen, no entanto, expõe um lado mais complicado desta seara: ela descobriu a medicação através da internet, espaço onde se concentram figuras que geram publicidade para produtos como esse, em especial os influenciadores digitais. “Eu sigo muitas contas no Instagram, de meninas que falam sobre como elas emagreceram. E eu encontrei, um dia, uma menina que estava mostrando que ela fazia detox do intestino, e acabei decidindo comprar o produto que ela estava promovendo”, conta.

Ela diz estar muito bem e que, apesar de ainda não ter se pesado desde que começou o uso da medicação, já sente certa diferença “Sinto que estou mais tranquila, que não estou recorrendo tanto à comida ultimamente”, pontua. Ela afirma que chegou a ter medo de tomar a cápsula, mas que se tranquilizou depois de pesquisar sobre o produto.

Para a psicóloga e psicanalista Esther Horn a proximidade que os influenciadores aparentam ter com seu público aumenta as chances de que o que eles promovem seja consumido, diferente de outras épocas, nas quais as referências de celebridades vinham da TV e do cinema (mais distantes), mas que “agora, é o tempo todo. E quanto mais influenciadores a gente tem, mais a gente acha que essas pessoas estão muito próximas da nossa realidade”, analisa ela.

“Identidade visual super cool”

Esse novo tipo de proximidade com o público que os influenciadores incorporam, quando somada ao alcance que essas figuras têm, ganha novos contornos. A influenciadora Manuela Cit, com mais de um milhão e setecentos seguidores apenas no TikTok, rede em que é mais forte, lançou em 2024 sua própria marca de creatina, um suplemento alimentar que substitui a substância homônima que o corpo passa a produzir cada vez menos conforme a pessoa envelhece. No caso da linha de creatina de Manucit, a Guday, o produto se trata de uma goma verde-radioativa.

Segundo a influenciadora, sua intenção era inovar. “Quando eu criei a Guday, eu queria muito sair do comum. Trazer um produto inovador, com uma embalagem única, uma identidade visual super cool”, detalha ela no vídeo.

Estudos na área da nutrição indicam que há poucas diferenças entre o consumo da creatina em pó e o consumo em goma, apesar de, no caso da goma, há mais ingredientes no produto, além de sua absorção pelo organismo ser mais lenta devido à maior quantidade de processos durante a ingestão.

No entanto, a propaganda pode passar outra impressão. Em um vídeo publicado por CIT no TikTok, em agosto de 2024, para justificar o valor, o pote custava cerca de R$ 179,00. Em setembro de 2025, foi verificado e o preço continua o mesmo. Ela afirma que cada goma possui 1,5g de creatina — o que, de acordo com a mesma, faz com que sua marca seja a “mais concentrada do mercado”.

“Queria que saísse do óbvio, tipo esse cabelo, que ninguém esperava”, explica ela no vídeo, agitando as próprias mechas ruivas. “É suplementação igual ao pó, só que muito diferente, muito mais legal”, destaca.

O balanço de ganhos e perdas ganha tons diferentes quando se analisa a composição do produto: em duas unidades da goma, segundo consta na tabela nutricional da Guday, há 14g de carboidratos. Ela não leva açúcares em sua composição, e nem é natural à própria creatina possuir carboidratos; os 14g ficam, portanto, na conta do Xarope de Maltirol, um edulcorante natural responsável pela cor verde-neon da goma — a identidade visual “super cool” mencionada por Cit.

Outro ponto da Guday é seu valor: um pote com 60 gomas, cada uma com 1,5g de creatina, possui cerca de 90g. Seu valor oficial, sem descontos, é de R$179,90. Por outro lado, um pote com 250g do produto em pó, sem corantes ou saborizadores da marca Growth, uma das mais populares neste segmento, custa cerca de R$80,00. Reações assustadas ao valor do produto Cit põe na conta da falta de intimidade do público comum com o processo de fabricação da goma.

A endocrinologista Luciana Pagliari Brandão avalia que à própria creatina em pó já é atribuído um excesso de propriedades, que nem sempre são comprovadas cientificamente, como a afirmação de que a substância seria boa para o funcionamento cognitivo. Para ela, a “evolução” para o formato de goma é um reflexo das movimentações internas da indústria. No entanto, segundo a especialista, a comunidade científica ainda carece de estudos específicos sobre o formato, e ainda não há conclusão clara.

“O que tem estudo científico que comprove a eficácia é o pó, mas não é para todos”, diz Brandão, que acrescenta ainda que a indicação tem de ser bem avaliada por um médico ou nutricionista.

Brandão afirma que, em sua experiência na clínica, é comum que apareçam pacientes que esperam por resultados imediatos. Já a nutricionista Ariane Alamo pensa que o consumo pelo consumo não se sustenta, e os os resultados práticos podem servir para dissuadir pacientes da busca imediatista. “Ele começa a perceber a melhora de vários problemas que ele tinha (…). Então, acho esse risco de o bem-estar virar um consumo de produtos muito difícil [de acontecer], porque, na prática, isso não funciona”, analisa Álamo.

Uma vida que nem todos podem ter

Na era de tantos influenciadores digitais, preceitos básicos da vida, como a saúde e o bem-estar, se tornaram objetos para o consumo. A saúde deixou de ser uma necessidade básica para se tornar um padrão que envolve alta produtividade, alimentação orgânica planejada, malhar todos os dias em busca de um corpo minimamente perfeito, resumindo uma vida instagramável. 

No entanto, ser um ser humano saudável não é algo consumível ou facilmente comprável, mas construído ao longo de uma vida. “A alimentação foi gourmetizada, vivemos em um mundo obesogênico e isso precisa ser enfrentado com políticas públicas, oferecimento de uma alimentação com qualidade, práticas de atividades físicas e uma educação que preze pela saúde desde a infância”, menciona a endocrinologista. 

Dentro desse panorama, o imediatismo se tornou o guia de uma vida que prioriza resultados rápidos e fáceis. Bauman figura esse conceito de forma muito palpável com a definição de modernidade líquida. Ao citar o filósofo, o sociólogo Douglas Barraqui esclarece que existe uma dificuldade significativa por parte das pessoas em lidar com processos que exigem esforço e paciência para que ganhos sólidos sejam alcançados.

“Essa busca por métodos milagrosos é um reflexo desse imediatismo, que se tornou uma marca registrada na vida contemporânea inserida nessa modernidade líquida. Os indivíduos que vivem em meio a essa fluidez, que cobra constantemente por resultados rápidos, na minha visão, traduz essa dificuldade em lidar com processos lentos e que exigem disciplina”, reforça o especialista. 

Na perspectiva de Barraqui, os influenciadores digitais possuem papel fundamental nesse processo, pois incorporam a modernidade líquida com uma espécie de autoridade carismática que é sustentada não pelo saber técnico, mas pela visibilidade dos likes, dos compartilhamentos e pela identificação de um estilo de vida altamente desejado.

O ideal de um estilo de vida focado no autoaperfeiçoamento esbarra em um obstáculo bem mais palpável: o abismo de diferença entre o estilo de vida das pessoas que ocupam esses espaços de desejo e o da maioria da população. A carga horária média de trabalho no Brasil, que está na faixa das 40 horas semanais, é maior que a de nações como Coreia do Sul, Canadá e Argentina.

Há uma saúde que pode ser vivida da melhor maneira dentro da particularidade da vida de cada um, mas para que isso seja possível, uma instalação na realidade se faz não apenas necessária, como essencial. “As redes sociais deram voz e tornaram os influenciadores um modelo de consumo em que a confiança está mais baseada na aparência de sucesso, do que em um resultado saudável e prático e o sucesso deles é proveniente de um imediatismo que propõe soluções rápidas e aparentemente milagrosas”, conclui Barraqui. 

Na ótica de Bauman, a solidão é um mal-estar típico do mundo líquido. De acordo com Barraqui, as relações digitais com influenciadores podem funcionar como atalho emocional que pode gerar uma falsa intimidade e provocar sentimento de aceitação, de ser parte de algo que não impõe exigências profundas e que evita o desconforto de frustrações das relações reais. Neste meandro, essas relações parassociais representam uma zona de conforto. 

Uma coisa é certa: garantir a própria saúde, seja ela física ou mental, deveria ser prioridade pelo bem-estar em si, e não apenas por razões estéticas. Quem sabe se, da próxima vez que estivermos insatisfeitos com nosso peso ou aparência e quisermos mudar essa situação, não escolhamos uma alternativa que vá na contramão dessa busca desenfreada por autoaperfeiçoamento a todo custo?

Sair da versão mobile