A nova regra tem como objetivo garantir o direito à educação de maneira igualitária.
Raíssa Oliveira
A Política Nacional de Educação Especial Inclusiva e a Rede Nacional de Educação Especial Inclusiva foram instituídas por meio da assinatura do Decreto nº 12.686/2025 pelo presidente Lula, no dia 21 de outubro. A nova norma definiu que escolas e redes de ensino não podem exigir laudos para oferecer Atendimento Educacional Especializado (AEE) para crianças com deficiência, com o Transtorno do Espectro Autista (TEA) e altas habilidades.
O texto foi publicado no Diário Oficial da União e será regulamentado por uma portaria, que definirá estruturas de governança e implementação dessa política nos territórios. Uma nota anterior do Ministério da Educação já recomendava que as escolas não poderiam exigir diagnóstico médico para garantir a oferta do atendimento especializado para os estudantes.
Paula Brendler é professora de AEE na rede municipal de ensino e explica que a decisão apenas regulamenta uma situação que já é muito comum nas escolas. Os professores percebem que o estudante apresenta um comportamento atípico, muitas vezes com déficit de atenção, aprendizagem ou socialização, e levantam a hipótese de algum transtorno ou deficiência. “Porém, quando entramos em contato com os responsáveis pelo estudante, muitos não dispõe de um plano de saúde ou condições financeiras para uma consulta com um clínico que pode dar um diagnóstico preciso de forma rápida”, compartilha a professora.
Por conta disso, muitas crianças demoram para conseguir consultas com os profissionais adequados pela saúde pública e passam por várias avaliações, podendo levar meses e até anos para um diagnóstico. Além disso, alguns responsáveis também negam a possibilidade por achar que é um comportamento natural. Paula esclarece que “frente a essa realidade, o estudante estava sendo prejudicado, sem desenvolvimento, sem atendimento adequado na escola, sendo muitas vezes reprovado por não estar amparado legalmente por um laudo”.
A neuropsicóloga e psicopedagoga Lislei Conrad afirma que o laudo é muito importante para dar diretrizes à inclusão, porém nem todos podem arcar com os custos, como também foi explicado pela professora Paula. Além disso, Lislei garante que há outros fatores que podem prejudicar a criança, como o tempo para a realização do diagnóstico médico, porque normalmente uma avaliação pode chegar a mais de 10 sessões, dependendo do caso. “Mas se a escola já verifica a dificuldade da criança, a realização de adaptações é fundamental para todos os casos. Inclusão é direito de todos e não um favor”, esclarece.
Helizabethe Guerra é mãe do Arthur, com 11 anos e diagnosticado com TEA desde seus 18 meses de vida. Ela conta que o primeiro sinal foi o atraso de fala, não interagia bem e tinha muitas questões de estereotipia motora e, como ela já trabalhava na questão administrativa de uma Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) e possuía especializações na área de educação especial inclusiva, sabia como era uma criança com autismo. “Claro, quando é com o filho da gente, relutamos um pouco para aceitar os sintomas”, compartilha.
Após notar esses sintomas, ela procurou uma fonoaudióloga que, após algumas consultas, sessões terapêuticas e avaliação de comportamento, o encaminhou para um médico especialista que fechou o diagnóstico do Arthur. A partir do laudo concluído, foi matriculado na APAE e começaram as intervenções precoces, além da escola regular na idade adequada e fonoaudióloga particular. Como ele não possui deficiência intelectual, ficou matriculado exclusivamente na escola regular quando completou seus seis anos de idade.
Vivianny Cabral é mãe do Rafael, que também tem 11 anos e possui o diagnóstico médico de autismo, além de Transtorno do Processamento Sensorial (TPS) e Transtorno do Processamento Auditivo Central (TPAC). Ele recebeu o laudo de autismo com 2 anos e 9 meses de vida e, parecido com a história do Arthur, Rafael apresentou atraso na fala e a mãe também o encaminhou para uma fonoaudióloga que a orientou a levar no neurologista. Vivianny relata que “a dificuldade foi encontrar um neurologista bom pelo plano de saúde”.
A professora Paula destaca a demora para consultas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), além da quantidade de profissionais que a criança precisa visitar para ganhar o diagnóstico. “Nós temos uma aluna que já vai fazer um ano que ela está esperando uma consulta com um neuro para dar o diagnóstico final. Até então, foram apenas alguns psicólogos do SUS, CRAS e CAPS que a atenderam e encaminharam. Isso é regra, então tudo demora”, conta.
A neuropsicóloga Lislei enfatiza a importância desse diagnóstico precoce para diminuir os prejuízos causados pelos sintomas e favorecer o tratamento do indivíduo. Entretanto, muitos fatores podem impedir essa descoberta nos primeiros anos de vida, principalmente quando se trata de um TEA nível 1 de suporte. “Quanto ao TDAH, o diagnóstico mais preciso é verificável após a criança entrar na escola, pois os prejuízos na aprendizagem são mais visíveis. Porém, os prejuízos também devem ser vistos em outros ambientes”, explica.
Além de mãe do Arthur, Helizabethe é terapeuta ABA, uma abordagem baseada na análise do comportamento e muito utilizada no tratamento de indivíduos com TEA. Ela destaca a importância do diagnóstico precoce, mas esclarece que existe uma confusão ao pensar que a criança pode se desenvolver só após o laudo. Ela diz que “dentro das APAEs, nas salas de estimulação precoce, a criança, apresentando atrasos do neurodesenvolvimento sem um diagnóstico fechado, somente com uma prescrição médica de que ela apresenta atrasos e de que está em investigação, tem direito de se matricular e de receber esse atendimento”.
O AEE é um período, no contraturno da aula regular, em que a criança é atendida por um professor especializado para desenvolver atividades que contribuam para seu aprendizado. “O atendimento especializado favorece em muitas áreas. No cognitivo pode facilitar a aprendizagem e diminuir as dificuldades e prejuízos e, no social, ajuda na interação social, na convivência com a diversidade e promove empatia”, esclarece a neuropsicóloga Lislei.
Com a alta demanda e necessidade dos alunos pelo atendimento, a professora Paula comenta que precisou reinventar a sua logística de trabalho. O que era pra ser um atendimento de duas horas semanais, por exemplo, passou para 45 minutos cada, com o objetivo de conseguir atender o maior número de estudantes que têm essas necessidades. “Também já estou fazendo agrupamento de alunos, atendendo dois casos parecidos. Se eu vou fazer uma atividade com jogos e com desafios, às vezes trago duas crianças do mesmo nível para fazer essas atividades, liberando outro horário que seria de outro aluno”, informa.
Helizabethe explica que a sala de AEE vai ter um papel fundamental na vida da criança. Ela esclarece que “mesmo sem um laudo, sem um diagnóstico fechado, os atrasos que a criança apresenta, as dificuldades de aprendizagem que ela tem já podem estar sendo estimuladas e, com certeza, vai fazer toda a diferença no desenvolvimento dessa criança”.
Ela também menciona que o Arthur frequentava o AEE no contraturno até o ano passado, mas como também estava fazendo muitas terapias fora do período da escola, como acompanhamento de psicólogas e fonoaudióloga, a carga horária estava excessiva e a mãe optou por focar somente nas terapias, já que ele não tinha grandes prejuízos escolares. Entretanto, ela ainda ressalta que foi apenas por conta desse motivo, porque o atendimento especializado foi ofertado na escola regular desde o primeiro momento do seu diagnóstico.
Rafael também não faz atendimento especializado no contraturno para priorizar as terapias particulares. Além disso, Vivianny também começou a se especializar em educação especial inclusiva, trabalha na área e, por isso, realiza as atividades psicopedagógicas e psicomotoras em casa com ele, práticas que seriam ofertadas no atendimento educacional.
De acordo com a neuropsicóloga Lislei, o diagnóstico adequado é muito importante e deve ser feito por profissionais especializados. Geralmente, a escola é o primeiro contato da família quando se trata de encaminhar para uma avaliação. A partir dos sinais e sintomas, que normalmente se percebem na aprendizagem, o encaminhamento se faz para um neuropsicólogo, psicopedagogo ou neuropediatra. Entretanto, apenas o neuropsicólogo e o médico podem dar um laudo final. “O mais importante é que o diagnóstico seja bem realizado e uma boa avaliação necessita de uma equipe multidisciplinar”, alerta e finaliza.