Informações cruzadas levam mulheres a questionarem os imunizantes contra o coronavírus.
Paula Orling
Embora muitas coisas possam ser motivo de preocupação, como boletos, problemas pessoais e estresse, Gélika Souza ficou inquieta com um motivo inusitado: o atraso do seu ciclo menstrual após tomar a vacina contra a covid-19. Ele representou o medo de uma gravidez indesejada ou uma doença relacionada à saúde menstrual. Dentre as temáticas referentes à vacinação pouco abordadas, está a influência dos imunizantes na saúde feminina.
Diante das preocupações de milhares de mulheres como Gélika, informações cruzadas são divulgadas desde meados de 2020, quando os imunizantes começaram a ser desenvolvidos. Os relatos tomaram força no final do mesmo ano, quando as vacinas contra a covid-19 passaram a ser aplicadas. Mulheres que tomaram alguma dose da vacina contra a covid-19 tiveram alteração de, em média, um dia no ciclo menstrual, de acordo com estudo publicado em janeiro de 2022.
A descoberta reafirmou as manifestações de muitas mulheres nas redes sociais a respeito da saúde menstrual. As reclamações mais frequentes são a alteração do fluxo e do período menstrual, de acordo com levantamentos de dados das postagens e estudo realizado na Noruega com mais de 5,6 mil pessoas. Contudo, 40% das mulheres entrevistadas confirmaram alterações no ciclo menstrual, mesmo antes de receberem os imunizantes.
A professora de imunologia reprodutiva da Universidade Imperial College London, Victoria Male, explicou em uma entrevista que a vacina contra a covid-19 pode causar sangramentos vaginais inesperados, e, em editorial, explica que a situação é mais comum nas mulheres mais jovens. A pesquisadora frisa que essa condição é passageira e não oferece risco à saúde. Em relação à pesquisa realizada na Noruega, Victoria garante que é uma informação “tranquilizadora”.
Para Victoria, a desinformação é responsável por nutrir o receio a respeito de infertilidade. A Agência Reguladora de Medicamentos e Produtos de Saúde do Reino Unido (MHRA) divulgou que não se tem dados que sugiram que as vacinas contra a covid-19 impeçam a reprodução.
A pesquisadora ainda afirma que não existem evidências de infertilidade feminina relacionada às vacinas autorizadas no Reino Unido contra a covid-19 (Pfizer, AstraZeneca e Moderna). A conferencista opina que entre os resultados negativos para infertilidade mais comprobatórios estão em testes realizados em animais para a liberação dos imunizantes. Victoria ainda adverte que, caso um casal não tenha interesse em ter um bebê, deve usar contraceptivos.
A professora de imunologia explica que as dúvidas a respeito da infertilidade causada pelas vacinas pode ter origem nos riscos de infertilidade por outros coronavírus. Eles não possuem relação direta com o SARS-CoV-2, causador da covid-19. Além disso, Victoria explica que a “baixa prioridade” da saúde menstrual e reprodutiva nas pesquisas fez com que preocupações e conclusões demorassem mais a serem desenvolvidas.
As preocupações sobre o tema, que começaram com a desinformação sobre infertilidade, não são, de todo, absurdas. De acordo com o andrologista Jorge Hallak, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP), em entrevista à Agência Fapesp, a covid-19 tem a capacidade de interferir na saúde reprodutiva masculina.
O médico explana que a motilidade espermática – a capacidade de os espermatozóides se locomoverem e fertilizarem um óvulo, cujo o valor de referência normal é acima de 50% – caiu. Agora, ela fica entre 8% e 12% após a infecção pelo SARS-CoV-2. Hallak ainda destaca que esse novo índice permaneceu após vários meses.
Ao analisar os valores quantitativos dos hormônios sexuais, o médico percebeu redução exponencial nos índices de testosterona em pacientes que contraíram a covid-19. “Temos visto, cada vez mais, alterações prolongadas na qualidade do sêmen e dos hormônios de pacientes que tiveram covid-19, mesmo naqueles que apresentaram quadro leve ou assintomático”, ressalta.
Um estudo feito com pacientes infectados com a covid-19 e publicado pela revista Andrology apontou que mais de 50% dos avaliados apresentou epididimite, uma inflamação do epidídimo, estrutura formada por longos tubos enovelados que se localizam na região posterior de cada um dos testículos.
Apesar dos poucos resultados conclusivos a respeito dos riscos da vacinação contra a covid-19, a Organização Mundial da Saúde (OMS) se pronunciou a respeito dos processos que as vacinas passaram para receberem autorização para serem aplicadas. A OMS ainda declarou que apesar do tempo recorde para a comercialização dos imunizantes, eles são seguros e eficazes. Infertilidade ou prejuízos permanentes à saúde menstrual não estão entre as possíveis consequências advertidas pela organização.