Diante da crise econômica, brasileiros enxergam a vida simples e tranquila de Portugal como forma de escapar da realidade do país.
Milla Katherinne
O levantamento de dados cedidos pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), da embaixada portuguesa, feito pela CNN, apontou que nos últimos 6 anos a imigração de brasileiros para Portugal cresceu de forma nunca vista antes. Cerca de 240 mil brasileiros em situação regular vivem no país, de acordo com o levantamento de março de 2022.
Estima-se que o número de imigrantes brasileiros no país seja ainda maior, já que aqueles que estão em situação irregular ou possuem dupla nacionalidade não são contabilizados pela base de dados do SEF, estimando-se aproximadamente 300 mil brasileiros vivendo em Portugal hoje.
Diante da grande quantidade de brasileiros saindo de seu país de origem e indo para Portugal, a economista Laura Pacheco observa que um grande estímulo está na facilidade com a língua. “A semelhança da língua facilita inclusive a interpretação das orientações durante o processo de imigração e cidadania”, explica.
A especialista Laura afirma que para além da semelhança linguística, o foco da maioria dos brasileiros está na busca por um padrão de vida melhor. Para ela “a questão não está no salário ser em euro, mas sim do padrão de vida que o cidadão tem acesso mesmo estando em patamares de renda mais baixos”, acrescenta.
Para facilitar o entendimento a respeito da vida em Portugal, no que diz respeito ao custo de vida, a economista Laura, trouxe alguns dados comparativos das compras de mercado de brasileiros que decidiram se mudar para o país:
BRASIL (R$) | PORTUGAL (€) |
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Arroz (1kg): R$4,40: você compra 275 quilos com um salário mínimo. | Arroz (1kg) € 0,99: você compra 712 quilos com um salário mínimo; |
Dúzia de ovos R$6,90: você compra 175 dúzias com um salário mínimo. | Dúzia de ovos € 1,69: você compra 417 dúzias com um salário mínimo; |
Bananas (1kg): R$4,40 você compra 275 com um salário mínimo. | Bananas (1kg): € 0,99: você compra 712 quilos com um salário mínimo; |
A especialista afirma que “ao fazer uma análise entre os preços de transporte e aluguel com relação ao salário mínimo português percebe-se que um cidadão que ganha em torno de 3 salários mínimos em Portugal certamente vive melhor do que um brasileiro com 3 salários no Brasil.”
Sem se preocupar com o salário, o jovem Patrick Bocchi, que é recém chegado em Portugal, afirma que não mudou-se pelo valor do euro e que sua decisão é a longo prazo. “Estou aqui para ter um novo padrão de vida, com paz e tranquilidade, algo que o Brasil não me proporciona”, ressalta. Ele acrescenta que não pretende voltar ao Brasil, pois o considera um país “extremamente perigoso”.
Para o jovem, o principal motivo para sua mudança é a sua preocupação com a segurança. “Um dos países mais seguros do mundo, onde me sinto mais livre para sair a qualquer hora do dia, sem preocupações”, explica.
Morando em Portugal há mais de 6 anos, a estudante Paula Versi conta como foi seu processo de mudança. “Eu sou de Salvador mas fazia faculdade federal no estado de Cuiabá e chegou um ponto que não conseguia me manter sozinha na cidade, e continuar estudando. Então a oportunidade de vir a Portugal, era principalmente uma forma de poder continuar estudando com o suporte da minha mãe que já morava aqui”, acrescenta.
Paula comenta que ainda se sente em processo de adaptação mesmo após seis anos no país. “No início a gente chega de coração aberto, e muito agradecido por estar aqui, depois que a vida vai apresentando as diferenças e as dificuldades”, afirma a estudante.
A experiência de um recém chegado ao país pode vir a ser um pouco diferente. Para Patrick Bocchi, as expectativas são altas e o processo tem sido tranquilo. Segundo ele, “a adaptação na Europa não está sendo um problema, me adaptei rápido, principalmente por Portugal ter algumas coisas parecidas com o Brasil, apesar do clima. Outros fatores facilitadores são a educação, limpeza e confiança das pessoas aqui”, relata.
O salário mínimo em Portugal é considerado abaixo do necessário para uma vida digna e confortável, mas ainda assim os efeitos da renda baixa no Brasil são mais severos, afirma Pacheco.
O jovem Patrick, conta que ao chegar no país se espantou com tantas oportunidades de emprego. “Todo lugar precisa de funcionários, os comerciantes brigam entre si. Já fui parado na rua e me ofereceram emprego aleatoriamente”, conta.
Para quem já está no país há mais tempo, a história é outra. Paula conta que “a maioria das pessoas tem uma certa ilusão sobre o que é viver na Europa. Elas acham que saindo do Brasil vão ter mais oportunidades, mas isso não é verdade”. Ela acrescenta que Portugal é um país que proporciona vida de qualidade, mas as oportunidades de trabalho são referentes a subempregos.
O morador português David Almeida conta que desde sempre viu a imigração como algo positivo. “Não acredito que alguém decida abandonar o seu país sem que tenha uma razão que o leve a tal. Seja por motivos de carreira ou por insatisfação pelo panorama econômico, político e social”, afirma o português.
David conta que existe muito preconceito por parte de alguns portugueses para com os imigrantes. “Quando senti que o racismo para com brasileiros começava a acalmar, as notícias e a convivência com a comunidade brasileira, veio a comprovar o contrário. Há muita gente que não quer arrendar (alugar) casas a brasileiros porque são chamados de mentirosos, ladrões. Sobretudo a camada mais velha, mas agora também a mais jovem cada vez mais demonstra estes comportamentos discriminatórios”, acrescenta David.
A discriminação reflete principalmente nas oportunidades de emprego no país. David, afirma que há um sentimento de que os brasileiros não fazem parte do país e muitos acreditam que eles vêm para Portugal para “roubar o emprego dos portugueses e viver à conta do nosso estado”, afirma.
De acordo com David, “as oportunidades destinadas aos imigrantes, principalmente às pessoas pretas e aos brasileiros, não lhes são oferecidas por meritocracia, a eles são destinados os trabalhos que ninguém quer”, conclui.