O assassinato do congolês Moïse Kabagambe mostra como imigrantes negros são vítimas de racismo estrutural e xenofobia
Rayne Sá
No dia 7 de fevereiro, o presidente Jair Bolsonaro (PL) reagiu contra manifestantes que invadiram uma igreja em protesto contra o assassinato de Moïse Kabagambe, imigrante congolês morto no Rio de Janeiro. De acordo com Bolsonaro, os Ministérios da Justiça, Mulher, Família e Direitos Humanos foram acionados e acompanharão o caso de perto. Essa foi a primeira e única declaração do presidente a respeito do assassinato do congolês.
Moïse Kabagambe veio para o Brasil a fim de escapar da guerra e da fome que assolava o seu país em 2014. Com 24 anos, ele trabalhava em um quiosque na Barra da Tijuca para sustentar a mãe e os irmãos. Segundo familiares, ele foi morto por uma série de agressões que começaram após a cobrança de dois dias de pagamento atrasados.
De acordo com o sociólogo especialista em migrações africanas, Alex André Vargem, Moïse foi uma vítima do racismo estrutural e da xenofobia presentes na sociedade brasileira, que, ao longo das últimas décadas, assassinou milhares de imigrantes.
Para Vargem, essa violência transcende não só aqueles que estão no cotidiano da metrópole, mas todos que iniciam a travessia para o país. “O trajeto para chegar aqui é difícil; a vinda para o Brasil é planejada. Não é uma coisa simples: alguns conseguem a documentação e outros não, temos entraves burocráticos e a xenofobia de fronteira”, explica.
Para aqueles que enfrentam o processo de aprovação para entrada no Brasil, a realidade pode ser dura, já que questões como nacionalidade e etnia são determinantes para barrar imigrantes ou refugiados não-brancos, o que reforça que os seus desafios possam ser ainda maiores.
Fazer compras no supermercado, passear em um shopping ou correr na rua são direitos de todos e parte das rotinas de muitas pessoas. No entanto, para pessoas pretas, essas ações comuns podem ser acompanhadas de desconforto ou violência.
A pesquisa “Elemento Suspeito”, realizada pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (Cesec), revelou que 63% das abordagens policiais são em pessoas pretas. Os dados são referentes ao Rio de Janeiro, e, embora falem apenas da força pública, mostram um problema maior: o perfilamento racial. Essa prática consiste em suspeitar com maior frequência de pessoas com certa cor de pele sem levar em consideração aspectos objetivos.
Tatiane, 36, passou por algo parecido quando estava no supermercado com o marido. Os dois, ao fazerem as compras, perceberam que estavam sendo observados por uma segurança terceirizada. “E onde a gente ia, ela ia atrás. Se entrávamos em um corredor, ela ia cuidando, observando da ponta”, relembra. Após chegarem ao caixa, Tatiane e o marido chamaram o gerente para reclamar da situação. “A gente tem certeza que é pela cor, né? Não precisou nem falar nada, porque, se entrasse uma pessoa branca, ela poderia estar até um pouco suja e a segurança [particular] não iria atrás”, desabafa.
Assim como pessoas pretas são maioria entre os abordados pela polícia, a pesquisa Atlas da Violência de 2021 também mostra que as chances de pessoas negras serem vítimas de assassinato é 2,6x maior que pessoas brancas.
Segundo a jornalista Gláucia Marinho, “os dados são aterradores”, e reforçam que o Estado militarizado, a violência policial, a ineficiência nas investigações, a não responsabilização dos envolvidos, o discurso criminalizador da imprensa, as manifestações de ódio e a falta de políticas públicas de combate ao racismo “criam um ambiente favorável para o aumento da violência racial no Brasil”, finaliza.
Na maioria das vezes, “imigrantes são vítimas do racismo colonial, que, primeiramente devasta a sua terra natal, criando conflitos e, consequentemente, uma situação de pobreza e violações constantes”, explica Glaucia. Muitos refugiados que chegam no Brasil encontram uma realidade marcada por violência racial e seus efeitos, como, o subemprego, a falta de assistência e de direitos.
“Entrei em um campeonato de futebol e fui colocado em um time em que eu era o único negro. Eles ficaram substituindo entre si e nunca tive a chance de jogar. Eu senti isso totalmente como discriminação racial”, expressa um jovem imigrante de 19 anos, que prefere não ser identificado. Outra experiência marcante foi seu primeiro ano de faculdade. “Achei” “No meu primeiro ano de faculdade achei difícil entrar em um grupo para apresentação de aula porque eu era o único negro da minha turma e sempre me deixavam de fora. Eu me senti indesejado naquele momento”, lamenta.
Conforme esclarece o sociólogo, para que seja possível mudar este cenário enquanto sociedade, é preciso fomentar as políticas públicas com a presença dos imigrantes e refugiados, “e pensar nesses mecanismos de acolhimento para que os direitos básicos sejam garantidos.” Além disso, é importante refazer o pacto social, repensar as relações sociais, as formas de produção e as economias. Para Gláucia, “é muito cômodo para a branquitude a manutenção do status quo”. Por isso, é preciso coragem para lutar contra o racismo e seus efeitos.