Nas redes sociais, a régua da comparação nunca mede a realidade.
Vefiola Shaka e Nátaly Nunes
No feed, os influenciadores postam fotos de viagens ao exterior, exibindo o corpo perfeito nas praias. Nos stories, antes mesmo do sol nascer, dão um “bom dia” e conferem pelo menos cinco itens da lista de afazeres do dia. Nos destaques, aparecem registros da família perfeita reunida, sem nenhum sinal de desentendimentos. E, para fechar, nos reels, compartilham vídeos de reflexão com a famosa frase de efeito: “SEJA VOCÊ MESMO!”
Para muitos jovens, esse desfile constante de conquistas e imagens editadas desperta um sentimento estranho, um vazio que parece só poder ser preenchido se fosse possível entrar no corpo do outro e viver a vida dele.É neste momento que começa a comparação e o alcance desse fenômeno é imenso.
De acordo com o relatório We Are Social e Meltwater (2024), o Brasil tem 187,9 milhões de internautas conectados na internet, o que corresponde a 86,6% da população. Quando se trata do que mais consome a atenção, as redes sociais lideram com 98,9% dos acessos regulares dos internautas. Além disso , a presença digital dos jovens é praticamente universal. Segundo a pesquisa TIC Kids Online Brasil, 99% dos jovens de 15 a 17 anos 99% tem um perfil nas redes sociais.
A comparação é um comportamento humano natural. Segundo a psicóloga cognitivo comportamental, Denise Silva, ela é uma forma de medir progresso, buscar pertencimento e entender o mundo e a nós mesmos. Essa estratégia pode ser útil em alguns momentos, quando é utilizada para inspiração, por exemplo, mas se transforma em um problema quando passa a ser usada como critério rígido para medir o próprio valor.
Em 1954, o psicólogo social Leon Festinger, conhecido por ser o criador da teoria da comparação social, explica esse fenômeno como o surgimento de um impulso natural de avaliar os próprios pensamentos e habilidades ao se comparar com outras pessoas, especialmente quando não é possível fazer uma avaliação objetiva.
Essas comparações podem ocorrer de três formas: ascendente (para cima), quando se observa alguém melhor que você, o que dá o sentimento de inferioridade; descendente (para baixo), ao se comparar com alguém menos habilidoso, buscando um alívio temporário para a autoestima; lateral, ao se comparar com alguém que analisa estar no mesmo nível que você.
Sentir o peso da comparação, privar-se de buscar seus próprios objetivos e parar de buscar os próprios sonhos por causa da preocupação em observar a vida dos outros são ações que faziam parte da rotina de Maria Silva, nome fictício para uma fonte que prefere não se identificar.
“Eu tentava a todo o custo não me comparar, pois cada indivíduo se encontra em um contexto de vida diferente e eu mantinha isso em mente antes que qualquer pensamento negativo pudesse me invadir. Apesar do esforço, muitas vezes não conseguia evitar”, conta.
Quando essas comparações são feitas de maneira frequente e distorcida, a psicóloga explica que elas podem trazer impactos negativos como baixa autoestima, ansiedade, sentimento de inadequação, autocrítica excessiva e até sintomas depressivos. Isso acontece porque ao invés de motivar, esses pensamentos acabam desmotivando, gerando frustração e fortalecendo crenças pessoais negativas, como a de “nunca ser bom o suficiente”.
Para Maria, todos evoluíam e estavam muito mais à frente, enquanto a sua vida estava estagnada. Ela assume que antes tinha uma mente fraca e que toda vez que algo saia do controle, era o fim do mundo. Por isso, decidiu tomar uma atitude: sair das redes sociais. “Atualmente me encontro contente com a decisão que tomei e não penso em voltar a usar no momento”, compartilha.
Não tão distante da história de Maria, a estudante Daiane Ferreira carregava o peso do desgaste mental, do isolamento social, da ausência de prazer nas pequenas rotinas e da frustração que as redes sociais insistiam em lhe provocar. Ela sentia que o mundo virtual estava tomando o controle da sua vida.
“Esse sentimento de insuficiência provocava uma percepção de correr atrás do vento, onde mesmo me esforçando ao máximo, conseguir acompanhar todas as atualizações era um alvo inalcançável”.
No fim, a mesma atitude também foi tomada. Sair das redes sociais.
Ironicamente, a mesma plataforma que entrega conteúdos que resultam na comparação de pessoas, que são quase sempre postados de forma intencional, também é usada para conscientizar sobre o assunto. Influenciadoras estão cada vez mais abrindo o jogo sobre cirurgias plásticas, aparecendo sem filtro ou até mesmo mostrando momentos vulneráveis. Essa atitude não é para atacar o uso de maquiagem, por exemplo, mas sim para mostrar que nas redes sociais existe a possibilidade de visualizar o real, como um rosto com manchas sem ser coberto por uma edição bem feita. Também há tendências em que diferentes pessoas postam fotos para mostrar a diferença entre como os outros as veem e como realmente são.
Um dos casos mais conhecidos é o da famosa cantora Anitta. Ela fala abertamente sobre as cirurgias plásticas e intervenções estéticas que realizou, ressaltando que suas escolhas dizem respeito apenas à sua própria autoestima e não devem servir como um modelo a ser comparado ou seguido. Em entrevista ao talk show espanhol “La Resistencia”, ela brinca ao dizer que ama fazer plásticas. “Já fiz incontáveis. Minha cara é igual o Frankenstein, tudo de mentira”, garante.
A tiktoker, Gabriella Jacinto, também segue essa linha. Em um vídeo, ela brinca ao dizer que quando sua filha nascer, infelizmente vai puxar a “beleza” da mãe de antes das plásticas e não terá a mesma aparência que ela atualmente. Esta foi uma das formas que a produtora de conteúdo usou para ser sincera e transparente com seu público.
Muitas vezes, a comparação pode ser usada como forma de fortalecimento. Segundo a psicóloga de Terapia Cognitivo-Comportamental e perita Beatriz Soares, a diferença está na comparação tóxica. “Ela não fortalece, pelo contrário, prejudica, diminuindo o valor do próprio esforço”, afirma.
Ela explica que isso acontece porque a inspiração fortalece, pois ao olhar para o outro, a pessoa pensa “se ela conseguiu, eu também posso trilhar o meu caminho; eu também posso utilizar isso como meio para crescer”.
Já para Denise, a inspiração vem do ato de receber um estímulo que impulsiona a criação ou a realização de algo. “Inspirar-se é saudável porque traz motivação e novas ideias, enquanto isso a comparação negativa gera cobrança e sensação de fracasso”, ressalta.
Beatriz Soares explica que a comparação que enfraquece cria a sensação de que o outro está sempre à frente e de que a pessoa nunca é boa o suficiente. A diferença, portanto, está no efeito que a ação causa. Ou seja, a inspiração gera movimento; enquanto a comparação, paralisa.
Segundo um estudo realizado por alunos da escola de Novo Hamburgo, cerca de 50% dos estudantes do 6º ao 9º ano se compararam com outras pessoas nas redes sociais. Eles carregam uma dualidade de sentimentos, oscilando entre insatisfação e motivação. Além disso, aproximadamente 62% afirmaram que essas comparações impactam diretamente sua saúde mental e também a forma como se relacionam no dia a dia.
As psicólogas explicam que existe um jeito de diferenciar comparação e inspiração. Se a maneira que olhamos para as pessoas desperta entusiasmo, aprendizado e vontade de crescer, é inspiração. Se desperta culpa, inadequação ou autocrítica, é uma comparação prejudicial.
Acompanhar o sucesso do outro não pode ser um gatilho para se menosprezar. Nesse dilema, é necessário encontrar um equilíbrio. Diante disso, Ana enfatiza a palavra “individualidade”. “Você reconhecer suas conquistas, anotando esses progressos reais do seu dia, acaba que você vai encontrar provas concretas de valor que você tem e vai reduzir esse impacto de comparação”, finaliza.