Sabryna Ferreira
Diante do cenário de instabilidade política, surge a discussão sobre eleições diretas. Para tratar deste assunto, a ABJ Notícias convidou o sociólogo e secretário adjunto de Participação Popular do Estado do Maranhão, Paulo Romão Meireles Neto, para uma entrevista sobre o tema.
ABJ Notícias: Na prática, o que significa eleições diretas?
Paulo Romão Meireles Neto: É a possiblidade de a população exercer diretamente seu direito ao voto. Trata-se de eleger diretamente o Presidente da República considerando a falta de legitimidade de Michel Temer, seja pelas condições de acesso ao cargo, seja pelas denúncias de corrupção que pairam diretamente sobre ele. O clamor da sociedade é evitar que o Congresso Nacional, alvo de sucessivas denúncias de corrupção, tome para si a decisão de eleger de forma indireta um próximo presidente, sem qualquer preocupação com os verdadeiros donos da soberania popular, o povo.
ABJ: O que é preciso para que isso aconteça?
Meireles: Por determinação constitucional, se houver vacância do cargo nos dois últimos anos do mandato, a escolha do próximo ocupante se dará por meio de eleição indireta no Congresso Nacional, e qualquer cidadão em condições de elegibilidade pode participar. Dificilmente os parlamentares elegeriam alguém de “fora da política”. Assim sendo, só uma reforma constitucional poderia alterar este processo de escolha preservando a legitimidade de uma escolha desta dimensão. Para tanto, há iniciativas legislativas neste sentido que, aliadas à mobilização popular, podem fazer com que esta difícil quadra da política brasileira tenha um desfecho possível sem outra ruptura da ordem social e política.
ABJ: Quais são os pontos positivos e/ou negativos disso?
Meireles: A possibilidade de a população ajudar a restaurar a dignidade da representação política seria a primeira medida a ser tomada em momentos de aguda crise de legitimidade. Isso contribui para saber se de fato o Congresso Nacional representa os interesses plurais da sociedade brasileira ou tão somente os interesses de quem financiou suas campanhas políticas. A meu ver, uma eleição direta agora promoveria o amplo debate sobre quais interesses devem constar na agenda política do país, resgatando a cidadania como solução para a crise de legitimidade da representação política. De algum modo isso contribui para o debate sobre o esgotamento da representação partidária, que há muito tem sido questionada. É extremamente positivo para o desvendamento desses escândalos que assolam o noticiário político e policial. Eu não vislumbro aspectos negativos em o povo exercer diretamente sua soberania. Isso reforçaria a tese de que o “povo não sabe votar”, tão comum em momentos como estes.
ABJ: Que diferenças e semelhanças há entre os contextos políticos de 1984 e 2017?
Meireles: Há diferenças significativas entre o processo de redemocratização e essa conjuntura atual sob todos os aspectos. A impressão que tenho é que o nível de passividade da sociedade brasileira se choca frontalmente com o desejo de mudança expresso nas redes sociais. A pouca mobilização popular existente não conseguiu alterar de forma significativa a agenda legislativa de reformas regressivas dos direitos trabalhistas e previdenciários. A partir da década de 80 se luta para ampliar cada vez mais o rol de direitos a parcelas amplas da sociedade brasileira. A participação popular foi essencial para os direitos e garantias previstos no pacto constitucional de 88, e quando o Michel pilota a revogação deste pacto, há pouca resistência social em curso. Se por um lado a sociedade demonstra certa intolerância com determinadas práticas de corrupção na política, isso não tem sido visto nas ruas em defesa dos direitos conquistados nas últimas décadas. A agenda de combate à corrupção tem, no Ministério Público Federal, seu esteio mobilizador, revelando um ativismo incomum nas democracias modernas. Isso pode ser visto pela ótica do fortalecimento das instituições, caso se promovam amplas investigações, ou pelo intento de investigar seletivamente alguns, ignorando outros.
ABJ: Eleições diretas seriam o melhor caminho, tendo em vista a instabilidade do país?
Meireles: Qualquer tentativa de pacificação social feita por cima tende a fracassar, pois carece de legitimidade popular que a credência. Se cabe ao povo decide os rumos de sua vida e do seu país de forma ordinária a cada quatro anos, por que negar-lhe o direito de decidir, extraordinariamente, sobre as escolhas feitas até aqui? A instabilidade sentida pela população se revela no desemprego, na falta de oportunidades sociais, na ausência do estado na promoção do desenvolvimento e é justamente isso que está em disputa na sociedade pela classe política neste momento, o papel do Estado, se para ser um mero chancelador das decisões do mercado ou ser indutor e promotor do bem comum. O que está em jogo é o retorno do caráter neoliberal de Estado mínimo que dominou a agenda pública na década de 90, com seu arrocho social, alargando as desigualdades, limitando as possibilidades de romper estruturas que alicerçam o ciclo geracional da pobreza. Se o povo é chamado a participar do debate sobre qual modelo econômico quer viver, certamente os interesses patronais que dominam o Congresso Nacional e a Presidência da República perdem espaço na representação politica.
ABJ: A Constituição não prevê este mecanismo. Uma reforma constitucional é necessária?
Meireles: Uma emenda constitucional tem uma tramitação demorada devido ao caráter rígido de nossa Constituição. Se a Constituição Federal é a carta política que expressa nossa cidadania de forma soberana, nossos valores e objetivos fundamentais enquanto República, e se isso é objetivo de corrupção e indiferença pelas autoridades constituídas, cabe somente ao povo, de forma direta ou indireta, estabelecer novos parâmetros para garantir a harmonia de nossa convivência social.
ABJ: O Projeto de Emenda Constitucional que pede eleições diretas foi aprovado por unanimidade na Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal e segue tramitando. Caso a PEC não seja aprovada, esta seria uma decisão constitucional, mas antidemocrática?
Meireles: Mesmo que não seja aprovada pelas Casas Legislativas, a PEC já cumpre o papel de promover a reflexão sobre o esgotamento deste modelo de representação política divorciada dos interesses do povo brasileiro. Mas acredito que seja aprovada, mesmo que fatiada em seu texto original. Cabe ressaltar que, de acordo com o texto que segue para o Plenário do Senado, fica estabelecido eleição direta para presidente e vice-presidente apenas no último ano do mandato.
ABJ: Você consegue ver alguma solução para este impasse?
Meireles: Se o bom senso guiasse a conduta de nossos governantes, o Temer já teria renunciado e a PEC já teria sido aprovada e o povo já teria escolhido outra representação que resgate a confiança coletiva. A meu ver, não há outra saída que não passe pelo crivo da participação popular.
*Foto: Arquivo pessoal