Nova lei australiana dá aos trabalhadores o direito de se desconectar.
Nicoly Maia
Uma nova lei entrou em vigor na Austrália que permite funcionários não atenderem chamados de seus superiores após o fim de seu expediente, sem receberem consequência do empregador. A lei não proíbe chefes de contatar seus funcionários, mas sim dá liberdade ao funcionário de recusar o chamado, desde que não seja caso de urgência.
Caso a lei seja desrespeitada a multa pode chegar a 94 mil dólares australianos (R$350 mil) para a empresa. O funcionário também pode receber uma multa de 19 mil dólares australianos (R$70 mil) caso a recusa das chamadas seja irracional. Outros vinte países também dão o mesmo direito aos seus trabalhadores, como França, Canadá e Bélgica.
No Brasil
A advogada especializada nas leis trabalhistas, Thayane dos Santos, explica que, no Brasil,o direito à desconexão não está previsto na legislação trabalhista. Contudo, existe a figura jurídica do sobreaviso, que regula o tempo em que o trabalhador permanece à disposição do empregador após o expediente normal, aguardando ou cumprindo ordens, por até 24 horas, com o direito de receber um terço do valor da hora.
Apenas o uso de dispositivos eletrônicos não garante o direito ao sobreaviso, segundo o entendimento do TST, é necessário haver subordinação ao uso do aparelho para que esse direito seja configurado.
Desde 2016, há projetos de lei para incluir o direito à desconexão na legislação trabalhista brasileira, como as PLs 6.038/2016, 4.044/2020 e 4.567/2021. O mais recente é a PL 4579/23, que busca garantir o direito à desconexão para quem trabalha remotamente ou em teletrabalho. Atualmente, o projeto está em análise na Comissão do Trabalho, tomando como referência uma resolução do parlamento europeu de 2021 sobre o tema.
Outras perspectivas
Como qualquer outro assunto, a nova lei australiana trouxe concordâncias e discordâncias, sobre ser benéfica ou não ao empregador e ao funcionário.
“Para ambas as partes, a adoção dessa medida no regimento trabalhista brasileiro garantiria impactos positivos no bem-estar dos funcionários e na relação entre empregadores e empregados”, esclarece Thayane.
Porém, nem todos os funcionários são a favor dessa lei. Josuel Zimmermann, funcionário e representante de empresas, acredita que o impacto da lei depende da função e dos objetivos profissionais do trabalhador. Ele afirma que ignorar mensagens após o expediente pode ser vantajoso para alguns, mas para quem deseja crescer na carreira, responder mesmo fora do horário pode ser essencial.
“Se você ama o que faz e quer ser promovido, a lei não afetaria sua rotina. No entanto, pode interferir no equilíbrio entre vida pessoal e trabalho, especialmente para quem tem compromissos familiares e sociais fora do horário laboral”, destaca.
Para ele, a legislação pode ser benéfica em áreas como a produção, onde as funções são mais repetitivas. Porém, em setores como vendas e gestão, que muitas vezes exigem flexibilidade de horário, a implementação de uma lei como essa poderia trazer desafios.
A advogada Thayane dos Santos diz que a implementação de uma lei semelhante no Brasil poderia melhorar o bem-estar dos trabalhadores e reduzir licenças de saúde por conta do estresse, já que o direito ao descanso seria protegido de maneira mais efetiva e respeitar o expediente é um bom começo.
Lei no home office
Com a popularização do trabalho remoto após a pandemia, a advogada reforça a necessidade de uma regulamentação mais clara para evitar abusos. “O trabalho à distância tornou difícil identificar quando o funcionário está realmente trabalhando ou apenas disponível, o que aumenta a importância de uma norma mais específica para proteger o trabalhador e garantir seu direito ao descanso”, esclarece.
Ela ressalta que apesar da comunicação fora do horário de trabalho ser comum e facilitada pelos meios atuais, é preciso um cuidado maior na lei. “Impor limites claros para essa comunicação é fundamental para não violar os direitos do trabalhador, especialmente em tempos de home office, em que as fronteiras entre vida pessoal e profissional se tornaram mais confusas”, explica.