Em comemoração ao Dia das Mães, adotantes e adotados contam sua experiência.
Paula Orling
A vida de Marilei Shlemper da Silva estava, aparentemente, tranquila. Casada, com uma carreira estabelecida e um filho, o Júnior, já fora de casa, os planos giravam em torno dos estudos do filho e planos de férias para o casal. Neste período da vida, a última coisa com a qual se preocupava era mamadeira, berço ou brinquedos. Mesmo assim, a vida trouxe uma grande surpresa. Na verdade, duas surpresas: o Daniel e a Marryelli.
Quando uma parente não pôde criar os filhos gêmeos, Marilei e seu marido, Jelton, ficaram a cargo desta responsabilidade. Os dois, que hoje têm cinco anos, foram adotados quando tinham apenas um ano e um mês de vida. Hoje, contudo, já são parte ativa da família.
Marilei, mãe dos gêmeos, compartilha que recebê-los de surpresa deixou a família com muito medo, mas que logo o medo deu lugar a muito trabalho, adaptação e, principalmente, muito amor. “Jamais pensei que poderia amar alguém como amo o Júnior. Isso foi algo estranho e extraordinário ao mesmo tempo. Quando eu percebi, os gêmeos eram tão importantes na minha vida quanto o Júnior. Não existe diferença. São perfis diferentes, mas o amor é igual”, reafirma.
Receber filhos não biológicos em casa exige adaptação, mas esse processo é completamente possível. Jelton Júnior, filho biológico do casal, descreve seu sentimento em “dividir a mãe”. “Para mim, sempre foi muito fácil, sempre considerei que eles [os irmãos] eram da minha família, desde que chegaram, e minha relação com a minha mãe continuou a mesma, eles não atrapalharam isso, são meus irmãos de verdade”, relata.
Apesar do sucesso de várias crianças, principalmente as mais novas, que são integradas a famílias, outras ainda aguardam a oportunidade de serem filhos. Crianças mais velhas normalmente não são a preferência dos candidatos a adotantes. Em 2019, na capital paranaense, Curitiba, onde Emily Carrijo foi adotada aos 13 anos, 48,36% dos acolhidos em abrigos têm 12 anos ou mais, enquanto apenas 4,52% das pessoas aceitam adotar maiores de 8 anos.
Emily se sente privilegiada porque, apesar da adaptação áspera, hoje se sente parte da família. Sua mãe teve um papel indispensável no processo de integração. “Ela [minha mãe] é especial, é diferente de todas outras mães que existem, ela é um presente que Deus me deu! E sou grata todos os dias por ela ter me escolhido”, assegura.
“Posso dizer que minha relação com meus pais, em especial com a minha mãe, é muito boa, entendo que somos uma família ‘normal’ (se é que existe alguma normal)”, compartilha com senso de humor. Além disso, ela explica que não avalia sua mãe como uma “mãe adotiva”, apenas como “mãe”.
O mês de maio, além de homenagear as mães brasileiras, também se orgulha com o Dia da Adoção, celebrado no dia 20. Esta data é importante, entre muitos motivos, para conscientizar as futuras mães adotantes sobre as condições da adoção no país. No ano de 2020, mais de 34 mil crianças e adolescentes moravam em abrigos governamentais e não-governamentais em todo o Brasil, esperando serem adotados, ou completarem 18 anos para seguir suas vidas por conta própria, com pouco ou nenhum amparo. Nas 3.259 instituições, as crianças esperam para conhecer seus novos pais.
Apesar das preferências dos candidatos a futuros pais, as condições da maioria das crianças disponíveis são completamente diferentes. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) aponta que cerca de 92% delas não possuem as características desejadas pelos adotantes.
Ademais, o número de adotantes caiu 43% durante a pandemia de Covid-19. Durante o ano de 2019, foram registradas 2.279 adoções, ante 1.289 em 2020. Entretanto, o último levantamento do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo), feito a pedido da Assembleia Legislativa paulista, revela que o número voltou à progressão entre 2021 e 2022.
Apesar das diferenças entre a maternidade gestacional e a “maternidade do coração”, as mães têm seus direitos hoje no Brasil, sejam elas biológicas ou adotantes. Um dos benefícios é o salário-maternidade, promovido pelo INSS para as trabalhadoras que ficam afastadas do emprego por causa do parto, mas também é válido em casos de adoção.
A estabilidade da mãe adotante se inicia no momento em que esta recebe a guarda provisória até cinco meses após este momento. Esta regulamentação entrou em vigor em 2017, ou seja, é uma novidade para o universo das mães não-biológicas. Antes desta regulamentação, existia a Medida Provisória 619/2013. Esta medida independia da idade da criança ou adolescente, mas só oferecia amparo salarial por 120 dias.
Contudo, as mães adotantes não têm direitos iguais quando o assunto é o período gestacional, já que a “gestação do coração” não apresenta tempo definido ou dificuldades físicas para a mãe.
Os candidatos a adotantes devem seguir um passo a passo complexo para serem considerados em um sistema de adoção tão burocratizado como o brasileiro, amparado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
O primeiro passo é procurar a Vara da Infância e da Juventude mais próxima e se informar a respeito dos documentos necessários para o processo de adoção. Para dar início ao processo, o candidato deve fazer uma petição de inscrição para adoção no cartório da Vara de Infância e da Juventude. Em seguida, deve realizar um curso de preparação psicossocial e jurídica, obrigatório para que a adoção seja efetivada pelos meios tradicionais.
A partir de então, fica a cargo do juiz dar a sentença a respeito da adoção. Caso tudo corra bem, o próximo passo é encontrar uma criança que se encaixe no perfil selecionado pela família adotante. A partir de então, a adoção tem início e o adotante recebe a guarda provisória da criança ou adolescente e cabe ao juiz proferir a sentença a respeito da adoção e do registro do adotado.