No passado a data representava os direitos dos consumidores, hoje, esses mesmos direitos são negligenciados em prol do lucro.
Camilly Inacio
23h59. Me encontrei aguardando por “ofertas imperdíveis”. Eu não sabia o que estaria em promoção, mas lá estava esperando o relógio marcar meia-noite. O aplicativo começa a notificar que o tão aguardado momento chegou. Num ritmo frenético de “quem compra mais rápido ganha mais desconto”, começo a colocar centenas de coisas numa lista quase que infinita de desejos, das quais não vou comprar nem a metade. Finalizo minha lista e começo a decidir o que levar. Quero tudo e nada. Finalizo os pedidos. Às 4h da manhã vou dormir enquanto o dia começa. Depois de despertar, em plena consciência, me dei conta de ter comprado diversas coisas que não queria, e muito menos precisava.
Consumidor ou consumista? Uma linha tênue entre a liberdade de poder comprar e o cativeiro de quem não consegue se controlar. Feliz Dia do consumidor. Mas por que o consumidor precisa de um dia se ele pode comprar quando quiser?
Com o crescimento industrial, as mercadorias começaram a ser produzidas em grande quantidade, o que disponibilizou mais produtos para os consumidores. Logo, o consumo vem sendo incentivado em uma escala que cresce cada dia mais.
Promoções, descontos, produtos, marcas, lançamentos. Todas essas coisas fazem parte do papel de deixar as pessoas tão entusiasmadas que compram por impulso, muito mais que em uma situação em que a racionalidade é levada mais em conta.
Em conjunto com o estímulo causado pelas promoções e ofertas, está a facilidade de comprar tudo o que se imagina, seja física ou virtualmente. Então, o consumidor toma a posição de refém e se afoga em um mar de compras desnecessárias.
Segundo o dicionário de Oxford, o capitalismo é “um sistema econômico baseado na legitimidade dos bens privados e na irrestrita liberdade de comércio e indústria, com o principal objetivo de adquirir lucro”. Isto é, um sistema que visa a acumulação das riquezas.
Tendo em vista o objetivo final de gerar lucro, todos os recursos para que esse fim seja alcançado passam a ser considerados. Nessa busca crescente por gerar mais dinheiro, o mercado acaba por incentivar que os compradores pensem cada vez menos no que estão comprando.
Com menos reflexão sobre o que se compra, mais produtos são vendidos, o consumo aumenta, e com ele o lucro. O investimento na propaganda, resulta no produto final – não um necessitado consumidor, mas um aficcionado consumista.
O Dia do Consumidor foi comemorado pela primeira vez em 15 de março de 1983, como um dia para representar a luta pelos direitos dos consumidores. Entretanto, com o passar do tempo, a essência se perdeu e hoje é tido mais como um dia onde as ofertas se tornam imperdíveis.
No Brasil, a comemoração desta data é aproveitada com diversas promoções pelo comércio. Os anúncios são irresistíveis. Durante a semana do consumidor, o assunto fica entre os 3 assuntos mais comentados no Twitter e é umas das datas mais importantes para o comércio brasileiro, perdendo apenas para a Black Friday, e para o comércio eletrônico.
Porém, um dia criado para a proteção e amparo dos direitos de quem está comprando, acabou se tornando um dia em que a atenção deve ser redobrada. Além do acúmulo de dívidas que o consumidor pode gerar ao comprar desenfreadamente, os riscos de golpes aumentam nesta época.
De acordo com um estudo feito pela Kaspersky Lab a incidência no número de ataques de phishing aumenta nesse período. De acordo com a análise, 29% dos usuários brasileiros foram afetados por phishing no ano de 2017.
O consumo descontrolado tem sido idealizado, e embora a publicidade seja linda, o descontrole financeiro gera dívidas, golpes, doenças como ansiedade e até mesmo depressão. Portanto, é válido refletir mais acerca do desequilíbrio que gera necessidades irreais e cria dependência.