O Brasil não tem alcançado a meta de imunização do público alvo desde 2019, mas com a pandemia as taxas caíram significativamente.
Melissa Maciel
Segundo dados do Ministério da Saúde, em 2021 a taxa de vacinação contra a poliomielite estava em 59,82%, o menor número dos últimos três anos. Em 2020, no auge da pandemia, quando recursos e profissionais foram direcionados para a resposta à Covid-19 e o medo da transmissão ainda limitava a procura por assistência médica, o número era de 76%. No entanto, a meta de vacinação contra a doença, de acordo com a OMS, é de 95% do público alvo.
A poliomielite, também denominada de paralisia infantil, é uma infecção viral, contagiosa que ataca o sistema neurológico. A doença afeta, majoritariamente, crianças até os cinco anos de idade e, de acordo com dados da Organização Pan-Americana de Saúde, uma em cada 200 infecções leva à paralisia irreversível, geralmente das pernas. Entre os que contraíram a doença, 5% a 10% morrem por paralisia dos músculos respiratórios.
O último caso da doença registrado nas Américas foi em 1991, no entanto, enquanto houver uma criança infectada no mundo, crianças de todos os outros países correm o risco de contraí-la. Alguns países asiáticos, como Israel e Malaui, registraram novos casos em 2022, portanto, devido à possibilidade de importação, o maior fator de risco para as crianças até 5 anos de idade é a negligência da cobertura vacinal básica.
Conforme comunicado de imprensa da OMS e do Unicef, que revela o retrocesso da vacinação infantil, em 2020 mais de 23 milhões de crianças não receberam as vacinas básicas pelo serviço de saúde de rotina.
O diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, explicou no comunicado que surtos de outras doenças devastadoras, mas evitáveis, como poliomielite, sarampo e meningite, seriam catastróficos para as comunidades e sistemas de saúde que já lutam contra a Covid-19.
Antes da pandemia, a taxa de imunização para várias doenças graves evitáveis com a vacinação básica, como difteria, tétano, coqueluche, sarampo e poliomielite, já estavam estagnadas em 86%. Este número está distante da meta de 95% recomendada pela OMS para a prevenção do sarampo e é insuficiente para impedir outras doenças evitáveis.
Segundo a médica infectologista do Hospital São José de Doenças Infecciosas do Ceará, Christiane Takeda, o Brasil está vulnerável ao risco de reentrada do vírus da poliomielite, pois a taxa de vacinação está em torno de 60%, de acordo com dados de 2021. Ela explica que “geralmente, em locais em que se tem taxas de vacinação entre 60% e 70%, o risco de reintrodução realmente é real”.
Um dos fatores apontados como causa da queda na vacinação, é o declínio dos investimentos na gestão de saúde pública. A médica elucida que a queda nos investimentos tem trazido uma preocupação grande nos últimos anos, porque a partir disso vemos menos campanhas de engajamento à vacinação básica, equipes mal estruturadas e falta de materiais. Além disso, ela aponta os horários inconvenientes de funcionamento dos postos de saúde, que geralmente estão abertos em horário comercial, quando os pais das crianças estão trabalhando.
Outro ponto ressaltado pela infectologista, é que durante a pandemia muitos serviços de saúde foram fechados ou tiveram seu horário de funcionamento reduzido, “o que também foi impactante nesses dois últimos anos nas quedas de cobertura vacinal para várias doenças”, expõe.
Uma questão que interfere na dinâmica da cobertura vacinal, também, é a falta de conhecimento da nova geração sobre os efeitos dessa doença. A infectologista geral, Aline Scarabelli esclarece que “como a Poliomielite é uma doença erradicada em nosso país desde 1994, muitos não sabem do que se trata, modo de transmissão, apresentação clínica e possíveis complicações” e acrescenta que isso gera “a falsa sensação de que a doença não existe mais.”
O negacionismo quanto à segurança da cobertura vacinal é algo que tem intrigado a população. Christiane esclarece que o negacionismo ganha força com a ineficácia de serviços de saúde, a falta de informações verídicas para a população, a negligência dos responsáveis e a influência de questões socioculturais e econômicas.
Segundo ela, a decisão de se abster da vacinação é algo que afeta a comunidade e por isso, o país fica vulnerável não só à poliomielite, mas a outras doenças que já tínhamos erradicado no país, como sarampo e difteria.
A médica psiquiatra e mãe de três meninos, Karina Barradas, diz que o negacionismo tem a ver com o medo e que “o problema é a divulgação de eventos adversos de maneira sensacionalista e inadequada, o que torna as pessoas suscetíveis a acreditaram que a melhor opção é a recusa”.
Ela afirma que vê a vacinação como uma questão de consciência coletiva: “se eu vacino meus filhos, protejo eles e os filhos dos outros”, declara.