Tramitação da PEC da mensalidade em universidades públicas é suspendida por acordo

Acordo entre oposição e governo retira requerimento para realização de audiências públicas que debateriam a proposta que tinha como objetivo cobrar mensalidade em universidades públicas.

Gabrielle Ramos Venceslau

A proposta de emenda à Constituição (PEC) 206/2019, que tinha como objetivo cobrar mensalidade em universidades públicas, estava na pauta da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ), da Câmara dos deputados, desde a última semana. Mas foi paralisada por um acordo firmado nesta última terça-feira 31 de maio entre governistas e oposicionistas. 

Por causa da ausência do relator, deputado federal Kim Kataguiri, a PEC não foi votada. Os deputados decidiram fazer audiências públicas sobre o tema, ou seja, a proposta não será votada enquanto estas não forem realizadas. Na prática, retirar os requerimentos para a realização destas audiências trava a votação na CCJ, parte fundamental para a tramitação de qualquer proposta que altere a Constituição. 

Motivo da proposta

A PEC propunha a cobrança de um valor mensal, que seria definido pelo Ministério da Educação (MEC) e utilizado para despesas de custeio, como água e luz. A ideia seria manter a gratuidade para alunos que não tenham recursos para arcar com os custos. O deputado federal General Peternelli, autor da proposta, baseou a mudança do artigo 206 da Constituição em relatório elaborado pelo Banco Mundial em 2017. Este estudo afirma que o gasto brasileiro com estudantes do ensino superior público é “muito superior” em relação ao de países como Espanha e Itália.

Peternelli diz que “a maioria dos estudantes dessas universidades acaba sendo oriunda de escolas particulares e poderiam pagar a mensalidade”. Na visão dele, não é correto que toda a sociedade continue financiando o estudo de jovens de classes mais altas. Além disso, ele continua a justificativa dizendo “os estudantes ricos- que obviamente tiveram uma formação mais sólida na educação básica – ocupam as vagas disponíveis no vestibular em detrimento da população mais carente”.

Por que não apoiar a PEC?

Para Caio Faiad, do coletivo Em Todas As Lutas, doutorando em Ensino de Ciências (USP) e divulgador científico nas redes sociais, a PEC causou um grande desconforto para os defensores da universidade pública. “Os defensores da proposta deturpam a ideia de justiça social, porque no fim das contas a Emenda Constitucional intensifica as desigualdades sociais existentes no nosso país”, explica.

Em 2018, Peternelli assinou o compromisso proposto pela SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) que incluía, no seu item III, a “manutenção da educação pública, gratuita e de qualidade nas universidades públicas“. Assim, esta proposta estaria sendo contrária ao compromisso realizado anteriormente, comenta o doutorando.  Além disso, ele enfatiza que não é lógico avaliar uma PEC de 2019 em 2022, que é baseada em uma pesquisa do Banco Mundial publicada em 2017. “Ou seja, uma Emenda Constitucional está sendo discutida usando dados inadequados”, explica.

Uma pesquisa da Andifes de 2019, que considera a realidade de todos alunos das Instituições Federais de Ensino Superior, mostra que 70,2% dos estudantes têm renda familiar mensal de até 1,5 salário mínimo. Isso mostra que a implementação da Lei de Cotas, a partir de 2012, modificou o perfil dos universitários, comenta Caio. “A universidade pública brasileira não é mais um local quase que exclusivo de pessoas ricas”, complementa.

Faiad conclui que a PEC tem uma problemática, que é definir quem poderia pagar as mensalidades. Ele explica que se o critério dos três salários mínimos fosse adotado, por exemplo, isso faria com que todos aqueles que ganham mais que esse valor fossem obrigados a arcar com a mensalidade. Contudo, um rendimento mensal de R$ 3.636,00 não faz ninguém rico e que isso faria com que o universitário provavelmente desistisse da vaga, complementa.  “A PEC tiraria a classe média (os mais pobres) das universidades públicas e aumentaria o acesso da classe dominante (os mais ricos)”, conclui. 

Repercussão

Nas redes sociais, a União Nacional dos Estudantes (UNE) criticou a proposta. “Nós não vamos pagar nada! Uma educação pública, gratuita e de qualidade é direito assegurado pela nossa Constituição!”, publicou a UNE em suas redes sociais. A líder do PSOL na Câmara, Sâmila Bomfim, rebateu o principal argumento que embasa a PEC. “ A maioria dos estudantes das universidades federais é de baixa renda!”, escreveu no Twitter. 

Universitários que passam horas estudando para conseguir uma vaga numa universidade, como Filipe Marques, declaram que não poderiam pagar as mensalidades caso a proposta fosse adiante. Na visão do estudante de psicopatologia, “isso poderia ocasionar uma preferência das universidades em receber mais alunos que pudessem pagar”. 

Para Luan Santos, que é formado em Comunicação Social, a cobrança desencadearia um país ainda com menos capacitação e redução na educação. Ele preferiria trancar o curso a pagar a mensalidade, pois teria que escolher entre ajudar financeiramente a sua família ou pagar os estudos. “Como poderíamos pagar por algo que por obrigação teria que ser de graça?”, finaliza com este questionamento. 

 

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