Treinar um membro pode melhorar o desempenho do outro.
Cristina Levano
Existe um fenômeno chamado de cross-education (educação cruzada) que recentemente chamou a atenção de pesquisadores e atletas. A educação cruzada, também conhecida como treinamento unilateral ou treinamento do lado não lesionado, é uma estratégia utilizada para manter ou melhorar a função do lado não afetado enquanto o outro se recupera de uma lesão.
A educação cruzada foi identificada pela primeira vez no século 19, quando foi observado que os ganhos de força no membro não treinado ocorriam após o treinamento unilateral do membro oposto. Desde então, investigações científicas lançaram luz sobre os mecanismos responsáveis por esse fenômeno. Os pesquisadores descobriram que as adaptações neurais desempenham um papel vital nesse processo, ilustrando a notável plasticidade do cérebro humano.
O profissional de educação física André Pacioni explica que essas alterações neuroplásticas não afetam apenas o membro treinado, mas também se estendem ao membro oposto. As conexões neurais entre o córtex motor e o membro não treinado são fortalecidas, resultando em comunicação neural aprimorada e controle motor aprimorado. Essa ativação cruzada de vias neurais permite que o membro não treinado tenha um desempenho em um nível superior, muitas vezes igualando ou mesmo excedendo a força e a habilidade do membro treinado.
Benefícios
As implicações do fenômeno cross-education são abrangentes, com benefícios potenciais para atletas, pacientes em recuperação de lesões e indivíduos em reabilitação neurológica. Quem pratica atividades físicas pode alavancar a educação cruzada incorporando exercícios de treinamento unilaterais em suas rotinas de treino. Ao se concentrar em um único membro, eles podem melhorar o desempenho de ambos os membros, levando a uma melhor força e coordenação geral.
Para indivíduos que se reabilitam de uma lesão, a educação cruzada oferece um caminho promissor para uma recuperação acelerada. Ao treinar o membro saudável, eles podem obter ganhos de força que são transferidos para o membro lesionado, reduzindo o tempo geral de recuperação.
Além disso, este treinamento mostrou ser promissor na reabilitação neurológica de pacientes com condições como acidente vascular cerebral ou lesões na medula espinhal geralmente apresentam comprometimento motor significativo em um membro. Ao se envolver com esta técnica, eles podem aproveitar a plasticidade do cérebro para melhorar a função motora no membro afetado. Isso abre novas possibilidades para estratégias de reabilitação que promovam a recuperação e a independência.
Pesquisas e Aplicações
A Edith Cowan University (ECU) em parceria com o professor Trevor Chen, da National Taiwan Normal University, realizou uma investigação, na qual imobilizou o braço não dominante de 36 jovens sedentários por meio de um gesso na articulação do cotovelo, por três semanas.
Eles foram divididos em três grupos iguais: um grupo de contração concêntrica, que levantou um halter usando o braço não mobilizado; um grupo de contração excêntrica, que baixou um halter e um grupo de controle que não realizou exercícios.
Enquanto os jovens estavam com seu braço imobilizado, os grupos realizaram seis sessões de levantamento de peso duas vezes por semana durante três semanas. Nessas sessões, eles deveriam realizar cinco séries de seis repetições com uma mão, correspondendo a de 20 a 80% de sua força máxima durante as seis sessões.
Quando o gesso foi retirado, o grupo de controle que não fez nenhum esforço percebeu uma diminuição de mais de 15% na força do braço imobilizado. No entanto, aqueles que levantaram pesos viram pouca ou nenhuma diminuição na força muscular do braço imobilizado.
Assim mesmo, um dos alunos do professor Pacioni que está no processo bilateral, teve uma redução de gordura e ganho de massa magra treinando em um mês, ele não estava lesionado, mas treinou com um lado só. “Foram 3 cm de diferença, isso é bem pouco. Às vezes, pessoas sem lesão têm essa diferença”, relata André Pacioni.
O profissional de educação física continua explicando que “você consegue aplicar a educação cruzada a partir do momento que o indivíduo tenha condições de executar o movimento do membro não lesionado”.
Os cuidados
Os pesquisadores estão investigando ativamente os protocolos de treinamento ideais, duração e intensidade necessários para maximizar os efeitos da educação cruzada. Compreender os mecanismos neurais específicos e sua interação com vários parâmetros de treinamento contribuirá para o desenvolvimento de intervenções direcionadas.
Mas, embora a educação cruzada tenha fornecido informações valiosas sobre as capacidades adaptativas do cérebro humano, várias questões ainda permanecem, e por ainda não ser um tratamento tão conhecido, existem profissionais que ainda não estão capacitados para tratar pacientes com esta técnica.
Por isso, é recomendado procurar profissionais especializados no seu tipo de lesão e que estejam mais informados sobre a educação cruzada. É importante também lembrar que o treinamento para pessoas não lesionadas é específico e individual. Caso a pessoa apresente alguma lesão, o treinador deve buscar o tratamento individual para o tipo específico de lesão.