Conheça como a música mudou a vida de algumas pessoas.
Cristina Levano
A música faz parte do cotidiano das pessoas, está presente em diversos momentos e lugares, como quando cantamos no chuveiro, ao ouvirmos dentro de um carro, no rádio do vizinho, no shopping e até mesmo no caminho ao trabalho. São esses pequenos momentos que alegram o dia a dia de muitos brasileiros, e inclusive, a música pode mudar a vida das pessoas.
Uma prova viva disso é a Orquestra de Rua, um quarteto formado por Juliane Souza, da Mangueira; Gláucia Maciel, da Providência, Jéssica D’Ornellas e Lucas Nascimento, do Morro dos Macacos, em Vila Isabel. Após uma das suas apresentações ao ar livre, eles receberam um convite que os levaria a para a Alemanha em junho deste ano.
A história deste grupo se remonta a 2017, quando os quatro jovens junto a outros atravessaram o túnel para participarem de um espetáculo no Planetário da Gávea. Depois que o evento acabou, estavam com fome, à vista disso eles e outros cinco instrumentistas decidiram ir a um rodízio de pizza, mas o dinheiro não era o suficiente para cobrir as despesas da comida.
Então pegaram seus instrumentos, pararam na calçada em frente ao shopping da Gávea, onde estavam, e começaram a tocar. As peças que tocaram esse dia, deixam fascinados os que passaram por lá. Assim, ao final da performance, haviam arrecadado, aproximadamente, R$900,00. “Depois disso, criamos um grupo e voltamos de novo. Como tivemos o mesmo sucesso e a galera perguntava qual era o nome do grupo, não lembro quem que deu a ideia, mas ao final ficamos com Orquestra de Rua”, relata Lucas Nascimento.
“Fui só pelo lanche”
“Fui só pelo lanche”. Essas foram as palavras que Lucas Nascimento, atual violoncelista do “Orquestra de rua”, em 2011 quando se uniu a um projeto no qual davam aulas gratuitas de música, lá no Morro dos Macacos. “Um amigo da escola me disse “Pô, vai ser aulas para tocar violão”, mas quando cheguei, aí tinha violoncelo, violino, viola, contrabaixo e clarineta”, lembr.a Ele jura que na época nunca tinha visto um instrumento desses. ” Aí eu cheguei na tia Rita, que era coordenadora na época, e falei assim, “Oi tia Rita, tudo bem? Eu sou o Lucas”, queria me inscrever no violoncelo,” narra.
Com o passar do tempo, Lucas foi aperfeiçoando sua técnica, tocava mais afinado, entrou no grupo mais avançado de violoncelistas, começou a estudar peças mais difíceis, e nesse momento ele criou amor pelo instrumento. De início ele ia “só pelo lanche”, mas com o tempo desenvolveu uma verdadeira paixão pela música, o que o levou a em 2015 comprar o seu primeiro violoncelo.
Ao finalizar o Ensino Médio, Lucas resolveu fazer licenciatura. Ele já tinha feito aula de teoria musical, porém, quando o seu pai adoeceu de câncer pulmonar teve que deixar o projeto para estar do lado dele. Foi um momento muito difícil na vida do violoncelista. Mas nesses momentos a música se tornou um dos seus aliados mais fortes. “A gente começou a tocar no metrô do Rio, ali começaram a surgir novas oportunidades, começou a surgir dinheiro, coisas pra fazer, pra tocar e eu fui vendo que eu estava no caminho certo, então eu fui indo,” testemunha o violoncelista.
Muitas coisas aconteceram na vida do Lucas, mas em todas elas a música formou parte. “A gente fez o que tinha que ser feito, a gente trabalhou da maneira que tinha que ser trabalhada sem pensar em recompensa, as coisas vem da maneira que você faz. Você planta pra você colher lá na frente”, afirma. Atualmente ele estuda licenciatura na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) e trabalha na “Ação Social pela Música do Brasil” dando aula do que mais gosta.
A violista e as violinistas
Jéssica D’Ornellas, violista do grupo participou no projeto Ação Social Pela Música que se localiza próximo ao Morro dos Macacos, onde a mesma reside. Sua tia a matriculou e na época a obrigou frequentar as aulas. No início ela não gostava, mas ao passar do tempo ela se apaixonou e é com o que leva a vida. Atualmente é estudante de bacharelado em viola na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Jéssica mantém seus estudos e o seu instrumento com muita resistência na sua carreira.
Juliane Souza, nasceu em uma família de músicos, porém, iniciou seu caminho musical quando criança com flauta doce em um projeto no Centro Cultural do Cartola. Poderia ter continuado do mesmo jeito se não fosse pela amiga da mãe que avisou-lhes sobre as aulas de instrumentos eruditos. Assim, quando Juliane tinha 14 anos, se encontrou com o violino. Foi amor à primeira vista, pois já tinha escutado histórias de seu falecido avô que também tocava violino. No entanto, seu projeto acabou por ausência de patrocínio, mas isso não a fez desistir logo migrou para o projeto do Centro Cultural da Light e também participou do projeto “Sou mais eu”, onde continuou praticando e também ajudando na organização da prática em conjunto com a orquestra.
Logo depois, Juliana resolveu entrar na faculdade, mas não passou por conta do ENEM. Contudo, quando uma porta se fecha duas se abrem, e nesse meio tempo, participou da Academia juvenil da Orquestra Petrobras Sinfônica, na qual participou de aulas de práticas em conjunto, teórica e individuais. “Participar lá é uma preparação pra você ingressar na faculdade e eu estive lá durante dois anos. Na metade do meu último ano eu já tinha entrado na faculdade. Hoje em dia eu faço licenciatura em música e estou indo agora pro sétimo período quase terminando graças a Deus”, conta a violinista.
Foi depois que no projeto “Sou mais eu” conheceu alguns dos membros da Orquestra de Rua, com quem se apresentava nos fins de semana em diversos pontos da cidade, e o grupo com quem viajou à Europa.
“Na rua a galera para, olha. Até porque é uma coisa diferente, porque geralmente você vê esses instrumentos eruditos tocados por pessoas brancas. E quando você vê pessoas negras, periféricas tocando o instrumento erudito, quer dizer, tendo esse acesso ao instrumento com mais facilidade e ver como a gente toca, muda a percepção do público, e a nossa também como grupo”, finaliza a violinista.
Atualmente ela estuda licenciatura na UNIRIO. É através da Orquestra de Rua que Juliane manteve seus estudos por um tempo e faz um trabalho social compartilhando o talento dela com as gerações futuras sendo professora voluntária no Morro da Providência.
A história musical de Gláucia Maciel iniciou no Centro Cultural da Light, aos 14 anos, projeto que se localizava próximo de onde ela reside no Morro da Providência. Após dois anos o projeto parou, mas a jovem continuou seu estudo com a ajuda do seu professor Marco Lavigne. Ela menciona que “como o meu projeto acabou, com minha amiga, que é a Juliane, fomos tocar em outro projeto. Um dia, após uma apresentação, um amigo nosso falou para tocar na rua pra gente comer pizza e tal”, e o resto é história.
Agora junto com Juliane estuda licenciatura na UNIRIO e dá aula às crianças do Morro da Providência.
“Uma boa música leva a uma boa viagem…”
Ao final de 2019 o grupo recebeu uma proposta da Roberta Lacerda para levar seu talento à cidade de Colônia, na Alemanha, em 2020.
“Propostas de emprego, proposta de viagens, proposta de parcerias, muitas coisas aconteceram em 2019. Nesse ano conhecemos a Roberta que foi a mulher que realizou o sonho da gente de sair do Brasil e mostrar a nossa música no exterior,” conta a violinista.
Em janeiro de 2020 fizeram uma feijoada, na qual cada um dos quatro músicos da orquestra de rua ficou com uma função. “Tocamos na rua durante três semanas seguidas e todo o dinheiro que a gente fazia era pra comprar mercadoria para a comida, comprar bebidas, comprar tudo que fosse pra poder fazer a feijoada que colocamos de nome “Orquestra de rua rumo à Alemanha” eu não lembro muito bem, faz muito tempo. Pessoas maravilhosas doaram para poder ajudar na vaquinha,” relata com alegria Lucas.
Depois de todo o esforço conseguiram arrecadar uma boa quantidade para viajar, mas não contavam com a pandemia que chegaria. Durante a quarentena, ficaram parados e dividiram o arrecadado para continuar. Por mais que alguns tenham recebido o Auxílio Brasil, o grupo passou por um momento difícil.
Ao falar sobre esses dias, Gláucia diz que “foi muito ruim porque querendo ou não, a gente tocava ou estava na rua, a gente fazia bastante cachê nessas apresentações, então a gente precisava das pessoas e dessa interação. De uma certa forma isso afetou a nossa renda, mas todos nós damos aula também, então foi o que nos segurou durante todo esse período.”
Mas seguiram adiante, e em junho de 2022 foram para Alemanha. “Passamos vinte um dias na Europa. Lá nós tocamos em universidades e também em eventos e festivais”, contou Glaucia.
Cada um deles é diferente e viveram experiências diferentes, mas a música os uniu, e como Felipe Soares disse, “uma boa música leva a uma boa viagem, e uma boa viagem leva a uma boa arte!”