Jovens relatam crises de identidade relacionadas a comparações e a insatisfação com a própria vida.
Sâmilla Oliveira
A crise dos 20 anos é definida pela psicologia como uma crise de meia idade reversa: você olha para o presente e sente ansiedade e angústia relacionadas a comparação com a vida do outro. É aquele momento da vida em que os seus amigos e as pessoas com idades parecidas com a sua estão fazendo coisas totalmente diferentes.
Aos 20 e poucos, seus amigos podem estar ingressando na faculdade, comemorando 1 ano de casados ou tendo o 1° filho. Mas onde está você nisso tudo? Na psicologia, essa pergunta é o motivo da maioria das crises em uma etapa de desenvolvimento.
A psicóloga de abordagem psicanalítica, Carolina Pasquote, afirma que o ser humano tem uma tendência muito grande de se comparar e seguir modelos. “Nós elegemos modelos na vida e entendemos que enquanto não chegamos no lugar onde aquele determinado modelo está, não estamos felizes e realizados”, explica.
A jovem cantora, Natália Pontes, de 25 anos, acredita que atualmente as pessoas na casa dos 20 anos têm essa sensação de que estão em uma corrida, em que precisam chegar sempre em primeiro lugar. “Somos incentivados a pensar assim. Para termos uma boa vida, uma vida confortável, é fácil imaginar que precisamos sobrepujar os outros, precisamos chegar primeiro”, relata Natália.
Rede de apoio
Como resposta a esse contexto de comparações maléficas à saúde mental, Ana Beatriz Felix, que acabou de chegar aos 20 anos, criou o “20 e poucos club”. É uma comunidade para mulheres que estão nos 20 e poucos anos de idade. Beatriz criou um podcast com o mesmo nome, em que entrevista outras mulheres sobre carreira, relacionamentos, o início da vida adulta e as comparações feitas com outras mulheres nesse processo.
O podcast 20 e poucos é uma das iniciativas de pessoas que buscam criar uma rede de apoio para outros jovens. Outro exemplo de iniciativa como essa, é o podcast “A crise dos 20 e poucos anos”, disponível nas plataformas digitais. Buscando discutir questões como “a vida do outro, por que trabalhar e estudar enquanto muitos dormem e atalhos que levarão ao sucesso antes dos 30 anos”, o podcast tem o objetivo de servir de apoio para pessoas que estão passando por momentos de incertezas.
A psicanalista Carolina salienta que essas crises não são exclusivas de quem está na faixa dos 20 anos. Ela afirma que muitas pessoas em qualquer fase da vida podem passar por isso, em qualquer transição de etapas de desenvolvimento. Ela sustenta que a comparação, infelizmente, é a artimanha que o ser humano usa para lidar com momentos assim.
Carolina explica que esse é um período de muita exigência social. “Essa ideia de conquistar tudo até os 30. Quem foi que disse que precisa ser até os 30? A vida fica mais leve quando podemos encarar como um processo em que vamos conquistando coisas, galgando espaços, mas sem data marcada”, adverte a psicóloga.
Como superar a crise?
Thaís Mesquita tem 21 anos, é casada e mãe. Ela conta que na maternidade, é nítido quando ela se submete a comparações. “Eu tento administrar minhas emoções, mas é estranho porque na verdade eu só estou competindo comigo mesma. Não faz sentido alimentar o espírito de competição”, afirma. Thaís conta que tenta reforçar para si mesma todos os dias que cada pessoa tem seu tempo e que a comparação com outras pessoas que vivem em outra realidade, se torna injusta e infiel.
A psicanalista lembra que cada indivíduo deve ser visto como único. Ela ilustra que o ser humano tem o costume de achar que é sempre a galinha do vizinho que “bota ovos de ouro”. “Então, a vida corre e mostra que não tem problema se a nossa galinha não bota ovos de ouro, porque a de ninguém bota”, brinca Carolina. Ela destaca que essa é uma fase da vida de muitos “não sei”.
Para Carolina, entender que essa é “a fase do vir a ser”, é a chave para passar por tudo isso. “A dúvida é a proposta que lança mão da angústia. São sentimentos naturais da idade e importantes de serem vividos, não tenha pressa de resolver nada. Quando anulamos as exigências sociais, nos fortalecemos mais. Coloque o mundo no mudo e escute o seu coração. Está tudo certo em viver o medo, faz parte da vida”, aconselha a especialista.
Natália Pontes finaliza dizendo que apesar de a sociedade enxergar as pessoas como produtos que competem, ela entendeu que não funciona assim. “Precisei de muita terapia para finalmente entender que não existe superior e inferior quando se trata de pessoas, independente da realidade que você viva hoje”, completa.