Especialistas alertam para traumas psicológicos e consequências legais para agressores, que podem pegar até 6 anos de prisão.
Vefiola Shaka
As escolas brasileiras estão enfrentando uma ameaça crescente de assédio sexual possibilitado pela inteligência artificial. Um dos casos mais recentes ocorreu em uma escola em Itararé, zona rural de São Paulo, onde dezenas de jovens e adolescentes tiveram suas imagens manipuladas em montagens pornográficas, que foram compartilhadas entre os alunos. Foi apurado que 36 adolescentes de 13 a 17 anos e 4 maiores de idade, incluindo professores, foram vítimas destas montagens.
“É notório que o número de denúncias de casos de deep fakes pornográficos vem aumentando entre os jovens. Infelizmente, com o advento da inteligência artificial, manipular imagens e voz ficou ainda mais fácil”, alerta Daniella Mac Dowell, psicopedagoga e especialista em direito escolar. Ela ressalta que, embora muitos encarem como brincadeira de adolescente, na verdade é crime.
São inúmeras as responsabilidades legais das escolas no tocante aos casos envolvendo deep fakes pornográficos entre alunos, sobretudo, quando essas práticas podem envolver assédio, bullying e crimes digitais como cyberbullying. Para proteger juridicamente as vítimas de montagens pornográficas, como deep fakes, a escola deve adotar uma série de medidas preventivas e corretivas para garantir o bem-estar dos alunos e evitar a devida reparação dos danos.
Responsabilidades legais das escolas
A psicopedagoga explica que as escolas têm a obrigação e o dever de zelar pela saúde mental, a integridade física, emocional, moral e bem-estar das crianças e adolescentes no âmbito escolar, assim como promover uso ético e seguro da internet e da tecnologia em um ambiente controlado, longe de violência e assédio. Isso significa que a instituição tem o dever de vigilância e segurança sobre os alunos, devendo oferecer suporte psicológico-emocional, protegê-los e aplicar medidas corretivas e preventivas sempre que necessário.
Caso os deep fakes sejam produzidos, compartilhados ou tenham início dentro do ambiente escolar, a escola pode ser civilmente responsabilizada por falha na supervisão. Uma vez identificada a ilicitude, a instituição tem a obrigação de tomar as medidas cabíveis, instaurando investigação interna para apuração dos fatos e notificando as famílias dos envolvidos e as autoridades competentes, como o Conselho Tutelar, o Ministério Público e a Delegacia de Crimes Cibernéticos.
“Se os alunos envolvidos forem maiores de idade (18 anos ou mais), poderão responder criminalmente, com previsão legal de pena de reclusão de 3 a 6 anos e multa”, explica Daniella. Para menores de idade, as consequências podem envolver medidas socioeducativas conforme previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
O papel dos professores
“A escola tem que parar de ter medo da inteligência artificial e ensinar como utilizá-la adequadamente de uma forma lúdica e educativa. Quando pulamos direto para as palestras dos perigos de alguma coisa, os alunos se sentem proibidos de interagir com ela e o interesse cresce. É assim que a curiosidade trabalha contra o aprendizado saudável”, pondera Drielle Silva Gonçalves, professora de inglês.
Ela também destaca o papel fundamental dos pais nesse processo. “Muitos pais, na correria da vida, consideram ser mais fácil simplesmente dar o celular na mão do filho e deixar que ele se entretenha sozinho, esperam que a educação sobre como utilizar o aparelho venha toda da escola. Pais que têm esses diálogos com os filhos em casa impedem que o trabalho feito pela escola seja desfeito em casa”, opina.
Identificação e danos psicológicos
Matheus da Silva Ribeiro, psicólogo humanista, ressalta que os impactos psicológicos podem ser devastadores. “Além da grande possibilidade de desenvolver depressão, fobia social, baixa autoestima, pesquisadores comentam que esse tipo de cyberbullying também pode levar a pensamentos suicidas ou até a concretização do ato”, alerta. Segundo ele, o cyberbullying, especialmente estas imagens inapropriadas, podem gerar na vítima uma rejeição do próprio corpo, levando a distorções na autoimagem.
“É comum que os agressores façam a vítima se sentir culpada por apresentar determinada personalidade ou aparência. Isso é potencializado mais ainda no contexto atual em que há uma pressão cada vez mais acentuada no que diz respeito a padrões estéticos e de performance social extremamente elevados”, explica Ribeiro.
Para identificar possíveis vítimas, o psicólogo recomenda atenção a sinais como isolamento social, tristeza constante, resistência em ir à escola, ansiedade e, em alguns casos, agressividade ou algum tipo de hostilidade com colegas e professores, além de episódios de irritabilidade. Ele enfatiza que, para uma boa identificação dos sinais emitidos pelos alunos, é necessário que professores, coordenadores pedagógicos, diretores e demais funcionários da escola tenham uma relação próxima com os alunos.
Como prevenir?
De maneira geral, é importante mencionar também que os usuários da internet precisam checar as fontes dos conteúdos que são divulgados e evitar ser disseminadores dessas informações falsas. Em síntese, é essencial que a sociedade seja consciente de que todos são responsáveis por fiscalizar e inviabilizar esses tipos de violência, pois a melhor forma de lidar com o problema é a prevenção. Não é apenas palestras ou conversas, mas também ação. Cuidar da privacidade nas redes sociais, postagens e o mais importante sempre denunciar o conteúdo que te faz sentir mal.