Diante do cenário de fome crescente no Brasil, pesquisas revelam como a desnutrição infantil afeta as demais etapas da vida.
Melissa Maciel
De acordo com o 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, divulgado em junho deste ano, 33,1 milhões de pessoas não têm o que comer no país e apenas 4 em cada 10 domicílios conseguem manter acesso pleno à alimentação. Diante disso, estudos mostram como a desnutrição desde a infância promove um crescimento deficiente e gera consequências que podem perdurar até a vida adulta.
Uma pesquisa da Revista de Nutrição da PUC-Campinas destaca que experiências de insegurança alimentar moderada ou grave antes dos dois anos de idade, estão relacionadas a retardos no desenvolvimento cognitivo e desempenho escolar das crianças.
Desnutrição gestacional
O pediatra e neonatologista, Walter Peres, explica que a desnutrição materna causa diferentes consequências quando ocorre na primeira ou segunda metade da gestação. “Se a desnutrição ocorre na primeira metade da gestação, leva a um aumento no risco de malformações, principalmente do sistema nervoso central, aumento de risco de doenças psiquiátricas e deficiência do neurodesenvolvimento”, explica o médico.
Por outro lado, ele expõe que se a desnutrição ocorre na segunda metade da gestação, o bebê pode nascer com um menor peso e tamanho. Além disso, há aumento da incidência de doenças crônicas na vida adulta, como diabetes, doenças respiratórias e também doenças cardiovasculares, como hipertensão e dislipidemia.
O pediatra destaca ainda que a nutrição deficiente durante o período gestacional causa efeitos prejudiciais permanentes. “Todas estas consequências ao bebê advindas da desnutrição materna são para vida toda, mesmo que ele receba, após o nascimento, uma ingestão calórica adequada. Isso ocorre pois o ambiente intra-uterino de falta de nutrientes modifica a expressão gênica do feto”, ressalta Walter.
Desnutrição nos primeiros anos de vida
De acordo com um estudo da revista científica FacMais, quando há precariedade de nutrientes nos primeiros anos de vida, pode haver atrofia cerebral devido à diminuição da quantidade de neurônios, o que leva a um baixo desenvolvimento intelectual da criança.
O estudo expõe, também, que sequelas relacionadas com o sistema nervoso central, como a atrofia do cérebro, podem ser permanentes. Isso acontece porque é na infância, principalmente até os dois anos de idade, que ocorre o maior desenvolvimento cerebral.
Embora muitas consequências da deficiência nutricional durante a formação do bebê possam perdurar até a vida adulta, há meios de amenizar seus efeitos. Sobre isso, Walter Peres esclarece que “hoje temos o conceito de intervenção nutricional ideal como oportunidade para amenizar os efeitos deletérios da desnutrição a longo prazo, sabemos que uma intervenção precoce, nos primeiros dois anos de vida do bebê, pode potencializar seu crescimento e desenvolvimento neuropsicomotor.”
Dieta ideal versus vida real
De acordo com a nutricionista Stefânia Oliveira, as principais fontes de nutrientes que devem fazer parte da rotina de uma gestante são os alimentos naturais, a chamada “comida de verdade.”
“Sempre que possível, consumir os legumes, verduras e frutas da época, esses alimentos costumam estar mais em conta nos mercados, com uma oferta maior, mais saborosos e com menos agrotóxicos. Claro, se for possível consumir alimentos orgânicos melhor ainda”, aponta a especialista. Ela ressalta também, a importância de limitar o consumo de bebidas e alimentos ultraprocessados e com calorias vazias como refrigerantes, alimentos congelados, miojo, presunto, salsicha, que são ricos em sódio e gorduras trans.
Esta seria a dieta ideal de uma gestante para que a criança nasça com todas as capacidades devidamente formadas. No entanto, a realidade do Brasil é a de que, em 2020 não havia domicílios com renda maior que um salário mínimo por pessoa em situação de fome. Porém, em 2022, como consequência da crise econômica e dos reajustes do salário mínimo abaixo da inflação, 3% dos lares nesta faixa de renda se encontram em condição de fome, de acordo com o 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar anteriormente mencionado.
Além disso, 6% dos lares com tais recursos financeiros enfrentam insegurança alimentar moderada e 24% insegurança alimentar leve. Enquanto isso, a fome é maior em domicílios em que o responsável financeiro está desempregado (36,1% dos lares), trabalha com agricultura familiar (22,4%) ou tem emprego informal (21,1%).