Segundo a OMS, a resistência dos microrganismos aos antibióticos é uma das maiores ameaças à saúde global, segurança alimentar e desenvolvimento hoje.
Melissa Maciel
A Organização Mundial da Saúde (OMS) promoveu, nos dias 18 a 24 de novembro, a Semana Mundial do Uso Consciente de Antibióticos. A iniciativa atua em prol da conscientização sobre uma das maiores ameaças à saúde pública global, o uso e descarte incorreto de medicamentos antimicrobianos e a consequente resistência dos microrganismos a antibióticos.
Segundo a organização, os antimicrobianos são medicamentos utilizados para prevenir, controlar e tratar doenças infecciosas em humanos, animais e plantas e eles estão se tornando cada vez mais ineficazes. Ou seja, infecções comuns tornam-se mais difíceis ou até mesmo impossíveis, de tratar. Dessa forma, há um aumento do risco de disseminação de doenças, de casos graves e de mortes.
Retrocesso no tratamento
Em sua cartilha informativa sobre o tema, a OMS salientou que a resistência antibiótica pode afetar indivíduos de todas as idades em qualquer país. Além disso, destaca que pneumonia, tuberculose, gonorréia e salmonella são algumas das infecções que estão se tornando cada vez mais difíceis de tratar por conta da crescente ineficácia dos medicamentos.
Além disso, transplantes de órgãos, quimioterapias e cirurgias como cesarianas se tornam muito mais perigosos e arriscados sem o auxílio de antibióticos para a prevenção e tratamento de infecções.
Segundo a Organização Pan-Americana da Saúde, “a cada ano, 480 mil pessoas desenvolvem tuberculose multidroga resistente e a resistência aos medicamentos também está começando a complicar a luta contra o HIV e a malária.”
Impactos
Uma análise publicada pelo periódico científico The Lancet revelou que em 2019, as infecções bacterianas comuns se tornaram a segunda principal causa de morte no mundo. O estudo mostra ainda que naquele ano registraram-se 7,7 milhões de mortes associadas a 33 infecções bacterianas comuns. Essas mortes representaram 13,6% de todos os óbitos globais.
Sobre a relação entre a resistência bacteriana e a ameaça à vida, o infectologista especialista em doenças infecciosas, Werciley Saraiva Júnior, elucida: “a longo prazo o maior risco é que as bactérias se tornem resistentes e quando eu precisar usar essas medicações, elas não funcionarem, e se o antibiótico não funciona, maior o risco de óbito.”
Uso incorreto
A OMS alerta, também, que “o mundo precisa urgentemente mudar a maneira pela qual prescreve e usa antibióticos.” Com a resistência dos microrganismos, faz-se necessário novas formas de tratar as infecções, como o desenvolvimento de novos antibióticos. Mas a Organização ressalta que mesmo com a elaboração de novos medicamentos, se não houver mudança de comportamento, a resistência antimicrobiana continuará uma grande ameaça.
A cartilha expõe que em países onde os antibióticos podem ser comprados sem uma prescrição, ou são prescritos em excesso por profissionais da saúde e veterinários e usados em excesso pelo público, a emergência e a proliferação da resistência se faz pior.
A médica infectologista Gabriela Gehring explica que quando a bactéria começa a ficar muito exposta a um tipo de antibiótico, ela passa a entender como esse medicamento faz efeito nela. Dessa forma, realiza mutações até conseguir uma resistência total a esse antibiótico.
“Quanto mais antibiótico a gente usar, mais a gente vai expor essas bactérias aos mecanismos do medicamento e mais vamos levar informação para a bactéria, do que ela deve fazer para se tornar resistente. Este é o uso indiscriminado, utilizar antibiótico sem necessidade e não o utilizar dentro do tempo orientado”, esclarece a infectologista.
Para o infectologista Werciley Saraiva a utilização incorreta dos antibióticos abrange o uso através de baixa dosagem, por tempos menores do que o adequado, ou por persistência de uso maior do que o esperado.
Além disso, o clínico salienta o uso em demasia dessas medicações na pecuária, para fazer os animais terem um desenvolvimento rápido sem contrair doenças e na produção de alimentos diretos, como vegetais. Além disso, há a exposição de resquícios desses medicamentos no sistema de saneamento por meio dos dejetos humanos, ou seja, urina e fezes. Segundo o médico, esses fatores podem, naturalmente, induzir uma modificação da flora e gerar resistência bacteriana.
Poluição e o agravamento da resistência
A agência das Nações Unidas para o meio ambiente lançou um relatório intitulado Environmental Dimensions of Antimicrobial Resistance, ou, Dimensões Ambientais da Resistência Antimicrobiana, em tradução livre. O documento expõe que outro grande fator que contribui para o fortalecimento dessa ameaça é o descarte incorreto de antibióticos no meio ambiente.
O relatório revela ainda que em 2015 foram consumidas aproximadamente 34,8 bilhões de doses diárias de antibióticos e até 90% desses medicamentos terminaram no meio ambiente como substâncias ativas.
Com isso, explica que a poluição contendo agentes antimicrobianos, que normalmente provém de fluxos residuais de residências, hospitais, agricultura e da indústria química, corrompe a composição microbiana de componentes ambientais e, consequentemente, afeta a biodiversidade e os serviços do ecossistema.
“Água, solo e ar, então, se tornam veículos de propagação de microrganismos resistentes a medicamentos entre as pessoas, animais e outros reservatórios ambientais, afetando também a produção de alimentos e a aquacultura”, relata o documento.
Conscientização e controle
A OMS também disponibiliza uma série de ações que servem como prevenção ao avanço dessa resistência. Entre elas estão: só usar antibióticos quando prescritos por um profissional da saúde certificado, não exigir antibióticos se o profissional da saúde não os recomendou, escolher alimentos que sejam produzidos sem o uso de antibióticos para promoção do crescimento ou prevenção de doenças em animais saudáveis.
Segundo Gabriela Gehring, “a gente pode monitorar o que está acontecendo no país e quais são as bactérias resistentes, evitar a disseminação das mesmas, no hospital fazer a higienização correta das mãos e do ambiente, para não transmitir de um paciente para o outro, e outra coisa muito importante é evitar a infecção. Evitando a infecção, evitamos o uso errado de antibióticos e a resistência.”
Para evitar infecções, segundo a profissional, é preciso orientar o público sobre as medidas de prevenção de qualquer tipo de infecção, como a higiene, vacinação, uso de máscaras, entre outros.
De acordo com Werciley Saraiva, o melhor plano de ação é multifacetário e deve abranger ações como: uma boa educação para o controle de antibióticos, adoção de antimicrobianos de qualidade, ou seja, que desenvolvam resistência mais dificilmente, tratamento de dejetos e uso correto das medicações com relação ao tempo, dose e ocasiões adequadas.