Mesmo com muitas leis e políticas públicas relacionadas a esse assunto, o número de violações continua crescendo cada dia mais.
Ana Júlia Alem
A revista The Lancet publicou, em fevereiro deste ano, um estudo baseado em dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), mostrando que globalmente 27% das mulheres de 15 a 49 anos sofreram violência física e/ou sexual em algum momento da vida. A pesquisa também expõe que em 2018, 492 milhões de mulheres dentro desta mesma faixa etária sofreram algum tipo de abuso realizado por parceiros, chegando a 13% da taxa global.
No Brasil, a Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos (ONDH) registrou, até a primeira semana de julho de 2022, cerca de 31 mil denúncias de violência doméstica ou familiar contra a mulher. O número de violações é bem maior que o de denúncias, porque uma denúncia pode conter mais de uma violação de direitos humanos. Até o fim do primeiro semestre, o sistema computou 169 mil violações.
A advogada Carolina Zemuner explica que, segundo a Lei Maria da Penha, existem cinco tipos de violência contra a mulher, sendo eles:
- Violência física: conduta que ofenda a integridade ou saúde corporal da mulher;
- Violência psicológica: conduta que cause dano emocional, diminuição da autoestima e atrase o desenvolvimento da mulher;
- Violência sexual: conduta que force a mulher a participar de relações sexuais não desejadas por meio de intimidações, ameaças, coações ou uso de força bruta;
- Violência patrimonial: conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de objetos e bens de valor da vítima;
- Violência moral: conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.
“Os números são gritantes, mas o que mais me preocupa é que cada vez mais esses números aumentam, e apesar das políticas públicas avançarem e se desenvolverem, elas não crescem na mesma proporção do número de denúncias e violações. Por isso, é muito importante que as pessoas reflitam e debatam sobre este assunto, para que assim, quem sabe, possamos mudar o cenário de violência do nosso país ”, comenta.
A luta do movimento feminista frente à violência contra a mulher
“O feminismo originou-se das lutas coletivas das mulheres contra o patriarcado e a favor dos direitos das mesmas. Os principais objetivos do movimento eram conquistar o direito à educação e ao trabalho, direito ao voto, espaços de poder e decisão, mas o principal é, e continua sendo, alcançar a igualdade em relação aos homens. E em todos esses anos, o movimento deu grandes passos em relação à violência contra a mulher no Brasil”, explica a psicóloga especializada em Terapia Cognitiva Comportamental, Fabíola Luciano.
Fabíola conta que, desde 1970, o tópico esteve presente nas manifestações do grupo, e quinze anos depois, após muita luta, as mulheres passaram a contar com Conselhos Estaduais, Delegacias de Mulheres e o Conselho Nacional dos Direitos das Mulheres, que incluiu as demandas feministas na agenda política do Governo Federal.
“Elas se esforçaram tanto que, em 1993, algumas brasileiras do movimento foram até Viena, na Conferência Mundial de Direitos Humanos, o que produziu um grande impacto na comunidade e fez com que os Estados-Membros adotassem a perspectiva de gênero em suas políticas para eliminar a violência e a discriminação contra as mulheres. Na década de 2000, foram implementadas mudanças no Código Penal, o que fortaleceu ainda mais movimento”, comenta a psicóloga.
Em 2012, o movimento ecoou no Supremo Tribunal Federal (STF), que declarou a plena constitucionalidade da Lei Maria da Penha.
Lei Maria da Penha e sua ferramenta virtual
“A lei conta com 46 artigos divididos e sete títulos que buscam coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher em conformidade com a Constituição Federal e os tratados internacionais ratificados pelo Estado brasileiro”, comenta a advogada. Ela conta que cada um dos sete tópicos tem uma função, desde direcionamento da lei até a criação de Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher.
Para agilizar pedidos e medidas protetivas contra violência doméstica, estudantes e pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), juntamente com o Tribunal de Justiça do estado, desenvolveram o Maria da Penha Virtual. A primeira versão do aplicativo foi criada em 2020 e, atualmente, já é utilizado por todos os juizados especiais de violência doméstica do estado carioca.
Para utilizar a ferramenta virtual, a vítima precisa preencher um formulário com dados pessoais dela e do agressor e contar sobre a agressão sofrida, podendo incluir fotos e áudios como provas do ocorrido. Após o preenchimento, é possível escolher a medida protetiva que consta na Lei Maria da Penha. No fim do processo, uma petição de medida protetiva de urgência é emitida e automaticamente distribuída para o juizado competente.
O que mais diz a legislação?
Em muitos países, cada vez mais as mulheres conquistam espaço e direitos, tornando-se progressivamente mais independentes, evoluídas e empoderadas. Porém, em alguns países, como a China, a evolução chega um pouco mais tarde. Criada há quase trinta anos atrás, a lei de proteção às mulheres nunca havia sido atualizada. Mas em outubro de 2022, novas propostas para aumentar a segurança das mulheres foram submetidas ao Parlamento da China.
Algumas das propostas são: responsabilização dos empregadores em caso de violação de direitos trabalhistas e previdenciários e maior compromisso em resgatar mulheres traficadas. Até o momento, não há previsão de datas para a aprovação das propostas.
“Apesar de não haver tantas políticas públicas em relação a este assunto, nosso país está à frente de muitos outros nessa discussão. Temos diversas leis que buscam proteger as mulheres, como a Lei do Feminicídio (Lei n° 13.104, 2015) que qualifica o crime de homicídio quando uma mulher é morta por conta de violências, menosprezo ou discrimição à condição da vítima”, diz a advogada.
A advogada Carolina Zemuner aponta ainda outras leis de proteção, tais como:
- Lei Carolina Dieckmann (Lei n° 12.737, 2012): recebeu este nome, pois quando o projeto de lei estava se desenvolvendo, a atriz teve o computador invadido e fotos pessoais divulgadas por hackers. A lei define crimes cibernéticos no país.
- Lei do Minuto Seguinte (Lei n° 12.845, 2013): disponibiliza atendimento imediato pelo SUS, auxílio médico, psicológico e social, exames preventivos e fornecimento de informações sobre os direitos legais da vítima.
- Lei Joana Maranhão (Lei n° 12.650, 2012): regulamento que alterou o prazo de prescrição contra abusos sexuais cometidos contra crianças e adolescentes, passando a valer após a vítima completar dezoito anos e o prazo para denúncia aumentou para vinte anos.
Não se cale, denuncie!
“A violência possui um ciclo definido em três fases: a primeira é o acúmulo da tensão, a segunda é a explosão e por último, vem a lua de mel e assim sucessivamente. Por isso a denúncia é tão importante. Ela é quem coloca um ponto final no sofrimento da vítima”, conclui a psicóloga.
Você pode denunciar a violência doméstica e familiar por meio dos seguintes serviços e instituições:
- Ligue 180 – Central de Atendimento à Mulher;
- Ligue 197 – Disque Denúncia;
- Maria da Penha Virtual;
- Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (DEAM).