Estudos apontam que escrever a mão ativa o cérebro, fortalece a memória e melhora o foco das crianças.
Vefiola Shaka
Em um mundo cada vez mais digital, escrever a mão parece uma prática em extinção. Smartphones, tablets e computadores tomaram conta da vida cotidiana, especialmente entre as crianças, que hoje se comunicam, aprendem e se divertem principalmente por meio de telas. Mas será que essa transição tecnológica é tão inofensiva quanto parece? Especialistas e estudos recentes dizem que não.
De acordo com um estudo norueguês de 2024, a escrita à mão ativa mais regiões do cérebro do que a digitação. Ao escrever no papel, o cérebro humano é desafiado a coordenar movimentos motores e visuais em tempo real: os olhos monitoram os traços, os dedos ajustam a posição da caneta, e o cérebro compara as letras formadas com os modelos aprendidos. Essa complexidade estimula áreas relacionadas à memória, ao pensamento crítico e ao processamento de informações.
O processo de aprendizagem
Para a pedagoga, educadora parental e especialista em educação infantil Julia Martins esse processo começa cedo, ainda na infância, e é fundamental para o desenvolvimento das crianças pequenas. “São vários fatores, começando por um que pouco se fala: o desenvolvimento da personalidade. Cada traço é único. Só você é capaz de fazer a sua letra, e isso fortalece o lado emocional e a autoestima da criança”, explica. Além disso, Jullia diz que a escrita a mão exige mais concentração e foco, escrever na linha, usar bem o espaço, fazer uma letra legível. Tudo isso exige muito, principalmente de uma criança em fase de desenvolvimento.
Julia também destaca o impacto positivo da prática sobre o corpo e o cérebro. “A escrita fortalece a musculatura da mão, estimula a coordenação mão-olho e ativa áreas cerebrais relacionadas ao pensamento crítico, à linguagem e à memória. Isso facilita a alfabetização e torna a escrita à mão muito mais rica, do ponto de vista neurológico, do que a digitação”, pontua.
A psicopedagoga clínica e institucional Tânia Furtado, especialista em alfabetização, complementa que escrever no papel fortalece a coordenação motora fina e a noção visuoespacial, além de ativar ambos os hemisférios cerebrais. “Quando treinamos a escrita, estimulamos áreas como o giro angular (interpretação), o córtex insular (linguagem), os gânglios da base e cerebelo (planejamento e controle de movimentos), e o giro frontal inferior (processamento da linguagem e da escrita). Todas essas áreas são essenciais para que a criança aprenda com mais qualidade”, afirma.
Os impactos da tecnologia
Tanto Julia quanto Tânia alertam para uma realidade preocupante: a tecnologia tem feito as crianças escreverem cada vez menos à mão.
“As escolas estão sentindo o impacto e agora tentando reverter isso”, diz Julia. “A digitação não exige metade da entrega que a escrita à mão exige. Isso tem afetado bastante a concentração e o foco das crianças, habilidades que já são desafiadoras e precisam ser desenvolvidas ainda na primeira infância”, explica. Segundo a educadora o uso precoce das telas, elas têm dificuldade de construir essas bases que são fundamentais para o aprendizado.
Tânia compartilha da mesma preocupação. Segundo ela, é possível notar diferenças significativas no desenvolvimento das crianças que escrevem pouco no papel e utilizam demais o celular. “Vemos prejuízos na grafia, na coordenação motora, na fixação da forma das letras, na compreensão do som-fonema/grafema, na criatividade e na atenção”, pondera. Tania continua explicando que a substituição da escrita manual pela digitação pode limitar o desenvolvimento da motricidade fina e de habilidades cognitivas associadas à memória.
E os impactos não são apenas acadêmicos. Julia Martins lembra que a perda desse hábito pode afetar até o emocional da criança. Quando a escrita a mão é negligenciada, elas perdem todos os benefícios que ela traz. Não é só uma questão escolar: é algo que toca o desenvolvimento integral do ser humano.
A função dos pais
Para Tânia Furtado, o primeiro passo é assumir um papel ativo no incentivo à escrita em casa. “Aos pais cabe a tarefa de gerenciar o tempo dos eletrônicos, estimular brincadeiras, criar rotinas e ensinar limites. Quando há regras e combinados feitos por meio do diálogo, a criança se desenvolve com mais segurança e responsabilidade”, salienta.
Tânia ainda trouxe algumas dicas práticas para estimular o hábito da escrita:
- Escrever bilhetes carinhosos ou recados durante a semana;
- Pedir à criança que faça a lista de compras antes de ir ao mercado;
- Criar jogos com palavras, desenhos e enigmas, como “Imagem & Ação” ou “Quem sou eu?”;
- Incentivar um diário secreto ou caderno de oração, para registrar sentimentos, pedidos e agradecimentos;
- Fazer um diário de passeios, registrando memórias familiares por escrito.