Crianças com histórico de abusos físicos ou psicológicos podem apresentar quadros de transtornos.
Natália Goes
Um estudo realizado pelo Children’s Hospital of Philadelphia, nos EUA, coletou dados de mais de 10 mil adolescentes entre 12 e 17 anos. Os adolescentes participaram por mais de uma década, e responderam sobre questões como a qualidade de comunicação com os pais, carinho e acolhimento em casa, tempo com a família e as expectativas acadêmicas.
De acordo com a pesquisa divulgada no final de março, as informações mostram que laços fortes entre os filhos e os pais estão vinculados a melhores indicadores de saúde em jovens adultos. A construção começa no útero, com a importância da saúde da gestante, o acompanhamento pré-natal para o bem-estar do bebê. Cada etapa é como se fosse mais um degrau na escala da vida.
Resultado das pesquisas
Os adolescentes ao chegarem a idade entre 24 e 32 anos, foram convidados a esclarecer sobre seu otimismo, nível de estresse, depressão, o uso de substâncias tóxicas e outras informações sobre saúde. O antes e o depois do grupo avaliado, mostrou que aqueles que haviam relatado ter um bom relacionamento com os pais eram os que apresentavam um quadro muito bom em relação à saúde.
Um outro estudo, apresentado pelo Congresso Europeu de Psiquiatria, mostrou que quanto maior é o trauma na infância, aumenta também a chance da criança se tornar um adulto que tem problemas para lidar com algumas emoções como a raiva.
Nos Países Baixos, pesquisadores da Leiden University Nienke De Bles entrevistaram pessoas entre 18 e 65 anos sobre sua infância e experiências traumáticas, como abusos físicos, emocionais, sexuais e perda dos pais. O resultado dos relatos eram diagnósticos de depressão, ansiedade e agressividade.
A psicóloga e professora da universidade que realizou a pesquisa e líder do time diz: “Descobrimos que pessoas ansiosas ou deprimidas, com um histórico de negligência emocional e abuso físico ou psicológico, tinham uma chance aumentada entre 1.3 a 2 vezes de apresentar problemas de raiva ou de comportamento antissocial. Isso pode tornar difícil as interações interpessoais. São indivíduos que também costumam interromper o tratamento psiquiátrico, o que reduz suas possibilidades de bem-estar”.
A importância do relacionamento entre pais e filhos
Com os dados, o bom relacionamento dos pais com os filhos contribui de diferentes maneiras para o desenvolvimento da criança. A psicóloga Deane Santos fala sobre como é importante na construção do ser humano ter essa boa relação. “Quando esse laço afetivo é bem construído, entendendo o que ele emite, se consegue construir uma boa relação entre pai e filho. Ela é fundamental no processo de amadurecimento emocional do sujeito”, explica.
Na relação entre pai e filho a segurança para que o filho crie sua independência é fundamental, mas a superproteção pode causar dependência emocional. “Uma boa relação emocional entre pai e filho não é aquela relação de dependência, na qual o pai super protege os filhos. Mas é uma relação de segurança. É saber que eu posso ser gente, eu posso me aventurar, mas eu também tenho porto seguro que pode me acolher”, acrescenta a Deane.
Um exemplo disso é a publicitária Valéria Short. Ela relata que teve um bom relacionamento com os pais e que isso ajudou na construção dela como ser humano e também no relacionamento conjugal que tem hoje. “O lar em que fui criada me passou sempre segurança, respeito, cumplicidade, muito amor e Deus acima de tudo. Isso reflete na família em que formei com minhas filhas e esposo. Acredito que tudo isso fará parte das futuras gerações da minha família”, conta.
Mas nem sempre acontece isso nas famílias, em relacionamentos ruins com os pais podem ser desenvolvidos alguns transtornos. “Além de transtornos de depressão, ansiedade e agressividade, pode mudar também a personalidade do sujeito. A forma de se comportar no mundo, pode causar muitos traumas que faz com que o sujeito se limite como pessoa, ou seja, não consiga desenvolver bem suas relações, não consiga viver bem no seu local de trabalho, não consiga se reconhecer como sujeito”, afirma a terapeuta.
Há conserto para um mau relacionamento?
Apesar do desgaste da relação familiar, a psicóloga diz que ainda há conserto na relação entre pais e filhos. “Nesse caso, uma terapia familiar seria indicada. A terapia familiar sistêmica vai ajudar no contexto relacional. De relação intrapessoal e interpessoal, de troca entre os membros da família”, relata Deane.
Ela sugere ainda aos pais que tem uma relação ruim com os filhos a procurarem ajuda. “Buscar uma ajuda terapêutica, buscar uma ajuda médica quando for necessário e quando isso se configurar um transtorno. Procurar saber a motivação daqueles comportamentos, com relação a não conseguir uma boa relação com os filhos e a não conseguir formar um vínculo afetivo saudável. Além de buscar ajuda profissional, que pode ser ajuda terapêutica e que pode ser ajuda também médica se for necessário”, explica.