“Precisamos da gente para a vida inteira e não só para hoje”

In Geral, Saúde

O diagnóstico de Burnout ajudou Karine Silveira a entender a importância do equilíbrio entre a vida pessoal e profissional.

Gabrielle Ramos

Trabalhar de segunda a domingo, feriado, manhã, tarde e noite, era a rotina de Karine Silveira, diagnosticada com burnout duas vezes. Doutora em Linguística, Kari, como gosta de ser chamada, atuou como professora por mais de 15 anos antes de fazer a transição para a gestão de projetos de tecnologia. Atualmente, aos 49 anos, é mentora de carreiras, sócia de uma empresa, esposa e mãe.

Em 10 de outubro, comemora-se o Dia Internacional da Saúde Mental, que reforça a importância da educação, conscientização e combate ao estigma social sobre esse tema. Segundo a Associação Nacional de Medicina do Trabalho (Anamt), o Brasil é o segundo país com mais casos de síndrome de burnout no mundo, distúrbio emocional marcado pelo esgotamento extremo relacionado ao trabalho.

Gabrielle Ramos: Com uma trajetória marcada por transição de carreira e várias especializações, como descreve sua relação com o trabalho antes de ser diagnosticada com burnout?

Karine Silveira: Ao longo de toda a minha carreira, sempre trabalhei muitas horas e minha carreira estava em primeiro lugar. Privilegiava isso em detrimento do meu filho, marido, família, amigos, de mim, de tudo. Não digo isso com orgulho, carrego meus pesos e culpas. Mas sempre me deu muito prazer estudar, aprender, e o trabalho sempre foi mais um desafio do conhecimento, de aprender algo novo, que dinheiro, status ou poder. Então, sempre disse mais sim do que não.

GR: O que te fez perceber que havia algo de errado com a sua saúde mental?

KS: No final da pandemia, comecei a sentir alguns sinais: pequenos esquecimentos, momentos de cansaço, olho tremendo, cãibra nas mãos e rosto, dificuldade para dormir, dor no corpo, tensão. Mas até aquele momento, não atribuía isso ao burnout, porque na minha visão essa síndrome estava relacionada com um ambiente tóxico de trabalho, que não era a minha realidade. Pois eu estava trabalhando na minha empresa, fazendo o que eu amo. 

GR: Como foi o processo do diagnóstico do Burnout? 

KS: Não foi um diagnóstico fácil […] O primeiro foi de depressão, junto com isso veio o de ansiedade generalizada. Então, comecei a fazer terapia e ser medicada, mas não melhorei. Até que optei por mudar de profissionais e ter conversas diferentes. Assim, apareceu a possibilidade do burnout. Com toda essa minha trajetória de priorizar o trabalho, um dia a corda rompe. Levei um tempo pra acreditar nisso, pra aprender isso, e aprendi da forma difícil. Tudo em excesso é ruim.

GR: O afastamento do trabalho é uma das principais recomendações para quem é diagnosticado com burnout. Como ocorreu a transição de uma rotina intensa de trabalho para o período de afastamento?

KS: Para a minha terapeuta, o caminho era sair indefinidamente. Mas, eu era incapaz de aceitar isso, não era a empresa nem os sócios. Meu primeiro movimento foi diminuir o ritmo. Mas o engraçado é que ao longo da minha vida eu nunca consegui fazer isso, mesmo que meu trabalho me desse essa possibilidade. O ritmo desacelerado não resolveu, continuava exausta […] e ficava irritada com isso. Nunca tinha me visto assim, improdutiva, frustrada, fracassada.

Minha terapeuta conversou comigo e explicou que precisava passar mais dias fora do trabalho. Até que eu tomei a decisão. Mas comunicar isso aos meus sócios talvez tenha sido um dos piores dias que eu já vivi, não por eles, […] mas porque me senti tão pequena, incapaz e frágil. Os dois meses que fiquei distante foram desafiadores e de aprendizado. Aos poucos voltei a treinar, ler mais, pintar, intensificar a terapia, passar mais tempo comigo. Esse distanciamento foi fundamental, porque foi isso que fez a minha cabeça voltar a funcionar.

GR: O que marcou o retorno ao trabalho após o período de afastamento? 

KS: Depois dos meses distante do trabalho, voltei. Mas, no mesmo ritmo que tinha antes, então eu tive outra crise, muito mais leve, mas precisei passar três semanas fora. Depois disso, aprendi que a empresa sobrevive sem a minha pessoa. Na verdade, tudo sobrevive sem mim, menos eu, eu sou a única pessoa que não consegue sobreviver sem mim. Por mais que isso seja doloroso pensar, porque todo mundo no final das contas quer ser importante e útil, isso também é libertador. Significa que eu não preciso ficar todo tempo ligada e que eu posso me afastar e ter um tempo pra mim.

GR: Depois de enfrentar dois diagnósticos de burnout, quais foram os seus principais aprendizados e que conselhos deixa para aqueles que mantêm um ritmo intenso de trabalho?

KS: Não preciso fazer tudo o tempo todo, num ritmo acelerado, eu posso e devo organizar melhor o meu dia. Hoje, bloqueio a minha agenda para não abrir mão dos meus momentos de lazer e autocuidado. Também preciso identificar quando canso. Não adianta trabalhar quando estou cansada, porque sou produtiva, mas sou muito mais quando estou descansada. Isso é um dos grandes valores do trabalho remoto.

Um outro aprendizado é o das urgências, se tudo é urgente nada é urgente. Então, já começo o dia focada, fazendo as coisas mais importantes, justamente porque se pelo meio do dia não estiver com a mesma energia, vou fazer algo mais leve. A última coisa são os sinais que o corpo dá […]. Uma frase que eu uso é: “Precisamos da gente para a vida inteira e não só para hoje”. Tem milhões de dias pela frente, então não adianta forçar a barra.

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