A arte de colocar sentimentos no papel

In Cultura, Geral, Saúde

Como a escrita e a leitura podem contribuir para a saúde mental. 

Príscilla Melo, Raíssa Oliveira e Vitória Amábili 

Quando você pensa em arte, qual é a primeira obra ou referência que vem à sua mente? Talvez alguns imaginem pinturas clássicas como a Monalisa de Leonardo da Vinci, obras literárias de Shakespeare ou Clarice Lispector, e outros até em esculturas, como o Davi de Michelangelo. Caso você tenha pensado em uma dessas alternativas, sim, você está certo, isso também é arte. Entretanto, as expressões artísticas estão localizadas muito além dos museus de história. É possível encontrar elas no silêncio do seu quarto, usar a arte ao seu favor e fazer dela a sua companhia de todos os dias.

Desde o início da história, a produção artística se fez presente no cotidiano das pessoas. Em uma época na qual não existiam câmeras fotográficas, os primeiros humanos usavam a arte através dos desenhos como meio para registrar o mundo que os cercava, por meio das pinturas rupestres, com representações da sua rotina. 

Através dos séculos, diversos movimentos culturais surgiram e se aprimoraram ao revelar a vida e a existência humana, usando as manifestações artísticas para expressão e fuga da realidade. Com isso, durante o século XX, a arteterapia foi implementada como caminho de interpretação do sofrimento psíquico e a arte começou a ser considerada benéfica para a saúde mental. Nomes famosos da psicanálise como Freud e Jung, teorizaram sobre o tema, sendo os precursores do seu uso clínico em consultório.

Por ser um conceito amplo, a arte não se resume a um único movimento e nem a uma única forma de expressão, porém, se trata de tirar uma ideia da teoria e desenvolvê-la na prática. E é exatamente isso que alguns jovens estão fazendo nos dias de hoje, ao usufruírem da literatura, antes vista como antiquada e nichada a um público acadêmico e mais experiente, e compartilharem as suas experiências nas redes sociais. Presentes no Instagram, comunidades literárias nomeadas de Bookgram estão se tornando cada vez mais comuns. 

Essas páginas consistem na divulgação de livros favoritos do usuário, resenhas, recomendações e até memes literários. Quem começa a ler por prazer na infância, tende a mostrar melhores resultados em testes cognitivos e saúde mental melhor na adolescência. 

A escrita terapêutica também é um meio eficaz para ajudar no cuidado com a saúde mental. Organização mental, clareza emocional e autoconhecimento são alguns benefícios. A escritora Tania Costa, por exemplo, revela que, quando está escrevendo se sente parte da história, e que esse hábito auxilia com o estresse diário. 

A psicóloga Kassandra Vargas explica que essas práticas podem ser instrumentos valiosos e grandes aliados do autocuidado. “A escrita auxilia na organização dos pensamentos e, ao colocar as emoções no papel, pode ajudar a aliviar tensões internas. Já a leitura amplia repertórios, favorece a identificação com histórias e estimula a empatia”, compartilha. 

Um amor de infância que se perpetuou com o tempo

Saber contar e escrever histórias mesmo que ainda esteja aprendendo caligrafia. Caso você tenha se identificado com essa frase e ela tenha resgatado alguma memória pessoal e nostálgica que você tenha guardado, talvez tenha uma trajetória parecida com a de Renato Laserra, que assim que aprendeu a escrever já começou a contar histórias para seus colegas e professores. Com esse talento de inventar narrativas, se destacou na sala de aula e começou a ser incentivado a participar de oficinas de criação literária e escrita criativa. 

Com o gosto pela escrita desde pequeno, Renato nunca abandonou o sonho que sonhou quando ainda era criança e, atualmente, além de bancário, também é escritor nas horas ocupadas do dia. Além de ser um hobby e talento que desenvolveu durante os anos, conta que essa forma de se expressar auxilia muito na sua saúde mental. “Considero a arte de criar uma história um processo muito parecido com uma terapia”, compartilha, ao contar que até sonha com os personagens e cenários que cria para seus livros de fantasia e suspense.

Além disso, Renato acredita que a busca dos leitores por histórias para fugir da realidade sempre esteve presente na literatura, como as tragédias gregas, que tentavam dar uma explicação divina para os conflitos dos mortais, e o romantismo, que tentava entender as paixões humanas e enaltecer as suas dores. “Os jovens buscam a fantasia porque muitas vezes a realidade parece cruel e decepcionante. É um breve mergulho numa piscina de esperança, uma tentativa de descontração que também serve como uma forma de aprender a lidar com as frustrações enquanto aprende a se tornar um adulto”, enfatiza o escritor.  

Apesar de assim talvez parecer uma grande ilusão criada para o público que consome essas narrativas, Renato explica que, no fim das contas, os jovens acabam descobrindo que o aprendizado nunca acaba. “Assim como deve ser a esperança. Inclusive a esperança de ter uma vida mais digna e de poder ajudar a construir um mundo melhor”, garante. Com essa perspectiva e gosto pela leitura, ele criou um Clube de Literatura Fantástica que reúne leitores, escritores e ilustradores para muitos eventos, desafios e sessões de autógrafos. 

Quando escrever no papel é a melhor solução

A escrita também pode ser apenas uma forma de expressar as ideias, pensamentos e sentimentos, um modo de colocar pra fora o que está sentindo, sem nenhum compromisso profissional ou de compartilhar esses rascunhos. Laura Dandrea, estudante de 16 anos, acredita que essa prática contribui para a sua saúde mental, porque consegue expressar o que sente e também entender melhor a si mesma. 

Ela costuma transformar sentimentos e ideias em poemas porque, já que nunca soube se expressar muito bem a partir da fala, foi a maneira que encontrou para colocar para fora o que sente de forma mais lúcida. “Para mim, escrever é mais do que organizar pensamentos; é uma forma artística de expressar e aliviar meus sentimentos. No meu caso, transformar o que sinto em palavras ajuda a me acalmar”, explica.   

Aos 27 anos de idade, a jornalista Clara Silveira possui um sentimento similar ao de Laura. Ela conta que, colocar no papel o que pensa, faz com que essas ideias soltas se desembaralhem e fiquem sistematizadas, ainda que não organize elas precisamente. Além de transferir os pensamentos, ela consegue visualizar melhor tudo o que está pensando. “Isso faz com que eu minimize problemas que talvez eu achasse que fossem muito grandes e até potencialize ideias sobre mim, sobre as questões que eu acredito, porque eu vejo que aquilo faz parte da minha identidade, da minha filosofia e está ali no papel”, esclarece.   

Clara entende a escrita como um exercício terapêutico, principalmente quando aplicada para uma geração tão distraída e com pensamentos tão acelerados, porque auxilia a desacelerar os pensamentos, já que a velocidade em que escrevemos não é a mesma em que organizamos os pensamentos. A partir disso, a jornalista reforça que “isso é muito importante para uma geração com tantas questões psicossomáticas, especialmente a ansiedade, esse excesso de futuro que a gente vive. Além de tudo, depois que você escreve, se você for revisitar, você vai ler. Isso vai te fazer visitar aquilo que você visualizou e interpretar de uma forma menos problemática, menos ansiosa e menos depressiva”. 

Além disso, “colocar no papel o que sentimos pode ajudar a elaborar experiências e enxergar novas perspectivas. Da mesma forma, quando alguém se reconhece em uma leitura, percebe que não está sozinho em suas dores ou dúvidas. Esse processo pode trazer conforto, esperança e motivação para buscar soluções”, enfatiza a psicóloga. 

A escrita criativa pode contribuir para a saúde mental em diversos formatos. Foto: Pexels

Leitura como refúgio

Já quanto aos livros, muitas pessoas escolhem ler uma trilogia nas livrarias antes de ter acesso a qualquer produção cinematográfica, por mais chamativos que os trailers sejam.  Até porque, ler o mesmo livro que seu amigo, cria cenas diferentes em cada imaginação. 

Ao contrário do que muitos pensam, a leitura permite que o leitor use e abuse da sua criatividade, mesmo quando ele está apenas lendo algo que já está pronto, e esse é um dos motivos para que as pessoas escolham os livros ao invés dos filmes, pois eles exercitam a sua criatividade e distanciam o cérebro da própria realidade. Sonhar de olhos abertos, imaginar um filme de ação com cenas de corrida e perseguição, torcer para que o casal se reencontre e passe a vida juntos, ou entender que a mocinha irá descobrir quem realmente é e será feliz, são algumas emoções que os leitores têm em comum e podem compartilhar. 

Ao longo dos anos os livros foram ganhando espaço na história, desde os clássicos nacionais, como Machado de Assis, até romances contemporâneos de sucesso no TikTok, como os da autora Colleen Hoover. Há uma diversidade crescente nos gêneros literários. Mas, você sabe um dos motivos que as pessoas usam de pretexto para aderir à leitura? 

A 6ª edição do levantamento “Retratos da Leitura no Brasil” divulgou, no ano de 2024, que 15% dos atuais leitores brasileiros leem com o objetivo de distração. Além disso, segundo um estudo publicado pela revista científica internacional PLOS One, pessoas que têm o hábito da leitura possuem um humor melhor e mais emoções otimistas que os não leitores. 

Pesquisadores também revelam que ler apenas seis minutos por dia pode melhorar a saúde, porque reduz a pressão arterial, melhora a memória e ajuda na qualidade do sono. “A leitura me ajuda a descansar emocionalmente, a fugir um pouco da realidade, no bom sentido. É o meu momento de lazer, meu porto seguro, onde posso relaxar”, enfatiza Lívia de Lacerda, estudante de Psicologia e leitora assídua de livros com o gênero de fantasia. 

Que tal você se desafiar e colaborar com a sua saúde?

Escolha um livro de um gênero que você goste ou que tenha curiosidade de conhecer. Você pode comprar uma edição bonita para te instigar na leitura ou até passar momentos agradáveis e relaxantes em uma biblioteca. Você pode também escolher um horário do dia para criar esse hábito e criar um desafio diário para adaptar esse costume à sua rotina.  

Outra forma de autocuidado é separar um caderno da sua preferência, caneta, e escrever pela manhã para organizar a sua mente para iniciar o dia com calma, ou também pode escrever à noite para deixar todas suas preocupações, frustrações e emoções no papel. 

Independente da sua escolha, esses dois comportamentos podem se transformar em hábitos promissores em sua vida, além de contribuir para a redução da ansiedade e estresse, podem ajudar você a se tornar uma pessoa mais confiante e criativa. Até porque, não é necessário gostar de obras clássicas e fazer passeios em museu para apreciar uma boa expressão artística, basta fechar a porta do quarto e se concentrar em colocar os seus pensamentos no papel ou abrir um livro e se identificar a partir das páginas e citações.

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