Apesar do número significativo, o desconhecimento sobre o tema e o uso de termos pejorativos geram consequências.
Sara Helane
A Organização das Nações Unidas (ONU) calcula que de 0,05% a 1,7% da população mundial nasça com características intersexo. Já na Organização Mundial de Saúde (OMS) a condição é enquadrada como “Desordem no Desenvolvimento Sexual” (DDS), termo considerado pelos ativistas da causa como estigmatizante e que incentiva as violações de direitos dessas pessoas.
O tema da intersexualidade entrou em destaque no Brasil quando a influenciadora digital Karen Bachini afirmou ser intersexo em um vídeo publicado no em seu canal YouTube no dia 21 de março. No vídeo, Karen afirmou que possui os genitais e órgãos internos pertencentes ao sexo feminino, mas não produz hormônios.
O que é intersexo?
O médico infectologista Hilton Luís Alves Filho explica que a intersexualidade é uma variação biológica na qual uma pessoa apresenta características sexuais masculinas e femininas em diferentes níveis de desenvolvimento. “Isso ocorre quando uma pessoa nasce com características sexuais que não são facilmente classificadas como masculinas ou femininas, conhecidas como Diferenciação do Desenvolvimento Sexual (DDS)”, relata.
O infectologista ainda fala que existem diferentes tipos de condições intersexo, sendo os mais comuns: a síndrome de Turner, a síndrome de Klinefelter e a hiperplasia adrenal congênita. Segundo Filho, em alguns casos, características intersexuais são visíveis no nascimento, outras não são até a puberdade e algumas podem não ser fisicamente aparentes no caso das variações cromossômicas intersexuais.
Leis e Registro Civil
Antes de 2021, a Lei de Registros Públicos Brasileira determinava ser obrigatória a informação do sexo biológico no nascimento. Tal determinação legal era uma justificativa para a realização, sob regime de urgência, de cirurgias de adequação anatômica do sexo biológico de crianças intersexo, que, segundo Filho, causava danos psicológicos e físicos irreversíveis às pessoas intersexo.
Maria Berenice Dias, advogada e vice-presidente do Instituto Brasileiro do Direito de Família (IBDFAM) conta que na Declaração de Nascidos Vivos, quando nascia alguém de sexo não definido a declaração não dizia se era sexo feminino ou masculino. Então, quando levava ao Registro Geral a pessoa não era registrada, pois não tinha campo para pra essa sinalização. “Foi então que houve um movimento do IBDFAM para que essas crianças tivessem esse direito”, diz.
Segundo Maria Berenice, uma resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de 2021 determinou que os oficiais de registro civil registrassem as crianças com a identidade que vem na declaração de nascido vivo onde no campo ‘sexo’ é usado o termo ‘ignorado’ no registro.
Termos a serem evitados
Filho aponta que ao se referir a pessoas intersexo é importante evitar termos pejorativos ou discriminatórios como “hermafrodita” “freak” “anormal” ou “doente”. Esses termos causam muito sofrimento a essas pessoas e podem contribuir para sua invisibilidade social e falta de inclusão.
O sociólogo Amiel Modesto Vieira é uma pessoa intersexo, e explica que o termo “hermafrodita” deve ser evitado, pois é estigmatizante e sexualizante. “Não somos e nem queremos ser objeto de fantasia de ninguém”, enfatiza. O sociólogo ainda relata que, como intersexo, seu processo de auto conhecimento é diário e, graças ao ativismo, tem levado mais pessoas a saber sobre a causa.
Sobre a importância do tema na atualidade, Filho declara que “há muito desconhecimento e estigmas sobre intersexo. Ao falar sobre isso há um fortalecimento da autoestima das pessoas que vivem com intersexualidade.” O infectologista ainda aponta que o desconhecimento geral sobre a intersexualidade é um reflexo do preconceito e da falta de inclusão na população. Já Vieira declara que é importante dar vez e voz a este grupo de pessoas no qual ele faz parte. “Falar sobre intersexualidade é dar visibilidade à luta”, finaliza.