Porcentagem de analfabetismo funcional cresce entre os jovens nos últimos anos.
Príscilla Melo
Cerca de 29% dos brasileiros entre 15 e 64 anos foram considerados analfabetos funcionais em 2024, é o que diz novo levantamento do Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf). O valor foi igual ao obtido no ano de 2018, quando a série de pesquisas foi interrompida devido à pandemia da Covid-19. Desde então, o Brasil permanece estático nos índices que medem a alfabetização.
O analfabetismo funcional, é caracterizado pela dificuldade que uma pessoa tem em interpretar textos e realizar questões matemáticas, mesmo sabendo ler e escrever. Houve um aumento no percentual de jovens entre 15 a 29 anos, classificados na condição de analfabetos funcionais, passando de 14% em 2018 para 16% em 2024.
Na última edição de estudos do Inaf, foram entrevistadas 2.554 pessoas em todo o país, entre dezembro de 2024 e fevereiro de 2025. Os participantes da pesquisa estavam dentro da faixa etária de 15 a 64 anos. Mapeando desta forma a capacidade de leitura, escrita e matemática da população. A margem de erro oscila entre dois e três pontos percentuais.
Segundo a psicopedagoga Camila Borgonove, a alta taxa de analfabetismo funcional no Brasil é resultado de uma série de fatores estruturais e sociais, como a má qualidade da educação básica, a formação deficiente de professores, a falta de infraestrutura adequada nas escolas, além da desigualdade social que afeta diretamente o acesso à educação. ‘‘Muitos estudantes frequentam a escola, mas não tem acompanhamento adequado nem metodologias de ensino que atendam às suas necessidades’’, enfatiza.
O agricultor Raimundo Nonato, de 69 anos, que está incluso na taxa analfabetismo, contou sobre sua dura realidade vivenciada na infância. ‘‘Quando era mais novo, meus pais não me deixavam estudar. Para eles o estudo não era algo importante, o que importava era trabalhar. Ou trabalhávamos ou passávamos fome. Não tive infância, não tive tempo de estudar’’, relata.
A pesquisa do Inaf, foi coordenada pela organização social Ação Educativa e pela consultoria Conhecimento Social, além de ser co-realizada com a Fundação Itaú, em coparticipação com a Fundação Roberto Marinho, Instituto Unibanco, UNESCO e UNICEF.
Alfabetização no contexto digital
De acordo com outros dados do Inaf, que analisou a alfabetização no contexto digital pela primeira vez em 2024, mesmo sendo alfabetizadas, 56% das pessoas no Brasil enfrentam desafios em atividades digitais corriqueiras. Além disso, a quase totalidade de 97% dos analfabetos funcionais, conseguem realizar apenas um número restrito de tarefas na internet.
O estudo apresentou aos participantes três atividades distintas para serem realizadas na internet. Na primeira, deveria ser feita a compra online de um tênis a partir de um anúncio em uma rede social, escolhendo o produto, sua numeração e finalizando a compra. A segunda abordava uma conversa em um aplicativo de mensagens, entre amigos que combinavam assistir um filme, era preciso acessar um aplicativo de streaming. Já na terceira situação, o entrevistado deveria inscrever um amigo em um evento através de um formulário online, enviando foto, documento e criando uma senha.
O que é o Inaf?
O Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf), foi criado em 2001, como uma iniciativa da Ação Educativa e do Instituto Paulo Montenegro. Após 20 anos e 10 edições, o Inaf passou a ser gerido pela Ação Educativa em parceria com a Conhecimento Social Estratégia e Gestão.
O Inaf busca medir o nível de alfabetismo funcional da população brasileira entre 15 e 64 anos. Procura cooperar para o aprofundamento dos diálogos sobre o alfabetismo funcional no Brasil, buscando apoiar o programa de defesa dos direitos educativos e de desenvolvimento educacional no país.
Através de uma prova escrita e também digital, aplicada em domicílio, o Inaf classifica habilidades funcionais nas áreas do letramento, dos números e do contexto digital. Com questões que abordam situações do cotidiano, a aplicação convida pessoas a responderem às indagações em um aparelho celular, permitindo aprofundar o conhecimento sobre a relação entre o grau de alfabetização na maneira como os indivíduos processam informações textuais e numéricas no universo digital.
Os resultados dividem a população em cinco níveis de analfabetos funcionais:
- analfabeto;
- rudimentar;
- elementar;
- intermediário;
- proficiente.
Entenda os níveis
São considerados analfabetos funcionais aqueles que não conseguem realizar tarefas simples que envolvem a leitura de palavras e frases, e que podem identificar apenas palavras isoladas ou frases curtas e diretas, não podendo entender produções textuais ou frases longas. São caracterizados também pela pouca compreensão de números, alguns chegando a captar somente dígitos familiares como, o número da casa, do telefone, de preços, etc. São incluídos nesse tópico cerca de 7% da população brasileira.
É considerado alfabetizado em nível rudimentar o indivíduo capaz de selecionar, em textos de tamanho médio, uma ou mais informações que estejam explícitas nele. Entende palavras literais, resolve cálculos básicos que abordam situações do dia a dia, leem números familiares (horários, preços, moedas, telefones) identificando o maior e o menor, entende informações numéricas em tabelas e gráficos simples. Consegue realizar atividades básicas da vida social que careçam do uso de ferramentas digitais. Cerca de 22% da população brasileira se encaixa nesse nível.
É considerado alfabetizado em nível elementar a pessoa capaz de selecionar em textos médios uma ou mais informações, realizando pequenas inferências. Resolve operações matemáticas básicas envolvendo a ordem de milhar. Compara e relaciona informações numéricas e textuais presentes em gráficos e tabelas simples. Realiza tarefas básicas do cotidiano que necessitam do uso de ferramentas digitais. Cerca de 36% da população brasileira participa desse grupo.
É considerado alfabetizado em nível intermediário aquele indivíduo capaz de identificar informação explícita ou não e interpretar textos de diversos conteúdos (incluindo textos jornalísticos/científicos). Apto a resolver questões matemáticas envolvendo porcentagem e proporção, interpreta e elabora síntese de textos diversos, reconhece evidências e argumentos e confronta a moral da história com a própria opinião ou com o senso comum. Cerca de 25% da população do Brasil se encaixa nesse nível.
O indivíduo com o nível de alfabetismo proficiente, elabora textos complexos a partir de um contexto dado, opina sobre estilo ou posicionamento do autor do texto, interpreta gráficos e tabelas entendendo a informação representada neles, resolve situações-problemas, avalia a veracidade das informações transmitidas, avaliam as informações recebidas evitando golpes e a fake news. Cerca de 10% da população brasileira fazem parte desse grupo.
Políticas públicas podem solucionar o problema
Em relação a isso, a psicopedagoga Camila Borgonove afirma que é necessário implementar políticas públicas que garantam o acesso à educação de qualidade desde a infância, com foco em metodologias ativas e alfabetização efetiva. ‘‘A parceria entre escola, família e comunidade é outro fator crucial’’, ressalta.
Para Camila, a educação é a base para a construção de uma sociedade mais justa, consciente e democrática. Somente ela tem o poder de transformar realidades, romper ciclos de pobreza e promover o crescimento econômico e social. ‘‘Investir em educação é investir no futuro do país’’, conclui.