Nos últimos anos, diversos procedimentos cirúrgicos têm sido realizados nos pacientes em estado consciente, mas, por quê?
Laura Rezzuto
Há algum tempo, o vídeo de um músico vem ganhando força na internet. O homem de 35 anos tocou o hino nacional da Itália em um saxofone durante a cirurgia que deixou o seu cérebro totalmente exposto. O caso aconteceu em outubro deste ano, no Hospital Internacional Paideia, em Roma. O procedimento cirúrgico tinha o propósito de remover um tumor localizado na região do cérebro, e durou nove horas.
Segundo o médico responsável pelo paciente, o objetivo do saxofone durante a cirurgia era assegurar que o músico manteria as suas funções cerebrais necessárias para conservar os sentidos do seu corpo durante e após o procedimento.
Em situações como a do músico, em que o objetivo é conservar as habilidades específicas para a realização de atividades do cotidiano, não é estranho que o paciente esteja acordado ou fazendo algo, como escrever, tocar ou pintar. O músico italiano não foi o primeiro a passar por este procedimento. Outras pessoas, como a alemã Dagmar Turner, que tocou violino, também passam por situações bem parecidas.
“A cirurgia acordada permite mapear com extrema precisão as redes neuronais subjacentes às várias funções cerebrais, como brincar, falar, mover-se, lembrar, contar. O objetivo da cirurgia em vigília é remover o tumor cerebral ou uma malformação vascular, como cavernomas localizados, em áreas específicas do cérebro, preservando a qualidade de vida do paciente”, disse Brogna, cirurgião responsável pelo músico.
Intervenção com diversas finalidades
Segundo a médica Daryane Santos, chefe de neurologia do Hospital Adventista de Manaus, esse meio de cirurgia no cérebro, no qual o paciente é mantido acordado e respondendo a estímulos específicos do próprio cirurgião, não acontece sempre. Contudo, também não é considerado uma raridade.
“Nós realizamos esse procedimento quando o paciente apresenta um tumor no cérebro ligado à região que controla a fala e a coordenação motora, por exemplo. Caso contrário, não existe um motivo para manter o paciente acordado. Já na situação desse músico, o tumor estava na área responsável em fazer as mãos se movimentarem, por isso foi mantido consciente”, explica a médica.
Já o neurocirurgião Carlos Alberto conta que hoje em dia é possível realizar esta cirurgia diminuindo as chances de sequelas permanentes. No entanto, é necessário um estudo aprofundado no caso do paciente. “Para que a cirurgia seja um êxito, nós identificamos o tumor, traçamos cada milímetro da área do cérebro que é responsável pelos movimentos antes de tirar o tumor. Então, estimulamos o córtex cerebral e se não houver nenhuma atividade estranha, retiramos o tumor. Tudo isso para que as chances de sucesso do paciente sejam altas”, conta.
Daryane esclarece como o procedimento é realizado. “Aplicamos a anestesia geral. Durante a cirurgia, colocamos um tubo na região da traqueia do paciente para que ele receba oxigênio. Após isso, é feita a craniotomia, cirurgia que remove o crânio. Logo depois acordamos o paciente e começamos a interagir com ele. Quando retiramos o tubo de oxigênio o trabalho começa, pois vamos conversando com ele e o mesmo vai realizando as atividades que nós solicitamos”, descreve com detalhes.
Estímulos durante aas cirurgias no cérebro
O médico Carlos Alberto ainda destaca que “a parte mais interessante é que durante os estímulos que fazemos, utilizamos uma caneta especial, que descarrega uma leve eletricidade na parte do cérebro que escolhemos. Se mesmo assim o paciente continuar interagindo, significa que podemos continuar ressecando o tumor e que a área está sem danos”, finaliza.
Hoje, quem assiste pelos bastidores se pergunta “como isso é possível?”, mas a verdade explicada pelos médicos é que durante anos houveram vários estudos e tentativas falhas que levaram grandes cientistas a desenvolverem esse método que contribuem com a saúde e, há alguns anos, vem salvando vidas.