Os estudos em Micologia passam longe da ficção, mas concordam quanto às pesquisas serem uma questão de vida ou morte.
Mariana Santos
De repente a programação televisiva é interrompida, e jornalistas invadem a sala de estar de todos os telespectadores. O anúncio é urgente e, só por isso, países por todo o globo se unem a fim de informar a população da nova descoberta com potencial apocalíptico. O comunicado é que um fungo parasita mortal, e capaz de controlar os corpos dos hospedeiros, infectou o primeiro humano.
O que está escrito acima “não é de todo” mentiroso, contudo, também está muito longe da realidade. Um fungo parasita capaz de controlar os hospedeiros realmente existe, são os entomopatogênicos, porém, as vítimas não passam de insetos. O parasita é de fato mortal mas, como dito anteriormente, é incapaz de afetar seres humanos.
Há pouco tempo, a internet entrou em pânico ao se deparar com um suposto vídeo de um “inseto zumbi”. Reportagens sensacionalistas e perfis de fofoca foram os principais disseminadores de pavor, mas foram os divulgadores científicos que desvendaram o famigerado mistério.
Apesar do potencial extraordinário dos fungos, o vídeo exemplifica um “super-poder” dos insetos. Por ter o sistema nervoso descentralizado, a biologia desses animais permite que eles sobrevivam por algum tempo, e se movimentem, mesmo com partes do corpo comprometidas. Em resumo, não há motivo para pânico, mas sim motivos para pesquisar ainda mais o pouco conhecido Reino Fungi.
A má fama dos fungos
Os fungos não são animais e também não são plantas. As características deles são tão específicas que foi criado um Reino só para eles. Infelizmente, seja pela falta de informação ou pela má fama, muitas pessoas conhecem os fungos apenas pelos efeitos negativos. Paula Orling sentiu na pele o potencial nocivo dessas pequenas estruturas.
Quando criança, Paula gostava de frequentar a casa dos avós, que ficava em um sítio na cidade de Joinville, Santa Catarina. Como em muitos lugares com chuvas frequentes, a casa do avô de Paula possuía mofo em variados pontos, mas isso não incomodava em nada os moradores da casa. Por mais que fizesse parte do cotidiano, a pele da Paula não parava de coçar e seu sistema respiratório ficava muito prejudicado. Foi assim que Paula descobriu que era alérgica a esses fungos. Pouco tempo depois, Paula fez um tratamento e, ainda que a alergia não tenha sido curada, uma vacina sublingual diminuiu os efeitos do mofo na paciente.
Estruturas “super-poderosas”
Apesar do mofo ser a primeira coisa que Paula pensa ao ouvir falar de fungos, ela consegue listar pelo menos quatro características e aplicações positivas: eles são ricos em nutrientes, podem ser usados como medicamentos, podem ser cultivados de maneira sustentável e podem ser produzidos independente da época do ano. O que Paula não sabe é que essa é apenas uma pequena amostra do potencial dos fungos.
Entre os fungos “super-poderosos” estão os radiotróficos, que são capazes de sobreviver a altos níveis de radiação. O incrível é que eles não apenas sobrevivem, mas também utilizam a radiação em seu metabolismo. Fungos também são utilizados na produção de tecidos e são essenciais para a saúde humana graças à produção de antibióticos.
Formado em Ciências Biológicas, mestre e doutorando, Carlos Vidigal é um dos responsáveis pelo perfil “Funga Capixaba” e estuda principalmente fungos liquenizados. Na lista dos liquens estão aqueles capazes de sobreviver em contextos de radiação, que foram citados anteriormente, mas Carlos explica que a importância dos fungos é frequentemente subestimada. “Basicamente, os fungos são a peça chave da vida na Terra”, o especialista afirma. Então a existência dos fungos é realmente uma questão de vida ou morte?
Sim, mas a explicação pode ser um pouco longa, então Carlos explica que os fungos estão por todos os lados. “Os fungos servem de alimento para animais, alimento para humanos em alguns casos, […] fazem parte da perfumaria, enfim, eles estão até em motores de carros do hemisfério norte por causa de uma molécula que impede o congelamento”, menciona Carlos. Caso os fungos sumissem, bom, é difícil prever, mas Carlos acredita que a Terra, começando pelo solo, seria completamente diferente do que conhecemos hoje.
Um caso de amor pela ciência
No caso de Carlos, sua história com os fungos foi chamada por ele de “amor à primeira vista”, e incrivelmente essa paixão parece estar arrebatando outros jovens pesquisadores por todo o Brasil. Letícia Moreira, estudante de farmácia pela UFAM, também foi atraída pela Micologia. “Me apaixonei ‘de cara’ assim que entrei no projeto ‘Produção de L-asparaginase extracelular para tratamento de Leucemia Linfoblástica Aguda’. Vi a infinidade de processos pelos quais, através dos fungos, podemos chegar a um objetivo comum de somar a qualquer ramo”, conta a estudante.
Letícia está no último ano de faculdade e teve a oportunidade de passar por diversas áreas de pesquisa enquanto estudante, incluindo a Micologia Clínica, que estuda fungos com potencial patogênico. A aluna pretende seguir na área de Análises Clínicas e conta que a ciência permeia tudo o que fazemos e utilizamos.
“Eu consegui um projeto numa indústria da Zona Franca de Manaus para Estudo das Incrustações nas Membranas em Biorreatores de Membranas (MBR ́s) para Tratamento de Águas Residuais, e eu pensei – nossa! – Eu jamais imaginaria que eu viria parar aqui numa indústria multinacional que precisa da minha contribuição. Percebi que tudo é ciência”, relata a pesquisadora sobre um projeto que participou até 2019.
Apesar de ainda não ter completado a graduação, Letícia é ativa e se envolve efetivamente com a pesquisa. De forma semelhante, Mateus Ribeiro tem se destacado cada vez mais através do perfil de divulgação científica “Mateus dos Fungos”.
Atualmente, Mateus está em um intercâmbio semestral no Equador, justamente para continuar estudando os fungos, entretanto, a divulgação científica não para. O perfil, que já possui mais de 17 mil seguidores no Twitter, é um ambiente de diálogo sobre fungos, de disseminação de informação confiável e também de exposição dos trabalhos desenvolvidos pelo estudante.
Mateus conta que a paixão por biologia também o afetou e foi enquanto ele ainda era muito novo. “Eu sempre soube que seria biólogo. Eu lembro exatamente do dia que eu decidi ser biólogo. Eu era criança, estava assistindo televisão e vi o Sérgio Rangel na TV, então eu perguntei para a minha mãe o que aquele homem fazia e ela me disse que ele era biólogo. Naquele momento eu soube o que eu queria ser quando crescesse”, relembra o estudante.
Ao contrário do que o pânico apocalíptico sugere, o estudo dos fungos não é uma questão de morte, mas sim uma questão de vida. É também uma questão de paixão pela ciência, como os pesquisadores demonstraram em cada uma das entrevistas. O que permanece é a reflexão: o que você sabe sobre a vida que te cerca?