Relatório reafirma o que muitos já sabem: a desigualdade não é uma preocupação.
Lucas Pazzaglini
A notícia não é de todo ruim: o Brasil tem hoje 575.930 médicos ativos, segundo levantamento feito pelo Comitê Federal de Medicina (CFM). Esse é o maior número de médicos já registrado tendo mais do que quadruplicado desde 1990.
As possibilidades positivas em ter uma gama tão grande de médicos prontos para atender o público é imensa. Em comparação a 1990, quando o total de médicos era de 131.278, hoje temos uma proporção de 2,81 médicos por mil habitantes, algo impensável no passado.
Esse crescimento exponencial tem motivo, nada vem do acaso, e um dos principais é a expansão do ensino médico. De fato, não é difícil encontrar um estudante de medicina pelas ruas. Os programas de acesso ao ensino superior facilitam muito esse processo e potencializam o recebimento de alunos pelas faculdades.
Entretanto, existe uma preocupação válida levantada pelo próprio presidente da CFM, José Hiram Gallo, relacionada a qualidade da formação médica oferecida. Esse questionamento faz total sentido quando percebemos que muitos profissionais, não exclusivamente médicos, têm sido formados às pressas apenas para suprir uma demanda no mercado, e a saúde precisa desse apoio.
Porém, a preocupação com a rapidez pode fazer com que algumas etapas do processo de formação sejam descartadas. Isso tudo contribui para a previsão, proposta por Gallo, de que dentro de 5 anos o país contará com 3,63 médicos por mil habitantes, um número superior à média dos países Organização para Cooperação e Desenvolvimento (OCDE).
Mas essas são apenas suposições. Nenhuma faculdade deixaria um aluno se formar sem estar preparado para atuar de forma totalmente competente. Antes de poderem atender a um paciente, os aspirantes a médicos passam por diversos estágios e residências que contribuem para uma formação completa.
Deixando esse problema de lado, surge outro. Hoje temos mais médicos por mil habitantes do que Estados Unidos, Coreia do Sul, Japão e México, definitivamente um motivo de orgulho para nosso país. Mas, quando vemos onde esses médicos estão concentrados, a preocupação volta a ser sentida.
Como era de se esperar, a maioria dos médicos prefere fixar sua residência nos estados do Sul e Sudeste, por conta das condições de trabalho e de vida, o que deixa de lado, mais uma vez, as regiões ao norte do país.
Explicando em números, a região Sudeste conta com 3,76 médicos por mil habitantes, Centro-Oeste com 3,39 por mil habitantes, Sul com 3,27 por mil habitantes, Nordeste com 2,22 por mil habitantes e Norte com 1,73 por mil habitantes.
Não é preciso ser nenhum tipo de expert para entender que enquanto em alguns lugares existe uma lotação considerável, em outros existe uma escassez precisando ser reparada.
A região Norte lidera mais uma vez o ranking dos esquecidos, o que torna difícil de entender qual é de fato a preocupação dos médicos que estão atuando no Brasil. Obviamente as escolhas de cada um devem ser respeitadas e a qualidade de vida deve ser uma prioridade, mas e quanto a qualidade de vida dos que vivem na região Norte.
Mas o problema não é exclusivo dos médicos, e sim da falta de investimento na saúde nessas regiões. O Norte e o Nordeste não recebem atenção nesse quesito, e em tantos outros, o que chega a justificar a falta de médicos atuantes nessas áreas.
O investimento, que deve vir de um orçamento governamental, continua sendo injusto para com as regiões que mais necessitam dele. Enquanto o número de médicos da região Sudeste equivale ao encontrado na Europa, a região Norte supera apenas países como Índia e Indonésia.
O relatório lança luz sobre uma questão estrutural que vai muito além da necessidade de médicos, ele reafirma o esquecimento contínuo das regiões ao norte. Os desafios sofridos pelos Nordestinos e Nortistas passam pela educação, falta de escolaridade, falta de apoio humanitário e consequentemente na saúde (a lista parece pequena mas nem todos os tópicos foram abordados e apenas esse já causam um impacto gigantesco na comunidade).
De nada adianta a formação de médicos se eles não forem enviados para os lugares certos. Os pacientes esperam até mesmo nos lugares que foram esquecidos.