O futuro, nas origens 

In Cultura, Geral, Meio Ambiente

A presença de indígenas no TikTok, Instagram, YouTube e outras redes sociais é cada vez mais comum 

Késia Grigoletto

Árvores frondosas, fauna abundante, casas simples e pessoas que viviam do que a terra dava. Esse era o Brasil conhecido pelos povos originários antes de Pedro Álvares Cabral aportar no território, em 22 de abril de 1500, acreditando ter descoberto uma parte do mundo que era “desconhecida”. 

“Imbuídos de organização social definida, religiosidade, eles viviam em seu ambiente particular. Mesmo diante da colonização genocida e ameaçadora da cultura indígena, os descendentes dos nativos lutaram e lutam bravamente contra o esbulho, a degradação das terras garantidas pela Constituição Cidadã e pela valorização justa e necessária da sociedade brasileira em prol da imensa e crucial importância que possuem na construção da identidade e do orgulho nacional”, comenta o professor de história Felipe Júnio.  

Consequências da supremacia europeia 

Segundo a Fundação Nacional do Índio (Funai), em 1500, a população indígena era de aproximadamente 3 milhões de habitantes. Em 1957, esse número caiu para cerca de 70 mil, a menor quantidade no período analisado. 

De acordo com o censo de 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), hoje, eles representam cerca de 0,83% da população brasileira. São 305 povos com 274 línguas diferentes. Os dois estados com maior número de indígenas são o Amazonas e a Bahia, que, sequencialmente, concentram 490,9 mil e 229,1 mil. A terra indígena Yanomami, localizada entre Roraima e Amazonas, acomoda o maior índice populacional com 27.152 pessoas.

A preservação da identidade indígena é essencial para o crescimento e a permanência dos povos, das aldeias e de suas tradições. Para que a realidade indígena seja compreendida é importante salientar que o contexto coletivo se sobrepõe ao individual. “Desde a educação infantil, as crianças mantêm um contato direto com os anciãos”, destaca Fabiana Pataxó. “Os anciãos vão na escola e ensinam os saberes tradicionais. Além disso, as crianças também frequentam as casas deles, os quintais produtivos, as roças, para que tenham um contato direto com esses saberes”, continua.

Fabiana Pataxó conclui dizendo que, além da educação ocidental obrigatória, as comunidades indígenas buscam preservar a educação tradicional, que vem por meio do aprendizado com os mais velhos. 

Hibridização cultural 

O uso da tecnologia e da modernização não torna o indígena menos indígena e não o desacultura, como explica a doutora em geografia e pesquisadora sobre a diversidade cultural e étnica,Germana Ponce de Leon, “é importante entendermos a questão da aculturação, porque ela foi e é extremamente questionada. Eu concordo com esse grande questionamento a ponto de discordar que existe de fato processo de aculturação, que se resume em o indivíduo deixar de ser quem é, ou seja, o indivíduo não ser mais indígena.”

O indivíduo indígena não deixa de ser quem é, por ter um celular, um carro, por se utilizar de instrumentos digitais e máquinas mais avançadas”, entende a doutora. Na verdade, isso se chama hibridização cultural, e é quando um indivíduo de uma cultura, absorve elementos de outra cultura, não deixando de ser quem é, a identidade dele permanece a mesma.

A professora ainda relata a importância que a tecnologia protagonizou no cenário da pandemia. “O acesso foi facilitado principalmente no momento da pandemia, quando os alunos necessitaram ter aulas à distância. Não que tenha sido facilitado para todos os povos, em todas as regiões brasileiras, mas as regiões com mais recursos, deram acesso aos povos indígenas nas aldeias, à televisão, máquina fotográfica, gravador e acesso ao celular”, descreve. 

Disponibilidade tecnológica

O estudo “O uso da tecnologia digital pelos povos indígenas do Brasil: um estudo na Aldeia de Kaingang”, publicado por Claudia Carmem Baggio, diretora da biblioteca setorial do Centro de Ciências Rurais da UFSM, em conjunto com alguns outros doutores e mestres, relata que, durante a pandemia na aldeia Kaingang, a internet viabilizou uma reunião entre o Ministério Público Federal, Sesai e Funai, contando com a participação de caciques e representantes da prefeitura, para conseguir garantir o suprimento de algumas necessidades, como o abastecimento hídrico e a construção de um poço artesiano na aldeia.  

Entretanto, nem todas as comunidades são beneficiadas com o acesso por questões de acessibilidade. O estudo ainda divulgou que devido a precariedade do acesso às aldeias, há uma consequente dificuldade para contemplar uma infraestrutura tecnológica que viabilize um acesso às tecnologias da informação e comunicação. Segundo o IBGE, ainda existem povos indígenas no norte do Brasil que vivem de maneira completamente isolada, sem acesso à cultura ocidental e à tecnologias de informação.

Desimportantes para o Brasil? 

Em 2023, o IBGE divulgou uma pesquisa que afirma que cerca de 6 milhões de domicílios  brasileiros não tinham acesso à tecnologia por fatores como falta de habilidades para usar a internet, custos muito altos e preocupação com segurança e privacidade. As comunidades de povos indígenas sequer foram citadas nesta pesquisa. Como é possível que se discuta inclusão se uma pesquisa oficial de um órgão governamental não contempla as especificidades de 305 comunidades espalhadas de Norte a Sul?

A única informação divulgada pelo IBGE no último censo de 2022 relacionada a fatores ligados ao mundo digital é que a quantidade de comunidades indígenas que usufruem de um acesso adequado à tecnologia é muito inferior ao acesso da população geral. Essa informação incerta é inútil, a imprecisão e generalidade obstaculiza políticas públicas que poderiam ser propostas, investimentos que poderiam ser feitos e pessoas que teriam acesso à direitos mínimos e básicos. As populações rurais são as que mais sofrem. 

Diante de tantos números, é impossível pensar que estamos vivendo em uma época em que a igualdade é levada a sério, visto que, povos que foram essenciais para a formação desse país como nação, constantemente têm a dignidade ignorada pelos governos e autoridades federais, estaduais e municipais. 

No próximo ano, o Brasil vai sediar o maior evento tecnológico de meio ambiente do mundo no Pará. Enquanto isso, as informações sobre as pessoas que mais convivem com a natureza de forma consciente e a utilizam com respeito, continuam sendo tratadas como irrelevantes e um tanto quanto insignificantes pelo Brasil que será apresentado para o mundo europeu.

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