Embora sejam a maioria com Ensino Superior, mulheres ainda estão menos inseridas no mercado de trabalho do que homens.
Helena Cardoso
60,65%. Essa é a porcentagem de mulheres no Ensino Superior, de acordo com o Censo da Educação Superior 2020, elaborado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Anísio Teixeira (Inep) em parceria com o Ministério da Educação (MEC) e divulgado em fevereiro de 2022. Uma porcentagem bem alta, não? Olhando assim, fica difícil imaginar que o acesso das mulheres à educação superior só aconteceu no Brasil em 1879, há menos de 150 anos.
Pode até parecer muito tempo, afinal, guerras mundiais começaram e terminaram em períodos mais curtos do que isso. Entretanto, se tratando de educação, essa possibilidade é muito recente – principalmente ao considerar que a educação formal no Brasil começou, para os homens, em 1549.
150 anos parece um tempo ainda mais curto quando enxergamos todo o cenário: além de tardio, o acesso não era pleno, sendo necessária uma autorização por escrito para o ingresso na universidade (do marido para as casadas, e dos pais para as solteiras). Com esses obstáculos, eram poucas as mulheres que conseguiam concluir uma graduação. As que terminavam, ainda precisavam enfrentar diversas dificuldades para exercer sua profissão.
Dificuldades antigas x obstáculos atuais
Myrthes Gomes de Campos não foi a primeira advogada de formação do Brasil, mas foi a primeira mulher a conseguir atuar na área. Ela se formou em 1898 na Faculdade Livre de Ciências Jurídicas e Sociais do Rio de Janeiro, mas para poder advogar, precisou registrar seu diploma na Secretaria da Corte de Apelação do Distrito Federal e obter a inscrição no próprio tribunal. Os órgãos competentes da época, entretanto, colocaram diversos empecilhos no processo, como a desconfiança de sua capacidade pelo próprio presidente da corte. Myrthes só conseguiu realizar o registro em 1906, após oito anos de tentativa.
Comparado à época, o acesso de mulheres à educação é mais fácil e o ingresso em universidades é cada dia mais comum. A historiadora Danielle Lacerda explica que esse fenômeno se dá através da “ampliação do campo de debate sobre o papel da mulher na sociedade”, o que faz com que “cada vez mais jovens se interessem em construir o seu próprio lugar”. Segundo ela, a internet é uma grande aliada disso, pois favorece esta discussão por meio das redes sociais e demais meios de comunicação.
De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad) de 2019, mulheres são maioria dos estudantes nas universidades em quase todas as faixas etárias, exceto na de maiores de 65 anos. Enquanto para os mais jovens esse ingresso seja para tentar mais oportunidades, o impulso de grupos mais idosos para iniciar os estudos na educação superior é um pouco diferente.
Flávia de Barros de Santos tem 50 anos e cursa o nono semestre de Psicologia. A estudante conta que ao começar o curso, aos 45 anos, sentia insegurança em pensar que seria a mais velha da turma. Entretanto, essa não foi a realidade. Ao entrar na sala de aula, percebeu que havia mais de dez alunos com idade superior a 60 anos, a maioria mulheres. Ao perguntar para as colegas o porquê de decidirem se graduar nessa idade, a resposta mais comum era: “agora nós já nos estabilizamos, já criamos nossos filhos”.
Ainda hoje, embora em menor intensidade, existe certa pressão para que mulheres abdiquem de seus trabalhos e estudos para cuidar da família. Na verdade, “abdicar” não é o termo correto, pois na verdade o esperado é que consigam conciliar tudo. Por isso, embora tenham mais formação no Ensino Superior, também são a maior parcela da população a trabalhar em empregos de até 30 horas semanais, destinando o restante do tempo aos cuidados com casa e filhos.
“Aqui não é seu lugar”
Em termos mais atuais, embora o acesso às universidades seja cada ano mais igualitário em sentido de gênero, isso não significa que a luta por igualdade em outros ambientes também se torna descomplicada. De formas menos claras, percebemos os obstáculos impostos às mulheres ao analisar a porcentagem delas com Ensino Superior em comparação às que são empregadas em altos cargos, por exemplo. A historiadora Mônica Karawejczyk explica que “tanto na política, quanto nas empresas e mesmo nas universidades, os altos cargos são, majoritariamente, reservados para os homens”, enquanto “mulheres sempre são lembradas que ali não é o lugar delas”.
Com essa discrepância, a pouca porcentagem de mulheres que consegue chegar até esses cargos recebe menos remuneração e reconhecimento do que homens na mesma posição. Para a historiadora, “a formação superior, por parte das mulheres, se faz muito em busca de uma maior valorização do campo do trabalho e de melhores oportunidades de emprego”.
Danielle Lacerda destaca que ter mais mulheres inseridas nas universidades e no mercado de trabalho “é uma forma de ocupar espaços e estimular a sociedade em direção à igualdade de gênero e ao fim do preconceito e da discriminação baseados no gênero”. Além disso, esse destaque “ajuda a criar modelos de sucesso e referências para as próximas gerações de mulheres”, finaliza. Igualdade de gênero pode parecer um tema batido, mas a importância de falar sobre isso continua a mesma: construir um mundo cada vez mais inclusivo.