Psicólogas explicam que a virtualidade não diminui o perigo da prática.
Gabrielle Ramos
No último mês, o termo “bets” ganhou ainda mais popularidade no Brasil. Derivado do verbo inglês “to bet”, que significa apostar, ele se refere às apostas esportivas online, uma prática que está em expansão no país.
Uma pesquisa do Banco Central revelou que os beneficiários do Bolsa Família destinaram cerca de R$ 3 bilhões a apostas online. Isso trouxe à tona o risco de aumento do endividamento entre as famílias de baixa renda, além dos impactos dessa prática na saúde mental dos usuários e a relação dela com o vício.
A psicóloga Ana Lígia Qualho destaca que, no ambiente online, a vulnerabilidade é potencializada pela fácil acessibilidade e rapidez das recompensas. “O jogador muitas vezes se vê preso em uma tentativa de recuperar perdas ou reviver a sensação de prazer de uma vitória, o que agrava o envolvimento patológico”, explica.
Sintomas do vício
As perdas financeiras e o endividamento decorrentes das apostas online geram um impacto emocional significativo. “Entre os efeitos mais comuns estão sintomas graves de ansiedade e depressão, como preocupação excessiva, vergonha, frustração e sentimentos recorrentes de culpa”, explica a psicóloga Roberta Rodrigues.
Por outro lado, Ana Lígia complementa que fatores emocionais preexistentes, como a busca por alívio do estresse, fuga da realidade ou problemas emocionais não resolvidos, também podem impulsionar esse comportamento.
Além disso, Roberta explica que a dificuldade em manter relações saudáveis com familiares e amigos é comum nesses casos. Isso prejudica a dinâmica dos relacionamentos e compromete a capacidade do indivíduo de vivenciar sua afetividade de forma plena.
Tratamento
As psicólogas explicam que o primeiro passo para o tratamento é reconhecer a existência do problema. No entanto, as razões que levam alguém a apostar de forma compulsiva nem sempre são claras. Por isso, buscar ajuda profissional, como psicólogos e psiquiatras, é fundamental.
O tratamento busca conscientizar o indivíduo sobre os sentimentos e experiências associados ao ato de apostar. “A proposta é que, aos poucos, a pessoa seja capaz de construir alternativas que realmente favoreçam seu bem-estar e que ofereçam alívio genuíno para suas questões psicológicas”, afirma Roberta.
Ana acrescenta que participar de grupos de apoio, contar com o apoio da família e estabelecer limites financeiros rígidos, como bloquear o acesso fácil a dinheiro, são medidas que podem prevenir recaídas.
Papel do governo
A regulamentação e a fiscalização permitem maior controle sobre quais plataformas de apostas estarão disponíveis e estabelecem critérios para as propagandas que incentivam esse comportamento. “Isso é particularmente importante para aqueles que já enfrentam desafios financeiros”, afirma Ana.
Apesar disso, apenas alertar o usuário sobre esses riscos ou limitar o número de apostas é insuficiente para combater o vício. “Isso ocorre porque falta um entendimento mais profundo sobre os motivos que levam um indivíduo a apostar de forma compulsiva”, explica Roberta.
Ela enfatiza que não há uma quantidade de apostas considerada “segura” que possa garantir a ausência de danos, uma vez que cada pessoa reage de maneira diferente. Isso torna mais difícil encontrar uma solução generalizada.
A psicóloga Ana também observa que, mesmo com a fiscalização e regulamentação, não há garantia de que as pessoas não busquem alternativas de acesso por meio de outros meios de pagamento. “Por conta da dependência dos jogos de apostas, as pessoas sempre tentarão apostar de alguma forma”, garante.
É por isso que, na visão da profissional, essas medidas precisam ser combinadas com políticas de conscientização pública e um acompanhamento próximo da saúde mental desses indivíduos.