Seleção da França se destaca pela presença de descendentes de estrangeiros.
Paula Orling
Não é difícil notar que vários jogadores da Seleção da França fogem do padrão de europeu que conhecemos. Diferente dos loiros de olhos claros que é comum relacionarmos à Europa, muitos dos jogadores franceses são pretos.
Mas esta característica reflete a própria condição social do país. Em 2013, para se ter uma noção, 330.117 de estrangeiros viviam em Paris. Grande parte deles, provinda da África. Esta condição influencia diretamente a escalação da Seleção Francesa.
Grandes nomes do futebol francês atual se destacam pela origem africana. O atualmente lesionado Kanté, por exemplo, tem origem malesa. Já a estrela nesta Copa, Kylian Mbappé, também tem raízes na África; enquanto seu pai é camaronês, sua mãe é argelina.
BBB, o time miscigenado
Esta relação entre a Seleção da França e a África não é de agora. Desde a época do primeiro mundial do país, no Uruguai em 1930, a França chama a atenção pela presença de jogadores de origens diferentes de outros países europeus. Naquele ano, o elenco francês tinha dois jogadores argelinos. Um destes, Alexandre Villaplane, foi capitão do time francês.
Daí para frente, o país sempre contou com a participação de descendentes de estrangeiros em sua federação. 15 dos 22 jogadores franceses da Eurocopa de 1996 tinham origem estrangeira, quando foram apelidados de BBB (blanc, black, et beur – brancos, pretos e árabes, em português). Desde então, a França sempre teve a presença de descendentes de imigrantes defendendo o país.
O motivo
A grande razão para a presença de descendentes de imigrantes não apenas no time nacional, como também da sociedade francesa é simples: colonialismo. A França colonizou diversos países africanos; desde países do norte africano como Marrocos e Argélia, até da África subsaariana, como Guiné, Senegal e Costa do Marfim.
Esta dominação foi tão presente na relação entre França e o continente africano que a Alemanha entrou na jogada política. Isso porque ficou insatisfeita com a divisão dos territórios do continente, partilhados na Conferência de Berlim, em 1884. Este foi motivo, inclusive, para o início da Primeira Guerra Mundial.
A partir de então, as políticas públicas da França mudaram muito e, aos poucos, a distância simbólica entre colonizador e colonizado diminuiu. Assim, após as grandes guerras, muitos africanos migraram para a Europa, com o objetivo de reconstruírem o país e se estabilizarem socialmente.
No que tange ao futebol, o país também busca a integração de crianças e o mundo esportivo. Em 1970, a França criou um centro de treinamento com o objetivo de incentivar o futebol não apenas nas cidades grandes, mas também nas periferias. Deste modo, os filhos de estrangeiros, normalmente com baixas rendas, também passaram a ter contato com este esporte.
O lado feio da moeda
Mas nem todo o motivo para a presença de pretos da Seleção Francesa se dá pela busca dos africanos por oportunidades. Grande parte dos estrangeiros e seus descendentes que residem nas cidades francesas chegaram lá por causa do forte ciclo escravocrata.
Entre os séculos XVI e XIX, a França traficou, pelo menos, 11 milhões de africanos. Assim, a França demorou muitos anos para abolir a escravidão e, até lá, escravizados se estabeleceram no território. Após a Revolução Francesa e da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, o país aboliu a prática escravocrata.
Contudo, quando Napoleão Bonaparte tomou o país, reintegrou a escravidão no país, que só foi oficialmente erradicada em 1848. Mesmo assim, a libertação aconteceu várias décadas antes do Brasil, que permaneceu escravizando, com aval legal, até 1888.