A alienação pode ser uma realidade para idosos que não conseguem acompanhar o efeito dos avanços tecnológicos. Projetos podem auxiliar nessa inclusão.
Rayne Sá
A terceira idade é uma fase em que os idosos passam por mudanças tanto físicas como psicológicas, evidenciando que o processo de envelhecer nem sempre é fácil e, muitas vezes, marcado por incertezas. Pessoas que se encontram nesta faixa etária e, mesmo que já tenham construído sua trajetória, alcançado seus objetivos e adquirido lições de vida, dificilmente conseguem acompanhar as mudanças tecnológicas, uma vez que não possuem mais um desenvolvimento cognitivo como o de antes. Além disso, fatores como a falta de inclusão digital e políticas educacionais, colaboram para a alienação tecnológica dessas pessoas.
Inclusão
No Estatuto do Idoso está previsto no Art. 21 que “o Poder Público criará oportunidades de acesso do idoso à educação, adequando currículos, metodologias e material didático aos programas educacionais a ele destinados”. Neste sentido, a inclusão digital para idosos é um direito, assim como sua acessibilidade aos conteúdos.
A geriatra Poliana Amaro, que atua no Hospital Odilon Behrens, explica que a entrada dos idosos nesse meio é uma forma de integrá-los à sociedade. “Cada vez mais o mundo digital se expande e se torna um meio importante de interação interpessoal”, relata. Ao mesmo tempo em que ela enfatiza para as dificuldades que eles podem encontrar ao decidir se aventurar no mundo da tecnologia, como a compreensão do uso das ferramentas, os déficits sensoriais e a confiança na veracidade das informações acessadas.
A informática redimensionando as relações a partir dos 60 anos
Mesmo com as dificuldades existentes e a indiferença que é tratado o tema, em municípios como Santo Antônio da Patrulha, região metropolitana de Porto Alegre, projetos para incluir pessoas com mais de 60 anos de idade nessa nova realidade são realizados desde 2019. Os projetos dão a este público a oportunidade de desenvolverem suas habilidades com a tecnologia.
Como explica a coordenadora do Polo Universitário da cidade, Dilce Eclai de Vargas, houve uma grande demanda para que eles trabalhassem com idosos envolvendo atividades além de bingo e lazer. No início, a proposta era fazer com que esses idosos tivessem aula de português, história e matemática, mas logo foi substituída por um programa de Alfabetização Digital. “No primeiro dia que a gente abriu a inscrição para o projeto, tivemos todas as vagas preenchidas em questão de minutos e uma lista de espera muito grande. Nós conseguimos montar 5 grupos e matricular quase 100 pessoas”, conta. As aulas começaram com uma introdução ao mundo digital e, hoje, a maioria já trabalha on-line, possui e-mail e domina as ferramentas do Google.
A expectativa, inicialmente, era que os alunos realizassem as atividades presencialmente e fossem embora, mas o ensino foi para além da sala de aula. “Nós passamos 4 anos com 86 pessoas trabalhando em 5 grupos, sendo atendidos em um primeiro momento por profissionais voluntários, mas depois por profissionais da educação”, relata Dilce. Na pandemia, foi mantido um grupo com mais de 40 pessoas no ambiente online.
Os encontros do grupo acontecem em uma tarde por semana e são marcados por muitos aprendizados e trocas. “É mais do que uma aula, é um momento de encontro entre eles. Eles fazem um café, cada um traz a sua merenda especial, eles montam aquele café como um evento”, relata a coordenadora. O projeto busca suprir as dificuldades dos idosos e as curiosidades que eles têm acerca do universo digital. No momento, os pedidos são para aprender sobre Podcasts e Pix.
Abismo digital
Para o advogado Maugeri Santos, de 69 anos, a busca pela inserção nas novas tecnologias tem relação com a aceitação e a necessidade de dar continuidade em sua vida, tanto profissional como cultural, além de manter ativa sua participação social.
Afeito às mudanças, Maugeri buscou entender e se capacitar para obter os benefícios da tecnologia que estava a sua disposição. “No início, logo busquei me qualificar tecnicamente dentro das minhas necessidades diárias, adaptando meus conhecimentos básicos e, constantemente procurando manter-me atualizado,” afirma.
Mas essa nem sempre é a realidade de todos. Dejanira, de 83 anos, por exemplo, tem pouquíssimos conhecimentos e inúmeras dificuldades no uso das mídias. “Por este motivo, a minha relação com as tecnologias se restringem em fazer ligações e atendê-las. Como o meu conhecimento é pouco, sempre tenho que pedir ajuda pra familiares para funções simples, como: ler mensagens e salvar contatos. E não uso a internet”, desabafa.
São incontáveis as contribuições que as tecnologias podem oferecer no dia-a-dia, mas de acordo com a pesquisa O Abismo Digital no Brasil, realizada pela PwC/Instituto Locomotiva, idosos ainda fazem parte da população que está totalmente desconectada de seu uso.