O exame irá gradativamente substituir o papanicolau para detecção do vírus.
Gabrielle Ramos
O Ministério da Saúde começou a implementar um novo teste para detectar o câncer do colo do útero. Este será disponibilizado no Sistema Único de Saúde e, aos poucos, vai substituir o papanicolau para detecção do HPV.
Há quatro anos esse teste já é recomendado como exame primário para detectar o vírus pela Organização Mundial da Saúde (OMS). A tecnologia utilizada no SUS é produzida pelo Instituto de Biologia Molecular do Paraná, ligado à Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz).
O HPV é a infecção sexualmente transmissível (DST) mais comum no mundo. Um estudo realizado pelo Ministério da Saúde, por exemplo, evidencia a prevalência do HPV em 54,6% de uma amostra de jovens brasileiros entre 16 e 25 anos.
Como funciona o teste
A ginecologista Priscila Prebianca, especialista em ninfoplastia, explica que o teste de DNA para HPV é semelhante ao papanicolau, no momento da coleta, pois utiliza espéculo e escova para recolher células do colo do útero. A diferença está, entretanto, na análise laboratorial. “Em alguns lugares, já existe até a opção de autocoleta, em que a própria mulher coleta a amostra com um swab vaginal”, acrescenta.
O papanicolau identifica “pistas” deixadas pelo vírus ao verificar se as células do colo do útero apresentam alguma alteração, mesmo que mínima. Já o teste de DNA busca o próprio material genético do HPV, principalmente dos tipos mais perigosos. “É como se ele ‘achasse’ o vírus escondido lá, mostrando que ele está presente e ativo”, explica a ginecologista Flavia Menezes.
Resultado não é sentença
As médicas explicam que, caso o resultado do exame seja negativo, significa que o HPV não foi detectado. Isso indica um risco muito baixo de desenvolver câncer de colo do útero nos próximos anos.
Caso o resultado seja positivo, garantem que isso não significa que a mulher tenha câncer, mas sim que o vírus está presente e exige uma atenção maior. “Nesse caso, o próximo passo é fazer exames complementares, como a genotipagem ou uma citologia. Se houver alterações, a paciente é encaminhada para colposcopia, que é um exame mais detalhado do colo do útero”, detalha Priscila.
Flavia ressalta que, para pessoas sexualmente ativas, é muito comum contrair HPV em algum momento da vida. “Para a grande maioria, o sistema imunológico consegue eliminar o vírus naturalmente, e ele nunca causará nenhum problema sério. É como ter um resfriado: você pega o vírus, mas seu corpo se livra dele”, esclarece.
Já o risco de desenvolver câncer surge quando a infecção por tipos de alto risco, como 16 e 18, persiste por longos períodos.“ Quando isso acontece, ou quando aparecem alterações nas células, a conduta é investigar melhor com colposcopia e, se necessário, tratar as lesões antes que elas evoluam”, orienta Priscila.
Prevenção e tratamento do HPV
Nesses casos, as medidas são voltadas para a prevenção e o tratamento precoce de lesões. Flavia explica que se alguma área suspeita for identificada na colposcopia, uma pequena amostra de tecido pode ser retirada para análise laboratorial a fim de confirmar a presença e o grau de qualquer lesão pré-cancerígena.
Quando a biópsia confirma a presença de lesões nas células que poderiam evoluir para câncer, o objetivo é removê-las o quanto antes por meio da Conização por Cirurgia de Alta Frequência (CAF). O procedimento “é feito para tirar apenas a parte afetada do colo do útero, de forma delicada, visando preservar ao máximo a saúde do colo e não prejudicar futuras gestações”, explica a ginecologista Flavia.
Um exame mais objetivo
As médicas concordam que o teste de DNA-HPV é mais eficaz, pois é mais sensível e consegue identificar precocemente quem está em risco de desenvolver lesões. Isso ocorre porque o papanicolau depende da análise humana, que pode eventualmente não refletir a realidade. Já o outro, busca diretamente o vírus, sendo mais objetivo.
Elas também destacam que as implicações negativas desse exame não são físicas, mas emocionais e relacionadas ao acompanhamento. Receber um resultado positivo para HPV de alto risco pode causar ansiedade, mesmo que, na maioria dos casos, o vírus não provoque problemas graves.
As médicas afirmam que a implementação do teste de DNA do HPV é extremamente importante para o Brasil na luta contra o câncer de colo do útero. Priscila destaca que o país ainda registra muitos casos em estágio avançado, e esse exame ajuda a identificar o problema precocemente, quando o tratamento é mais simples e as chances de cura são maiores.
Além disso, a possibilidade de autocoleta pode aumentar a adesão e alcançar mulheres que não costumam realizar o exame preventivo. “Isso significa salvar vidas e reduzir desigualdades no acesso à saúde”, afirma Priscila.
Flavia cita exemplos de países que avançam na erradicação do câncer de colo do útero e que podem servir de referência para o Brasil. A Austrália e os países nórdicos já adotam o teste de DNA do HPV como método de rastreamento primário, aliado a uma ampla cobertura vacinal.
Desafios para ampliar o acesso em todo o país
O exame DNA-HPV estará inicialmente disponível nos estados que possuem serviços de referência em colposcopia e biópsia. A implementação começa em um município e depois será ampliada conforme finalização da substituição do método. A meta do Ministério da Saúde é que até dezembro de 2026, o rastreio esteja presente na rede pública em todo o território nacional.
Priscila afirma que a meta é possível, mas depende de organização. “Não basta só oferecer o teste, é preciso ter estrutura laboratorial, profissionais capacitados e principalmente garantir atendimento rápido para as mulheres que tiverem resultado positivo”, reflete.
Para Flavia, a meta é ambiciosa e desafiadora, pois existe a preocupação de que os profissionais talvez não estejam totalmente preparados para interpretar os resultados e orientar adequadamente as pacientes sobre o HPV de alto risco. “O HPV é uma infecção sexualmente transmissível (IST) que, infelizmente, ainda causa sentimentos de culpa, vergonha, medo e dúvidas sobre traição”, destaca.
Ela explica que isso acontece por falta de informação, já que o HPV é extremamente comum e pode ser adquirido e permanecer latente por décadas. “Para o sucesso da implementação, é importantíssimo investir em educação pública e treinamento humanizado dos profissionais, para que o teste seja uma ferramenta de prevenção e não de angústia”, afirma.