Uso da inteligência artificial na arte levanta debates

In Cultura, Geral

A trend de imagens com o estilo do Studio Ghibli gerou polêmicas sobre artista e máquina. 

Raíssa Oliveira

A trend de transformar fotografias pessoais em imagens de animação japonesa no estilo do Studio Ghibli, utilizando inteligência artificial, bombou nas redes sociais. A nova ferramenta geradora de imagens do ChatGPT foi responsável pelo surgimento dessa tendência, sendo uma atualização recente e integrada ao modelo do GPT-4. O impacto ao público foi imediato e a ferramenta conquistou um milhão de novos usuários em apenas uma hora, superando o recorde de cinco dias para atingir os mesmos números de quando foi lançada originalmente. 

Apesar de ser uma tendência aparentemente amável e inofensiva, foi fortemente criticada pelos artistas, reacendendo o debate sobre o impacto da inteligência artificial nos trabalhos artísticos e manuais. Uma das principais críticas gira em torno da apropriação indevida de estilos visuais sem o devido crédito ou autorização dos criadores originais. Mais que apenas um senso estético, o debate é ampliado para conversas profundas sobre autoria e ética na produção artística em tempos de inteligência artificial generativa, em que o computador pode replicar em segundos o que um profissional levou anos para desenvolver.      

Sobre o Studio Ghibli

O Studio Ghibli é um famoso estúdio de animação japonês fundado em 1985 pelos diretores Hayao Miyazaki, Isao Takahata e o produtor Toshio Suzuki. O estúdio venceu o Oscar duas vezes na categoria de Melhor Animação por “A Viagem de Chihiro” e “O Menino e a Garça”.

Em um vídeo de 2016 da série documental “10 anos com Hayao Miyazaki”, o co-fundador do Studio Ghibli afirma ser completamente contra o uso de inteligência artificial na sua arte, quando responde a um vídeo de um personagem monstro gerado usando prompts de texto. “Se você realmente quer fazer coisas assustadoras, pode ir em frente e fazer, mas eu nunca desejaria incorporar essa tecnologia ao meu trabalho”, cita e se declara totalmente enojado. 

O grande debate

Matheus Miranda é fotógrafo, comunicador e cineasta. Ele explica que a problemática dessa tendência é mais profunda do que parece, já que o Studio Ghibli é muito tradicional e utiliza técnicas antigas de animação, se importando mais com o processo de criação do que com a própria venda dos filmes. Miranda esclarece que “IAs vieram para acelerar esses processos para segundos. Utilizar elas especificamente para parecer com a estética de um estúdio que ainda desenha à mão e demora anos para produzir um filme é no mínimo um desrespeito”.

Leonardo Zillmann é estudante de Artes Visuais e lamenta as práticas de uso da inteligência artificial para trabalhos artísticos, caracterizando como um desrespeito ao artista e sua obra. “Quando alguém rouba o trabalho de outra pessoa é considerado plágio, é considerado feio, mas quando alguém manda um computador fazer isso, as pessoas normalizam”, menciona. 

O designer Valter Eleno ressalta que “os traços de um artista são assinaturas pessoais, não se trata somente do estilo que ele desenvolve sua comunicação visual, se trata também de uma leitura artística da sua personalidade. Não é apenas a representação de um estilo, mas uma digital do artista. O uso da IA sobre algo sem consentimento do seu autor é indevido”. 

Entrando em aspectos políticos, Miranda esclarece que OpenAI, dona do ChatGPT, trocou o software de criação de imagens para um novo, um muito mais potente e que é comandado totalmente dentro da ferramenta. A versão gratuita do ChatGPT utiliza dados dos usuários para melhorar os seus modelos e isso significa que imagens e dados pessoais podem ser usados para treinamento da inteligência artificial sem o consentimento explícito, diferente da versão paga que não utiliza dados dos usuários para esse fim, garantindo mais privacidade. 

Um terceiro ponto levantado por Miranda é sua preocupação com a sustentabilidade, tendo em vista que a alta demanda por imagens geradas pela inteligência artificial, impulsionada pela tendência das redes sociais, levou ao superaquecimento de servidores localizados nos Estados Unidos, exigindo milhares de toneladas de água para o resfriamento dos sistemas.

Responsabilidade humana 

Denisson Contardi é especialista em inteligência artificial e garante que o problema sempre foi e sempre será o fator humano. Em seu treinamento, humanos que expuseram algoritmos a comentários preconceituosos ou materiais de diferentes estilos. “Podemos nos educar, ter uma mentalidade ética, bom senso e, quando usarmos as ferramentas, desviar de questões que podem ser problemáticas”, menciona Contardi. “Ética na sua utilização e transparência por parte das empresas e usuários são essenciais na nova fase de produção de conteúdo”, ressalta.

“Arte feita por IA não é arte, de jeito nenhum pode ser arte se não foi feita por um artista. Eu acho que pode ser usada como ferramenta, mas as pessoas não usam e isso acaba criando essa desvalorização dos artistas e essa grandeza da inteligência artificial que é falha no que faz e é errada no que faz”, finaliza Zillmann e caracteriza como insulto à área que escolheu. 

Outras tendências

Depois do estilo do Studio Ghibli ter virado febre nas redes sociais, personagens da Turma da Mônica gerados pela inteligência artificial também circularam pela internet. Ainda que na tentativa de imitar as obras de Maurício de Souza, as imagens criadas através de comandos de usuários destoam muito dos desenhos originais. Outros estúdios renomados como Pixar e Disney também tiveram os seus trabalhos replicados pela inteligência artificial. 

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