Especialistas discutem sobre a revogação da lei de alienação parental e ONU faz pedido de alteração.
Natália Goes
Há poucos dias circulou um vídeo nas redes sociais em que uma criança grita e chora desesperadamente enquanto autoridades tentam entregá-la ao pai, o vídeo foi compartilhado até por famosos. A viralização foi o pontapé para retomar a discussão sobre a Lei de Alienação Parental(12.318/10), suas brechas e como os pais mal-intencionados podem utilizá-la. Mediante a repercussão, a Organização das Nações Unidas (ONU) entrou na discussão e fez um apelo para que a legislação seja alterada.
Sobre o caso
A psicóloga que analisou o caso confirmou os fatos e os abusos descritos pela criança por meio de laudo. Mas os dados foram avaliados e considerados inconclusivos, portanto, o juiz determinou que a guarda fosse dada ao pai.
As imagens gravadas pela mãe mostram quando a criança é retirada da escola para ser levada e entregue ao pai, que é investigado por agressões sexuais contra a filha. A criança chora, grita, fala que odeia o pai porque ele “faz pinto” e que não gosta “daquele leite”. A menina pede e implora para que não a devolva ao homem, que acusa a mãe de alienação parental – uma recorrência que acontece nesses casos.
Repercussão
No Twitter, os usuários ficaram revoltados e pediram a revogação da Lei de Alienação Parental.
Alguns deputados se posicionaram sobre o caso, como o deputado estadual da Bahia pelo PSOL, Hilton Coelho, a deputada federal de São Paulo, Sâmia Bomfim, e a deputada federal eleita pelo PC do B, Daiana Santos.
O caso reacende a discussão sobre a Lei 12.318/10, a qual no artigo 2º dispõe que “Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este”.
Peritos em direitos humanos da ONU, após a conclusão das eleições presidenciais, fizeram uma apelação ao novo governo do Brasil e emitiram a seguinte declaração:
“Hoje apelamos ao recém-eleito Governo do Brasil para que aumente os esforços para terminar com a violência contra mulheres e meninas, e apelamos ao fim da continuação da aplicação do conceito de alienação parental e de outros conceitos análogos em casos de violência e abuso doméstico, que penalizam as mães e as crianças no Brasil.”
A lei que está em vigor desde 2010 já sofreu diversas alterações por conta das críticas feitas por entidades da psicologia. Apesar das modificações, algumas entidades ainda defendem a revogação.
A lei é baseada na SAP- Síndrome da Alienação Parental criada pelo psiquiatra estadunidense Richard A. Gardner no início de 1980. Para ele, a síndrome refere-se a um distúrbio no qual uma criança gera de maneira contínua um sentimento de repúdio a um dos pais sem justificativa palpável, devido a doutrinação pelo outro progenitor.
Essa síndrome descrita pelo psiquiatra não é reconhecida como um distúrbio ou desordem mental pelas comunidades médica e jurídica, além de que pesquisas relacionadas a ela têm sido amplamente criticadas pela falta de validade científica.
O Conselho Nacional de Saúde (CNS) desaconselha a lei e recomendou, em 11 de fevereiro deste ano, a revogação do Projeto de Lei nº 7.352/2017, que visa alterar a Lei da Alienação Parental, e a revogação da própria lei. O argumento para tal, é que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é o dispositivo legal adequado para coibir abusos psicológicos. Por esse ponto de vista, a legislação sobre alienação parental seria dispensável.
Divergências
Na concepção da advogada Acácia Lelis, presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família do estado do Sergipe, a revogação da lei de alienação parental não seria uma possibilidade. Ela defende a lei e fala da importância da aplicação correta da mesma. “Não concordo com a revogação da lei de alienação parental, pois ela é uma realidade e a lei é um instrumento importante para enfrentar o problema. Ao meu ver, o que falta é a aplicação correta da lei. É necessário ainda difundir a importância da guarda compartilhada como instrumento que assegura o melhor interesse dos filhos. E que guarda não é posse”, afirma a advogada.
Em contrapartida, para a advogada Marta Moura, a lei deveria ser revogada, pois foi baseada em pressupostos não científicos ou clínicos. Ela comenta que para a proteção das crianças existe o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) e ainda afirma que a lei reforça estereótipos de gênero contra mulheres e principalmente meninas. “Enquanto as primeiras são constrangidas e perdem a guarda dos filhos ao denunciarem abusos sexuais contra os pais que cometem tais atos contra os infantes, especialmente do sexo feminino, as crianças ficam sem proteção”, explica.
Para ela, não basta modificar a lei, é preciso revogação. Além disso, sobre o papel da figura masculina nestas circunstâncias, a advogada defende: “o homem não é e nunca foi vulnerável nesta sociedade machista e patriarcal em que estamos inseridas.”