Sabryna Ferreira
Passarela para pedestres e carros, ponto de encontro e a única moradia dos desafortunados. Lugar de brincadeiras, diversão e histórias, hoje, a rua passou a ser temida por muitos e considerada sinônimo de insegurança. Em entrevista à ABJ Notícias, Eduardo Borba, Mestre em Arquitetura e Urbanismo pelo Mackenzie, fala sobre a relação entre os cidadãos e os espaços públicos – mais especificamente as crianças, que são as mais afetadas com o crescimento dos grandes centros e a falta de segurança que comprometem a liberdade de brincar quando e onde quiserem.
ABJ Notícias: Há 20 anos, como era a relação com a rua e com os espaços públicos?
Eduardo Borba: Há 20 anos, em 1997, a relação do público com a rua e os espaços públicos era diferente. Nessa época, as ruas no centro eram tomadas por muitos camelôs, o que dificultava o uso do espaço público. As primeiras ideias de renovação do centro de SP começavam através do Viva o Centro. Nos bairros, o uso era apenas para locomoção de pedestres e automóveis, com prioridade a esses últimos. O respeito aos pedestres era bem menor. A sensação de insegurança era maior nas ruas da cidade. Outro uso importante das ruas que existe há muito tempo são as feiras. Elas incentivam o uso da rua pela vizinhança do bairro. Nessa época, eu estava na faculdade de arquitetura do Mackenzie, que fica no centro da cidade. Andávamos muito por lá para conhecer os prédios modernistas e o próprio urbanismo da cidade. Nessa época também havia um declínio das moradias na área central da cidade, que é um fator de grande influência na sensação de segurança de um bairro. A situação está mudando; podemos ver as pessoas tomarem mais o espaço público. As ciclovias de domingo, os parklets, recuperação de praças pela vizinhança, o fechamento de avenidas aos domingos. As pessoas perceberam que perderam um espaço importante e estão retomando. O encanto do shopping center, que nada mais é do que a rua privada, acabou. Há 20 anos o shopping tomava o lugar das ruas. As pessoas iam muito mais ao shopping e o tinham como modelo de centro comercial ou rua de comércio.
ABJ : As ruas já foram o quintal de crianças que, hoje, já são adultos e idosos. Elas acabaram se transformando em grandes centros urbanos. O lugar que era palco de histórias e memórias virou lugar de passagem. A infância já teve ligação direta com a rua. Essa relação ainda existe? Como?
Borba: Para mim, eu sempre tive uma experiência bem particular. O bairro que moro e cresci desde minha infância, é o Brooklin Novo, na cidade de São Paulo. As pessoas sempre caminharam muito pelo bairro e toda a vizinhança se conhece. Eu brinquei muito na rua com meus vizinhos, ia sozinho à padaria, ao açougue e a papelaria com 10 anos. Era o clima de cidade do interior. Hoje em dia ainda conhecemos nossos vizinhos e andamos muito pelo bairro. O que mudou e deixou as ruas menos seguras para as crianças foi o aumento do trânsito. O excesso de carros, caminhões nas ruas, motoristas distraídos e apressados tira essa segurança para os menores e também para os idosos. Por outro lado, começam a surgir novos usos do bairro com eventos como feiras gastronômicas e culturais, que trazem as pessoas para a rua, mantendo a relação e o senso de comunidade. Agora, considerando a cidade de modo geral, eu acredito que esta relação esteja sendo retomada. Não temos mais a rua das brincadeiras, mas temos as ruas das feirinhas de bairro, as praças com eventos, o esporte do fim de semana. O programa das pessoas no fim de semana é na rua. Andar de bicicleta pelo bairro e pela ciclovia, passear na avenida fechada vendo artistas e pessoas, ir a feiras comer e comprar produtos. Essa nova forma de relação, condiz com o centro urbano, revive a memória dos adultos e cria uma nova memória nas crianças que vivem este momento.
ABJ: Que importância os espaços públicos têm para as crianças?
Borba: A importância dos espaços públicos para as crianças é principalmente aprender sobre o que é comunidade, vizinhança e diversidade. Na rua você convive com todas as pessoas, você percebe que há várias pessoas ao seu redor que também moram ao seu lado e aprende a zelar por esse espaço. Também acredito que seja importante que as crianças utilizem os meios de transporte públicos, aprender a viver na cidade e usufruir de suas facilidades, conhecer seus direitos como morador e exigi-los. A ausência desse convívio resulta nas crianças de condomínio, uma questão discutida hoje sobre as muitas crianças que jamais pisam na rua. Vivem em um condomínio onde tem todo o lazer, vão de transporte privado para a escola, para o clube e para o shopping center. Vivem em uma bolha que distorce a realidade. Normalmente essa vivência está atrelada aos pais que, por medo e falta de conhecimento, também vivem reféns dos espaços privados, devido à uma sensação de insegurança gerada pela mídia.
ABJ: Os espaços urbanos foram pensados para atender essa parcela da sociedade?
Borba: Se considerarmos que quase toda praça possui uma área de brinquedos infantis, eu diria que sim. Se entendermos que os espaços públicos cumprem os requisitos de acessibilidade exigidos pela lei, posso concluir que esses espaços estão preparados para receber o público infantil. O problema está no mal zelo do espaço público e na forma das pessoas encararem isso. Uma calçada mal cuidada, uma praça com mato alto, bancos e lixeiras quebrados, um poste com iluminação queimada, gera o ambiente que provoca a sensação de insegurança nas ruas. Quando todos usam as ruas de seu bairro, ninguém deixa sua calçada suja e mal cuidada e se deixar, a própria vizinhança exige que a pessoa arrume o local. Cabe a nós moradores tomarmos as providências necessárias. Chamar a prefeitura para arrumar um banco, uma lixeira, trocar uma lâmpada, e onde pudermos nós mesmos resolvermos, como limpeza e plantio em uma praça.
ABJ: Com medo da violência, muitos pais optam por não deixarem seus filhos saírem de casa. Isso gera uma mudança comportamental e, consequentemente, social. A arquitetura urbana atual colabora com isso? Como?
Borba: A arquitetura colabora em muito com isso. Em bairros de longos quarteirões sem comércio, caminhar pelas ruas se torna perigoso. Onde há quarteirões pequenos com casas e comércio misturados as pessoas caminham mais, conhecem seus vizinhos, encontram conhecidos e conversam. Isso tudo traz a sensação de segurança. Essa diferença pode ser notada nos diferentes bairros da cidade. Em alguns bairros você deixaria as crianças irem à banca ou à padaria. Os comerciantes conhecem os fregueses, assim como os vizinhos. Em outros nem sequer os adultos fazem isso.
ABJ: Que saídas podem ser propostas para assegurar a autonomia dos pequenos?
Borba: As melhores saídas são as mais simples, que poderiam ser facilmente aplicadas por toda a cidade. Posso numerar algumas como:
– Melhorar o desenho urbano das calçadas como a colocação de balizas nas esquinas, respeito à faixa livre de circulação;
– Ajuste de inclinações e guias rebaixadas conforme previsto nas normas de acessibilidade;
– Melhor sinalização vertical das travessias e implantação de faixas elevadas;
– Melhoria da visibilidade dos motoristas nas esquinas;
– Implantação de iluminação mais adequada à escala dos pedestres;
– Redução da velocidade permitida nas ruas e avenidas;
– A mais importante: melhor educação e conscientização dos motoristas e pedestrese incluir advertência ao pedestre infrator.
Acredito que estas medidas tornariam as ruas mais seguras não somente às crianças, mas a todas as pessoas.