João Vitor Bogas é coordenador de marketing do Hand Talk há dois anos e meio. A proposta do aplicativo é promover a inclusão entre surdos e ouvintes por meio da tradução da Língua Portuguesa para a Língua Brasileira de Sinais. Em celebração ao Setembro Azul, mês da pessoa surda, a entrevista comenta um pouco a trajetória e impactos do software premiado pelo Google e ONU por seu impacto social.
Ana Clara Silveira: Como surgiu a ideia e desenvolvimento?
João Bogas: O Hand Talk foi uma ideia do Ronaldo Tenório, nosso CEO atualmente. Ele pensou nisso para um projeto de faculdade. Como estudava comunicação, precisava desenvolver uma ferramenta inovadora de tecnologia e por um plano de comunicação em prática. Ele decidiu fazer algo que pudesse ter impacto social e fosse voltado para pessoas com deficiência. Ao pesquisar, percebeu que as pessoas surdas não tinham muita tecnologia assistiva à disposição, caso diferente das pessoas cegas que tem leitores de tela disponíveis.
Isso aconteceu em 2008, quando ele estava na faculdade. A ideia de fazer um tradutor que fizesse essa intermediação da comunicação em português e Libras entre surdos e ouvintes foi o primeiro rascunho do que seria o Hand Talk. A ideia ficou guardada por alguns anos, até que, em 2012, houvesse a associação ao Carlos Wanderlan e Tadeu Luz, outros dois fundadores da startup, que auxiliaram na efetivação do projeto. Eles foram premiados em um desafio de startups em Maceió e receberam investimento para colocar a empresa em funcionamento, de fato. Em 2013, o projeto também foi premiado pela ONU como melhor aplicativo social do mundo e tem evoluído para outros produtos.
AS: Como o aplicativo funciona?
JB: O aplicativo da Hand Talk funciona como dicionário de bolso. Você pode traduzir mensagens de texto ou de voz de português para Libras. Quem faz a tradução é o Hugo, nosso intérprete virtual – o personagem em 3d que interpreta esses textos. O aplicativo tem algumas sessões de educação interessantes, como, por exemplo, o #HugoEnsina que tem vídeos do personagem ensinando grupos de sinais, como saudações, verbos, supermercado, animais e frutas. Além disso, a função dicionário é onde você pode consultar vários sinais como alfabeto, cores e números com as explicações da origem.
AS: Quais impactos sociais já têm sido vistos?
JB: Hoje, a Hand Talk tem mais de dois milhões de downloads e percebemos que o principal impacto que causa é quebrar a barreira de comunicação entre surdos e ouvintes. Grande parte dos usuários do aplicativo são surdos, e o utilizam para aprender a Língua Brasileira de Sinais. Mas, também, boa parte é composta de ouvintes, entre familiares, amigos do surdo, intérpretes de Libras e professores que estão se mantendo atualizados com os sinais, ou ainda ouvintes interessados em aprender mais sobre a língua para poder se comunicar com os surdos.
AS: Por que facilitar o diálogo entre surdos e ouvintes é um passo importante para a inclusão?
JB: Os surdos hoje vivem como estrangeiros na própria terra no Brasil. Eles se comunicam em uma língua pouco difundida, que, apesar de ser a segunda língua oficial do nosso país, não é aceita por muitos. Além disso, a falta de acessibilidade cria barreiras para a comunicação e acesso a informação dos surdos. Quando facilitamos essa conversa, incentivamos ouvintes a aprenderem Libras, ou seja, se quebra essa barreira e o acesso a diversos aspectos da vida social passa a ser permitido aos surdos. Assim, informação na internet, principalmente, se torna possível, e representa um grande passo para chegar à inclusão.
AS: Que reações se perceberam na comunidade surda após o desenvolvimento do projeto?
JB: Temos uma receptividade muito grande da comunidade surda. Como comentei, são mais de dois milhões de downloads do aplicativo que comprovam a aceitação da proposta. O Hugo é um embaixador da acessibilidade em Libras. Muitos surdos são fãs dele, justamente por ser um personagem bastante amigável e que constrói uma relação de proximidade com a comunidade. Isso é fundamental para agregar ao nosso aplicativo e deixar a tradução com uma qualidade melhor. Dessa forma, a comunidade surda pode ser fã, interagir com o personagem e divulgar.
AS: Como o Hand Talk tem sido impulsionado para alcançar novas pessoas?
JB: Temos trabalhado com dois produtos. Além do aplicativo gratuito que funciona como dicionário de bolso, temos um tradutor de sites – um pluggin comercializado para organizações tornarem seus sites acessíveis em Libras.
Ele traduz conteúdo de texto e o conteúdo das imagens que tem descrições alternativas para Libras, o que possibilita que o surdo tenha acesso prático. Um dado da Federação Mundial dos Surdos aponta que 80% dos surdos no mundo tem baixo nível de escolaridade, dificuldades com as línguas orais de seus países e condições de vida caótica, o que dificulta o acesso a informação. Assim, a gente amplia a acessibilidade na internet, possibilitando o acesso a informações de diferentes sites.
Nesse ano, lançamos a função dicionário no aplicativo, em parceria com a fundação Lemann. Foi a maior catalogação de sinais educativos do Brasil com o auxílio de professores, educadores e intérpretes de todo país.
Recentemente fomos aprovados em um programa chamado Google AI Impact Challenge, um desafio de inteligência artificial do Google que investiu 25 milhões de dólares em organizações de todo o mundo que utilizam a inteligência artificial para impacto social. A Hand Talk foi a única brasileira da lista. Receberemos um valor de 750 mil dólares, em média 3 milhões de reais, para investir na inteligência do Hugo, para que consiga ter tradução automática cada vez melhor.
AS: O Setembro Azul é um mês importante de conscientização sobre surdez. Que ações a Hand Talk tem promovido relacionadas a isso?
JB: No mês de setembro, lançamos uma campanha que se chama “Você escuta?”. Criamos personagens e mostramos o dia a dia de diferentes pessoas surdas, para comprovar que a deficiência não define essas pessoas.
Gostamos de fazer essa inversão de falar que a deficiência está em quem não está atento em saber sobre os surdos e sua cultura. Dessa forma, perguntamos aos ouvintes: “Você escuta?”, ou ainda, “Você enxerga a riqueza da cultura e comunidade surda?”. Enfatizamos como essas pessoas tem vidas incríveis e fazem coisas inacreditáveis. Lançamos recentemente um teaser e cinco vídeos contando essas histórias.
Dentre os personagens, temos o Léo Castilho, educador no Museu de Arte Moderna de São Paulo. Além dele, a Catharine Moreira como poeta. A ideia é trazer pessoas influentes na comunidade surda e fazer essas ações.
AS: O aplicativo recebeu o prêmio Desafio Google de Impacto. Que mudanças isso ocasionou para a startup?
JB: Além do Google IA Impact Challenge, estamos investindo em inteligência artificial. Por conta disso, nosso time dessa área está participando de monitorias com o Google. Participamos de algumas nos EUA, e, recentemente, em Londres. Isso ajudou a estruturar alguns avanços na nossa máquina de tradução e em breve lançaremos novidades.
AS: Como surdos podem auxiliar os ouvintes no uso do aplicativo?
JB: A maior ação que usuário da Hand Talk pode fazer é divulgar o aplicativo, uma vez que ele tem a versão gratuita e pode ser baixado por qualquer pessoa nas lojas de aplicativo. Ele é bastante intuitivo. É possível aprender muita coisa, e o mais importante é quebrar a barreira de comunicação.
Não importa o nível que a pessoa conheça de Libras, o válido é sempre desconstruir o preconceito e tentar se comunicar com as pessoas da forma que for possível. Isso aproxima surdos e ouvintes e faz com que a barreira linguística de comunicação seja desfeita.