Das ruas para dentro de casa: o ciclismo na telinha

In Ciência e Tecnologia, Esportes
Os esportes online cada vez mais ganham espaço nos lares.

Tecnologia une a prática esportiva à socialização virtual

Ana Clara Silveira

A sensação de liberdade sobre duas rodas faz o coração acelerar. Como milhares de pessoas, Dani Genovesi é apaixonada pelo ciclismo e não abre mão dos treinos diários. Mesmo sendo casada, mãe de três filhos, professora e palestrante, a profissional de educação física tem uma rotina equilibrada e garante que administrar o tempo não é um problema. Em meio as belas paisagens de Idaho, nos Estados Unidos, ela encontra a tranquilidade que precisa para manter corpo e mente preparados para os desafios.

No entanto, nem sempre a atleta esteve nessa modalidade. Dani praticava Jiu Jitsu boa parte do tempo, mas as aulas indoor ou spinning – uso da com bicicleta ergométrica para exercícios intensos – despertaram seu interesse. Seu estilo de vida disciplinado com treinamento e preparação trouxe resultados expressivos. Ela compete há mais de 10 anos e tem premiações internacionais, sendo por quatro vezes campeã mundial do ultraciclismo como representante brasileira.

Mais que isso, Dani já fez um percurso maior do que a distância entre o norte e sul do Brasil. “A maior distância de bike foi na Race Across America, que foram 4.860 km pedalando dia e noite por 10 a 12 dias”. Ela completou o trajeto duas vezes, sendo que em 2009 levou 11 dias e em 2019 reduziu o tempo de prova para 10 dias.

As conquistas impressionavam e tinham projeções de continuarem, mas com a pandemia e a necessidade do isolamento, a frustração com eventos desmarcados e cancelados foi inevitável. Além disso, as dificuldades para treinar fora se acentuaram. Dani confessa que seu treino sempre teve um objetivo bem definido. “Na minha cabeça, eu ainda treino para uma competição ou desafio, mas como os eventos esportivos cessaram, fiquei bastante perdida”, conta.

Novas possibilidades

Foi nesse cenário que a ciclista retomou com mais frequência o uso do rolo de treino smart. O equipamento tecnológico que antes funcionava como alternativa para os treinos se tornou uma solução para manter a rotina e disciplina. A estrutura de metal faz com que a bicicleta fique apoiada em um suporte e, dessa forma, o pneu dianteiro permaneça sustentado no ar, sem atrito com o chão. Além disso, por meio de aplicativos e sensores, o ciclista consegue reproduzir dificuldades que teria em percursos reais.

Apesar de reconhecer que não é igual a experiência de estar nas ruas, Dani assume que há outras vantagens para o exercício em casa. “Praticidade, otimização do tempo, segurança e controle de resultados”, resume. Além disso, a socialização não fica de lado. Com outros amigos, já fez vários simulados e longas corridas compartilhando as aventuras, ainda que sem o vento das ruas no rosto.

Precisão do online

Dani não é um caso único. Outras pessoas perceberam que era possível adaptar a prática esportiva intensa ao ambiente de casa e manter a socialização. Mais do que isso, os treinos estruturados funcionam melhor com rolos de treino.

Quem explica o porquê é o treinador e nutricionista Renato Marinho. “Com sistemas controláveis, os rolos atuais sincronizam com os mais diversos dispositivos de treinos, trazendo assim maior precisão nos ajustes de carga para a execução perfeita dos treinos estruturados”, esclarece. Além desse aspecto, ele reforça que não existem interferências externas como trânsito, chuva ou frio, e isso pode potencializar o desempenho em eventos e competições.

Especialmente para o ciclismo que cresceu na pandemia – tendo em vista que academias e clubes permaneceram fechados por um período –, os rolos de treino com possibilidade de interação em softwares ganharam repercussão entre atletas e amantes das bikes, principalmente por se assemelhar a um videogame.

Renato ainda aproveita as trilhas de Minas Gerais para seus treinos ao ar livre. Mas sabe que na telinha do seu celular encontra desafios que valem a pena. Embora não tenha usado a alternativa para competições, o treinador assegura que o esporte online é possível. “Faço o uso do equipamento para treinos indoor na impossibilidade de treinos outdoor, ou mesmo em alguns treinos específicos onde a execução fica mais controlada, minimizando erros”, reforça.

Aplicativos que aproximam

Foi por meio das plataformas online que Renato percebeu a oportunidade de “participar de provas, eventos, passeios em grupos de amigos, seja no próprio país ou mesmo em trajetos famosos de grandes competições”. Tudo isso sem sair de casa.

O aplicativo Swift possibilitou isso também para o sueco Johan Mölleborn. A combinação perfeita entre esportes e mundo virtual permite que os usuários da plataforma pratiquem exercício, participem de comunidades em realidade aumentada e ainda avancem de fases.

O avatar escolhido pelo ciclista participa de competições em todo o mundo com rotas alternativas, amigos interativos e outras possibilidades. Com a ajuda desse projeto, Johan percorreu longas distâncias, inclusive em grupo. Ele trabalha com vendas, mas não esconde sua paixão pelo esporte, online ou não. Sua prática começou já pelas montanhas da Suécia. “Mountainbike is fun”, declara.

No inverno, seu uso do aplicativo é ainda mais intenso. A motivação de estar em grupo e ver seu progresso o leva a novas tentativas. O rolo de treino não passa despercebido nas fotos que ele compartilha nas redes sociais, aumentando a interação que ele pode ter com outras pessoas.

Compras a todo vapor

Além dos praticantes do ciclismo nas ruas, como Johan, grupos que não eram tão aficionados pelo esporte também manifestaram interesse pelo ciclismo em casa. A prova disso foi o crescimento exponencial de compras dos rolos de treino. A loja de esportes “Bike for Life” de Indianópolis, São Paulo, é especializada em ciclismo e tem quase 35 mil seguidores no Instagram.

A assessoria da marca conta que a compra de equipamentos para exercícios em casa deu um “boom gigantesco”. Como muitas pessoas tiveram receio de pedalar na rua, “os rolos de treino tiveram mais espaço para serem descobertos por quem nem se importava tanto com temas de esportes”. Mais do que isso, a loja instrui seus seguidores com dicas para cumprir as rotas com mais tranquilidade e incentiva a desconstruírem tabus.

No entanto, os sensores e acessórios para tornar a experiência mais próxima da realidade não são tão acessíveis financeiramente. A compra de um rolo de treino smart que permite inúmeras conexões não está abaixo de três dígitos e pesa no bolso. Para o bolso de muitos, o valor ultrapassa qualquer possibilidade de aquisição.

Apesar disso, a empresa assegura o crescimento da demanda, principalmente para associação com o aplicativo Swift. A alta procura resultou na escassez de opções em muitas lojas, que inclusive já pode ser percebida pelos clientes em São Paulo e outros estados. Apesar da falta de opções, diversas pessoas mudaram o estilo de vida mesmo em meio a pandemia e muitos, inclusive, aproveitam para expor as conquistas.

Estilo de vida

Carolline Guglielmi, também conhecida como Gugli, compartilha diariamente sua rotina e busca por um estilo de vida saudável. Desde criança, ela praticou muitos esportes influenciada por sua família. A alimentação equilibrada fazia parte da rotina, mas foi apenas depois de um intercâmbio – quando perdeu o controle de alguns hábitos – que decidiu melhorar sua qualidade de vida definitivamente.

O spinning era uma modalidade que ela já tinha afinidade e com os estúdios fechados, o rolo de treino surgiu como uma oportunidade para que ela e o pai compartilhassem os benefícios dessa compra. A paulista conta que ia bastante na academia fazer musculação e tinha começado a ir no estúdio de funcional. “Treinava muito pouco em casa, mas mudei tudo. Agora comecei a aproveitar mais a mini academia que tenho em casa”, explica.

Gugli trabalha com moda e aderiu ao home office. A nova realidade trouxe à tona os treinos online com novos modelos de interações em virtude do distanciamento social. “A gente quer se aproximar do jeito que dá”, confessa. Ela reforça que utiliza aplicativos como o “Just Run Club”, que simula uma academia com diversos treinos e percebe que se adaptou bem a rotina.

Embora não tenha participado de competições de esporte online, Gugli não descarta a ideia. “Vi que tiveram algumas competições online, mas não sei se eu iria gostar tanto porque precisa de bastante foco, mas seria legal”, comenta entre risos.

Assim como Gugli, outras pessoas no Brasil e no mundo têm buscado alternativas para aumentar as interações mantendo a segurança nos treinos em casa. Os aplicativos e a tecnologia dos equipamentos aproximaram a experiência em casa da realidade das ruas. A campeã de ultraciclismo pelo Brasil Dani Genovesi finaliza: “Praticar exercícios era tudo que tínhamos para nos manter fortes e saudáveis no físico, mental e emocional”.

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