Cuidado com saúde mental é um dos principais motivos para a desistência em campeonatos e aposentadoria da profissão.
Gabrielle Ramos Venceslau
A pressão por resultados e desempenho tem levado esportistas a se afastarem de suas profissões. A tenista Ashleigh Barty, número 1 no ranking WTA, por exemplo, anunciou sua aposentadoria do esporte aos 25 anos. Nem todos os casos levaram a desistência, porém, as pausas e buscas por ajuda profissional têm se tornado frequente entre os atletas.
Em estudo feito por pesquisadores brasileiros, aprovado pelo Comitê de Ética da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), 80% dos entrevistados já declararam ter sintomas de depressão, ansiedade, insônia ou estresse. Isso mostra como a pressão psicológica no esporte traz impactos negativos na vida do atleta, ocasionando um desempenho fora da expectativa em competições.
Casos Recentes
Ashleigh Barty, tenista australiana, aposentou-se precocemente aos 25 anos. Ela afirma via Instagram: “Não tenho a motivação física, a emoção, a vontade, tudo que é necessário para se desafiar até o topo. Apenas sei que estou cansada. Fisicamente, não tenho mais nada a dar”, apenas disso ela diz estar feliz pois sabe que deu tudo o que tinha ao tênis e para ela esse é o verdadeiro sucesso.
Nas Olimpíadas de 2020, a ginasta Simone Biles desistiu de participar das finais das modalidades que concorria para se resguardar diante da pressão exercida pelos jogos. Em entrevista à imprensa, ela disse: “Temos que proteger nossas mentes e corpos, não é apenas ir lá [competir] e fazer o que o mundo quer que façamos. Nós não somos apenas atletas, no fim do dia nós somos pessoas, e às vezes temos que dar um passo atrás”.
O holandês Tom Dumoulin, deixou os treinamentos em janeiro de 2021, colocando em risco a continuação na carreira de ciclista. Pois,segundo ele, precisava “esfriar a cabeça”. Essa pausa não durou cinco meses, mas aparentemente fez bem, uma vez que ele levou a medalha de prata no ciclismo de estrada masculino das Olimpíadas de Tokyo.
Pressão para o atleta
O esforço necessário para que um atleta se torne profissional é enorme e começa desde a juventude, relata o professor de Educação Física Henrique Silva. De modo geral, eles abdicam de muitas coisas para melhorar o seu rendimento na modalidade que competem.
Assim, a pressão sofrida desde o início da carreira pode desencadear problemas para a saúde mental dos atletas, tais como ansiedade, estresse e autocobrança excessiva. A Psicóloga do Esporte e do Exercício Físico, Kelly Oliveira, comenta que “quando o nível de ansiedade aumenta, o nosso cérebro se comporta de uma maneira que prejudica a nossa atenção e concentração”.
Por isso, quando as questões emocionais não recebem a atenção necessária, podem “levar à depressão e/ou abandono do esporte”, de acordo com a psicóloga do esporte Thayz Sousa.
Além disso, com o advento das redes sociais os atletas passaram a ficar muito mais expostos. Relação que pode ser benéfica, quando o atleta está em uma ótima fase, possibilitando uma melhor visibilidade para a sua modalidade e patrocinadores. Porém, pode ser prejudicial, quando os “haters”- internautas que começam a atacar no mundo virtual – vão aos perfis para criticar e difamar.
O professor Eduardo Campos, licenciado em Educação Física, aponta que o preparo emocional é fundamental, não sendo relevante apenas a parte física dos atletas. “As seleções de alto nível têm psicólogo, pois isso é importante para o desempenho”, ressalta.
O outro lado
Os atletas profissionais sofrem pressão diariamente e a maioria possui uma autocobrança que amplia os sintomas, desestabilizando a saúde mental. Leonardo Mendes, de 17 anos, que treina salto em distância no Centro Olímpico de Treinamento e Pesquisa Marechal Mário Ary Pires (COTP), diz que no começo da carreira sempre teve um pouco de ansiedade antes de competir e que isso acabava o pressionando.
Ele diz que muitas vezes não conseguia realizar nenhum salto corretamente por se sentir pressionado. “Isso me machucava bastante, porque eu treinava muito para conseguir um bom resultado”, relata.
Eugênio Flávio, ex-goleiro do América-RN, foi jogador de futebol desde criança, iniciando sua carreira nas categorias de base aos 10 anos de idade e perdurando por mais de 15 anos como profissional. Com os clubes se tornando empresas e a mídia cada vez mais integrada ao esporte, as cobranças também aumentaram. “Claro que isso pesa muito nas costas do atleta”, diz.
O preparo psicológico deve vir acompanhado de outros cuidados com a saúde. “Além de tratamentos, os esportistas devem cuidar dos hábitos de rotina, como não dormir tarde, alimentar-se bem, não consumir bebidas alcoólicas ou drogas”, diz José Ângelo, jogador profissional por 20 anos em clubes como América-RN, Náutico e Goiás.
Mas, a mudança no futebol nesses últimos anos desenvolveu um cuidado muito especial com o atleta. De acordo com Eugênio, atualmente os times possuem um vasto número de profissionais voltados à recuperação física e psicológica dos atletas desde as categorias de base.
Em geral, os atletas têm maior solidariedade entre si por saberem se colocar no lugar daqueles que passam por situações parecidas. Isso desmistifica o fato que por treinarem muito, eles têm a obrigação de ganhar.
Assim, torna-se cada vez mais normal a procura por ajuda psicológica e afastamento temporário ou permanentemente dos esportistas, visando a melhoria da qualidade da saúde mental. “O futebol, como qualquer outro esporte de alto rendimento, exige muito do atleta. Cabe a ele saber suportar bem a pressão externa e procurar fazer o seu melhor dentro de campo”, explica Eugênio.