Proibição de uso do celular na escola divide professores e alunos

In Educação, Geral

28% das escolas públicas e particulares proíbem o uso de celulares na sala de aula.

Davi Sousa

O uso de celulares nas salas sempre foi um desafio para os educadores de todo o mundo, mas nos últimos meses vem se intensificando esse debate, principalmente após o Ministro da Educação, Camilo Santana, dizer que um projeto de lei está sendo desenvolvido para que o uso de celular em salas de aula seja proibido tanto no ensino público quanto no particular. Segundo a pasta, o projeto será apresentado no Congresso Nacional ainda em outubro.

“Nós estamos trabalhando na elaboração de um projeto de lei porque, na nossa avaliação, uma ‘recomendação’ seria muito frágil. Nosso objetivo é oferecer às redes de ensino segurança jurídica para que possam implementar as ações que estudos internacionais já apontam como mais efetivas, no sentido do banimento total”, afirmou Camilo Santana, ao jornal Folha de S. Paulo.

No final de 2023 a Organização das Nações Unidas (ONU) se mostrou muito preocupada com o uso excessivo de celulares nas escolas. Ela relatou que essa proximidade pode prejudicar o aprendizado e o entendimento já que hoje os jovens não vivem sem os smartphones. 

Em países como França, Holanda e Itália essa lei já está em rigor ou em implementação. Na China o uso dos celulares nas escolas está a rigor há pelo menos três anos. Nos Estados Unidos varia de estado para estado, como a Flórida que foi o primeiro a adotar a medida.  

Essa decisão não agradou toda a comunidade educacional. Alguns críticos dizem que a maioria das escolas enfrenta problemas sérios com infraestrutura, como falta de internet e ausência de salas com computadores que comportem as turmas. Nesse cenário, o uso do celular dos alunos pode ajudar no acesso a conteúdos pedagógicos.

Celulares como ferramenta de inclusão digital

Em um país onde mais de 18 milhões de estudantes da educação básica estão matriculados em escolas públicas, a infraestrutura tecnológica é um problema evidente. De acordo com dados do O Globo cerca de 42% das escolas públicas brasileiras ainda não possuem internet de qualidade ou laboratórios de informática bem equipados. Nessa realidade, o celular não é apenas um acessório de distração, mas muitas vezes o único recurso disponível para o acesso ao conhecimento.

Linei Nielsen, psicopedagoga, expressa preocupação com a medida. “O uso do celular afasta o relacionamento entre professores e alunos, pois cria uma barreira de tempo e espaço, já que o celular oferece rapidez e interação simultânea, enquanto o professor está vivenciando a aprendizagem em tempo real”, pontua.

Ela continua dizendo que o ensino básico exige trabalhar as competências socioemocionais da criança, sua autonomia e, principalmente, seus valores. “Com a proibição do uso do celular nas escolas, cria-se um estereótipo de autoritarismo, e nem professor nem aluno gostaria de viver em um ambiente onde não haja liberdade e, principalmente, consenso mútuo para o aprendizado verdadeiro acontecer”, acredita.

Proibição aumenta a concentração ou cria novas barreiras?

Estudos internacionais, como o relatório publicado pela Organização das Nações Unidas para a Educação e Ciência, UNESCO, de 2023, apontam que o uso descontrolado de celulares em sala de aula está diretamente ligado à queda de rendimento dos alunos. Em países onde a proibição foi implementada, como a França, houve uma melhoria nas taxas de concentração e desempenho acadêmico, especialmente entre estudantes mais jovens.

Para o sociólogo e professor Douglas Barraqui, o problema central está na falta de educação sobre o uso das tecnologias. Segundo ele, a tecnologia não é boa nem má por si só, mas a forma como a utilizamos é que faz a diferença. “O grande problema dos jovens hoje é que não são ensinados, nem na escola nem em casa, a usar essa ferramenta fantástica que é o celular de maneira eficiente”, afirma Barraqui.

Ele também percebeu uma mudança no comportamento dos alunos após a pandemia. Antes, não precisava pedir para os alunos de pré-vestibular guardarem seus celulares. Hoje, isso se tornou comum, com alunos distraídos durante momentos importantes de preparação para o Enem. Ele destaca que esse comportamento é prejudicial tanto para os professores quanto para as famílias, que investem na educação dos filhos.

Barraqui defende que o problema não é o celular, mas a falta de orientação. “Em vez de proibir o uso, os alunos deveriam ser educados a usá-lo de forma produtiva. O celular oferece ferramentas importantes para o aprendizado, como aplicativos de edição de vídeo e recursos de pesquisa, mas falta um direcionamento sobre seu uso eficiente”, explica o professor. 

Concluindo, ele afirma que a uma solução seria a introdução de uma disciplina eletiva no ensino médio, focada no uso das telas e redes sociais para fins educativos, em vez de simplesmente proibir o aparelho.

A visão dos estudantes e o futuro da educação digital

A discussão sobre a proibição do uso de celulares em sala de aula divide opiniões entre os estudantes. De um lado, muitos reconhecem que o aparelho pode desviar a atenção, mas, ao mesmo tempo, o veem como um recurso essencial para o aprendizado. “Uso o celular para pesquisar, tirar fotos do quadro, acessar vídeos explicativos. Ele me ajuda a estudar de forma mais rápida”, fala Vinicius Luz, estudante do terceiro ano do ensino médio de uma escola pública em São Paulo. 

Para o estudante, o celular é uma extensão dos materiais didáticos tradicionais, trazendo acesso a conteúdos complementares que nem sempre estão disponíveis nos livros ou na sala de aula.

Mas por outro lado o uso frequente do celular também levanta preocupações de outra parte dos estudantes. Gabriela Cunha, também aluna do terceiro ano do ensino médio, admite que, embora o dispositivo ofereça vantagens, ele pode facilmente se transformar em uma armadilha para a distração. “Quando o celular está na mão, a tentação de checar mensagens ou redes sociais é grande. Acabamos perdendo o foco nas aulas e isso afeta nosso rendimento”, relata. 

Para os educadores o  futuro da educação digital parece caminhar para um uso mais consciente da tecnologia em sala de aula. Enquanto alguns acreditam que é preciso restringir o acesso para manter a concentração dos alunos, outros defendem a integração inteligente dos dispositivos móveis ao currículo. “Essa nova era da educação exige não apenas ferramentas digitais, mas uma nova forma de ensinar e aprender, na qual o equilíbrio entre inovação e disciplina se torna essencial”, conclui a psicopedagoga Linei Nielsen. 

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