O filme traz reflexões sobre o tratamento de diabetes, o que nos leva a pensar em como o Brasil seria sem um sistema público de saúde.
Sâmilla Oliveira
Você já se imaginou “casando por conveniência”? Aquele tipo de casamento em que “se tiver amor, que bom! Mas o que importa são os benefícios”. Parece que estamos falando daqueles casamentos arranjados pelos pais dos tempos antigos, não é? Mas… não. Esse foi o drama narrado no filme “Continência ao Amor”, de Elizabeth Rosenbaum. O filme foi inspirado em um livro de Tess Wakefield e conta a história de uma garçonete aspirante a cantora que sofre com diabetes e, para conseguir sobreviver, se casa com um jovem soldado do exército americano para obter benefícios.
No filme, Casey tem diabetes tipo 1, uma doença autoimune caracterizada pela produção insuficiente de insulina (hormônio que controla a quantidade de glicose no sangue após a alimentação). Em determinado momento, seu estoque de medicamentos acaba e o sistema não pode disponibilizar mais, a não ser que ela realize a compra. Casey se vê afundada em dívidas, com o aluguel atrasado e precisando arrumar dinheiro para comprar uma medicação caríssima.
O romance
A partir daqui, caro leitor, alertamos spoiler! Certa noite, a garçonete reencontra seu melhor amigo de infância enquanto trabalha em um bar. Uma amiga comenta com ela sobre os benefícios financeiros de ser casada com alguém do exército e isso desperta em Casey a ideia de propor um casamento ”fake” ao seu melhor amigo, Frankie. Ele nega, alegando que sua namorada não iria aceitar tranquilamente o fato de ele ter uma esposa.
Enquanto isso, Luke, outro amigo do pelotão, está escutando a conversa. Ele lembra que também está com problemas financeiros e se arrisca a entrar no “casamento de mentirinha”. Se desse certo, ele sanaria suas dívidas recebendo salário maior por ser um soldado casado e ainda salvaria a vida da menina. Se fossem descobertos, poderiam ser presos por fraude.
Como todo bom filme clichê da Netflix, o casal que se casou por interesse na oportunidade, se apaixona. O “casamento de mentirinha” passa a ser não tão falso assim, mas é tarde demais. Alguém do passado de Luke denuncia o cenário e o galã do exército é exilado por seis meses.
A falta de um sistema público de saúde é o gostinho que sempre aparece nos roteiros dos filmes americanos. A protagonista cometeu um crime para conseguir sobreviver em meio a condições delicadas da doença.
Vida real
Você deve estar se perguntando por que estamos falando sobre um sucesso aleatório da Netflix aqui. “Continência ao amor” faz pensar sobre o quão elevado o custo do tratamento médico para diabetes é. Percebe que por não ter dinheiro suficiente, nessa história, alguém teve que se casar só para conseguir um plano de saúde? Visualizando o Brasil, tecnicamente, isso nunca aconteceria, graças ao Sistema Único de Saúde (SUS).
De acordo com a Secretaria da Saúde, o SUS “oferta gratuitamente, já na atenção básica, atenção integral e gratuita, desenvolvendo ações de prevenção, detecção, controle e tratamento medicamentoso, inclusive com insulinas”. Isso significa que, no Brasil, ninguém precisa de um casamento de fachada para ter acesso ao tratamento para diabetes. Ufa!
O Sistema Único de Saúde brasileiro é o maior complexo de saúde pública no mundo. Quando comparado com outros países, é um programa que oferece muitos privilégios, como o programa de vacinação, serviços odontológicos, consultas especializadas, programas direcionados como o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (Pacs), o Programa de Saúde da Família (PSF), bem como exames laboratoriais e de imagem, internações hospitalares, cirurgias e atendimentos de alta complexidade.
Para a estudante do último ano de medicina, Rafaella Vizotto, o SUS é a melhor coisa que o brasileiro tem. “É um programa que conta com uma diversidade de serviços gratuitos. É um sistema funcionante e apesar de encontrarmos desfalques quanto a recursos, ainda é um sistema que oferece muitos benefícios para a população”, relata.
Nahila Sarhan, que tem diabetes, comenta que é assustador pensar que as pessoas no exterior morrem por não conseguirem comprar insulina. Ela ressalta que as pessoas que economizam medicamentos correm um risco tremendo. “Mesmo os planos de saúde de lá não garantem que vão cobrir todos os gastos. O SUS pode até ter suas falhas, mas no Brasil, ninguém vai morrer por falta de insulina. Podemos ir em um posto de saúde e buscar de graça. Nunca vi alguém dizendo que o SUS negou insulina”, afirma Nahila.
No Brasil
De acordo com os princípios de universalidade, equidade e integralidade do SUS, o indivíduo que necessite de assistência médica pode obtê-la em qualquer nível do serviço, seja em baixa, média ou alta complexidade, incluindo atendimento com especialistas.
A doutora Jenie Kloss, médica no Hospital Pronto Socorro de Ibiúna – SP, sustenta que sem o SUS, a maioria dos brasileiros não teria acesso à saúde, tendo em vista que muitos não têm condições financeiras para pagar planos de saúde privados. Além disso, o SUS também alcança áreas de difícil acesso, como os campos, florestas, populações ribeirinhas e indígenas.
Para Jenie, o brasileiro não reconhece e nem valoriza o SUS, por razões como falta de recursos e demora nos atendimentos, mas principalmente por não saber como funciona o acesso à atenção médica em outros países. “Apesar dos desafios enfrentados no SUS, a saúde é de todos”, afirma a médica.
A população sabe que a saúde é direito garantido na Constituição Brasileira. Mas quão esclarecedor é pensar que se a protagonista de “Continência ao Amor” estivesse no Brasil, teria acesso a toda a sorte de medicamentos para o tratamento de diabetes gratuitamente?
Se você for uma das pessoas que enfrenta a diabetes, vale lembrar que para retirada dos medicamentos, o cidadão deve procurar uma Unidade Básica de Saúde com farmácia ou Farmácias Populares, levando uma receita médica válida, documento de identificação e o cartão do SUS. O SUS fomenta atividades de prevenção e educação da diabetes, programas de reabilitação em casos mais avançados e atendimentos domiciliares.
Foto: Divulgação Netflix