Quem dera todas as preocupações das crianças fossem desimportantes.
Mariana Santos
Um dia, eu estava com as minhas três primas no sítio dos nossos avós brincando com pequenas bonecas de plástico. A gente tinha montado uma espécie de barragem feita de chinelo em um caminho de água que saía da bica e ia para o brejo, mas confesso que não era uma estrutura muito segura. Como seria facilmente previsto por um adulto, a barragem estourou e a boneca da minha prima mais nova foi “rio” abaixo. Foi um momento de grande tristeza, já que a boneca era um presente do tipo que só se ganha em ocasiões especiais.
Naquela época, existiam três momentos no ano em que a alegria estava garantida: Natal, aniversário e Dia das Crianças. Embora as dificuldades financeiras não fossem tão grandes na minha casa, os brinquedos e presentes sempre foram guardados para essas datas. Era um jeito de economizar e de ensinar a criançada a valorizar as coisas que ganhavam.
Lembro de ter negociado o presente do dia das crianças para receber um presente mais legal no Natal, e também lembro de ter esperado um pouco mais para ganhar algo por falta de dinheiro. De qualquer maneira, os meus pais, sempre que possível, demonstraram afeto com presentes e (na medida do dinheiro) fizeram várias das minhas vontades. Fui uma criança sem muito dinheiro, mas muito privilegiada.
Um amigo viveu um problema bem diferente durante a infância. Acontece que o Dudu nasceu no dia 12 de outubro e, por isso, sempre ganhou apenas um presente. Para a alegria de Eduardo, a família dele não passava por problemas financeiros e podia o presentear com pequenos mimos ao longo do ano inteiro.
Eu, definitivamente, estou bem longe de ser rica, a minha família também, mas os presentes faziam parte da minha vida. Eduardo não é rico, e sua família precisa trabalhar para garantir que todas as contas sejam pagas, mesmo assim ele nunca teve dúvidas se ganharia ou não algo em seu aniversário, por exemplo. A verdade é que nenhum de nós tinha preocupações “de gente grande” enquanto ainda éramos pequenos.
Depois de anos de pandemia, o comércio está apostando alto nas compras que podem acontecer. Os estoques estão lotados de presentes caros. Não tiro a razão dos comerciantes, afinal, todo mundo precisa de dinheiro para comer, mas o que não sai da minha cabeça são as crianças que além de ficar sem presentes talvez fiquem sem comida se tirarem um dia de folga.
O trabalho infantil é um problema real no Brasil. Basta sair de carro em qualquer cidade minimamente grande para perceber o que está acontecendo nos semáforos, nas esquinas e nos congestionamentos. A bala que diverte algumas crianças tem um significado muito diferente para outras. E, olhando por esse lado, os problemas que eu e o Eduardo tínhamos quando crianças não parecem nada. Quem dera todas as crianças pudessem ter apenas problemas como os nossos.