Produtores de ovos e frango relatam experiências no comércio após a crise da doença.
Raíssa Oliveira
O primeiro caso de gripe aviária registrado no Brasil foi confirmado em maio de 2025 em uma granja comercial de Montenegro, cidade do Rio Grande do Sul, pelo Ministério da Agricultura e Pecuária. Em sequência, outros estados também identificaram a doença em granjas, fazendo com que países bloqueassem comércio com o Brasil e consequentemente que as exportações fossem prejudicadas.
Sobre a gripe
A influenza aviária é uma doença viral altamente contagiosa que afeta as aves domésticas e silvestres, e pode também ser transmitida para os humanos através do contato direto com aves infectadas, aerossóis e secreções respiratórias. Apesar disso, casos identificados em aves silvestres não alteram o status sanitário.
A médica veterinária Cléia Campos explica que, mesmo após a morte do animal, a doença pode ser transmitida através das secreções. Caso a pessoa tenha contato direto com a ave infectada já sem vida, ainda assim pode ser transmitido. “É necessário fazer notificação do caso e não ter contato direto com os animais até que o órgão responsável chegue pra tomar as devidas providências”, esclarece a médica.
O impacto econômico para pequenos produtores
Ilse Brisch é avicultora em uma granja de pequeno porte em Cachoeira do Sul, interior do Rio Grande do Sul. A pequena propriedade vende ovos diretamente para estabelecimentos médios da cidade e localidades próximas ou também para pessoas físicas. A avicultora diz que não sofreu impacto com os casos de gripe aviária e não teve prejuízos ou fiscalizações.
Entretanto, ao explicar o porquê do alto valor dos ovos no comércio, Brisch destaca que, no ano passado, o valor das dúzias estava muito baixo. Por isso, o reajuste deste ano foi mais percebido pelos consumidores, embora tenha sido razoável. “O ano passado foi um ano um pouco fora da realidade, foi muito difícil para produzir, para todos os produtores. Acho que teve uma supersafra e foi muita produção. Quando grandes produtores começam a diminuir a produção ou conseguem aumentar a exportação, é a lei da oferta e da procura”, ressalta.
Por ser pequena produtora, ela menciona que acompanha os preços do CEASA Rio Grande do Sul para basear os valores de mercado. “Quanto mais ovos tem o CEASA, mais baixa o ovo, mais tem oferta. Agora, tem época que São Paulo não tem ovos sobrando para mandar para o Rio Grande do Sul, nem outro estado. Não saberia dizer se estão produzindo menos ou estão exportando mais. Sempre que tem superprodução, os preços baixam”, completa.
Eber Cordeiro, formado em Teologia e graduando de Psicologia, realizou neste ano o sonho de mudar para um sítio na zona rural de Taquara, município do Rio Grande do Sul, e adotou a venda de ovos como uma renda extra para ele e a esposa, tendo em vista que o trabalho não exigiria experiências anteriores e nem grande demanda de trabalho. Ele tem visto essa atividade como uma boa alternativa e também relata não ter sido atingido pela gripe aviária, já que o consumo de ovos não é afetado pelo vírus.
A veterinária afirma esse pressuposto e alerta que “pode continuar consumindo, mas o ideal é cozinhar, fritar, preparar muito bem, até para prevenir outras doenças, mas a transmissão não se dá pelo consumo de carne e de derivados”.
Cordeiro comemora a ótima lucratividade da atividade e quer continuar no ramo. “Eu estou adotando algumas técnicas para evitar que as aves fiquem doentes e a questão dos ovos não afetou no mercado, então eu não pensei em desistir, pelo contrário, eu estou pensando em cada vez mais aumentar o meu plantel”, finaliza.
Exportação de frango
César Lemos é avicultor e trabalha em uma granja em Dois Vizinhos, município paranaense denominado capital nacional do frango. A granja em que ele trabalha atua no comércio de frangos e exporta através da integradora, principalmente para o mercado do Oriente Médio. Ele explica que não está sentindo os impactos da gripe aviária ainda, porém, menciona que “já está chegando no gargalo, porque muito mercado não abriu ainda e integradoras estão com os estoques lotados, elas continuaram a todo o vapor e estoques estão lotados, quem vende bastante pra fora já vai começar a tirar o pé do acelerador pelo que estamos vendo”.
Como a granja cria para integradora, a qual exporta para fora do Brasil, Lemos explica que existe contrato anual que não pode ser modificado. “Eles não conseguem mexer no preço. A única parte ruim é que diminui o fluxo, não está se mandando para fora. Se não der novo caso em granja comercial, acredito que logo logo tudo volta ao normal. Então não vai mexer preço, mas se chegar a ter novo caso, a perca nesse momento é mercado parado”, explica.
O advogado Brener Silveira, especialista em Advocacia do Agronegócio, explica que quanto aos contratos nacionais, podem ser renegociados e, caso a outra parte discorde, poderá ser solicitado judicialmente o reequilíbrio contratual em decorrência de força maior. Entretanto, o mesmo não se aplica obrigatoriamente para comércio internacional, variando conforme as legislações internacionais e os contratos firmados.
Direitos para quem foi impactado no âmbito nacional
Para os produtores afetados no comércio nacional, Silveira alerta que as responsabilidades são individuais e estão sujeitos a riscos do mercado. Com o surgimento da gripe aviária no Brasil e a perda quase total de animais nas granjas afetadas, surgem problemas, como o pagamento de funcionários e contratos a serem cumpridos. Na ausência ou insuficiência de seguro, precisará buscar crédito ou vender maquinários para o pagamento das obrigações.
Entretanto, Silveira informa que nem tudo está perdido nesses casos e orienta que “quanto às obrigações trabalhistas, acordos podem ser feitos, reduções de carga horária, desde que em acordo prévio com respectivo sindicato e nos termos da convenção coletiva. Quanto aos créditos rurais a serem pagos, poderão ser prorrogados mediante a elaboração do laudo de quebra de produção e conseguinte notificação ao banco”.
O advogado explica que o direito de prorrogação é obrigatório de ser concedido pelo banco e que, caso o banco negue esse procedimento, o produtor poderá procurar um escritório de advocacia especializado e o solicitar via judicialmente.
Perspectivas futuras
Por conta do bloqueio das exportações, o advogado prevê possíveis consequências caso a exportação siga impossibilitada e as granjas precisem comercializar apenas internamente. “No momento, a curto e possivelmente a médio prazo, a tendência é que os preços caiam pelo excesso de produtos no mercado interno, mas se ocorrer a morte de muitas aves, você tem muita perda de produção e aí vai começar o efeito inverso da economia e, com a queda da oferta, vai subir o preço”, complementa o especialista.